Arnaud Desplechin abre edição de 70 anos de Cannes
Por Rodrigo Fonseca, de Cannes
Dono de 16 prêmios de prestígio em solo europeu, conquistados ao longo de 26 anos de uma carreira pontuada por sucessos de bilheteria em série, Arnaud Desplechin foi o responsável por abrir o 70° Festival de Cannes à força de sua autoralidade popular: seu Os Fantasmas de Ismael (Les Fantômes d’Ismaël) foi o abre-alas do evento. O filme traz algumas das maiores estrelas do Velho Mundo – Marion Cotillard, Charlotte Gainsbour, Louis Garel e Mathieu Amalric – e segue a estética de muito falatório e muita lavação de roupa suja do cineasta, chamada maldosamente de “melodrama mauricinho”. Produções como Três Lembranças da minha Juventude (2015) ou Reis e Rainha (2004) são bons exemplos de sua grife. A exibição de seu mais novo exercício melodramático em Cannes se deu nesta quarta, mesmo dia em que o longa-metragem estreou em circuito francês, onde bilheterias em torno de 450 mil ou meio milhão de espectadores são uma marca habitual do realizador, nascido em Roubaix.
Com um roteiro calcado na metalinguagem, Os Fantasmas de Ismael narra os efeitos que o regresso de uma mulher dada como morta por duas décadas tem sobre seus entes queridos. E que mulher mais chave de cadeia é Carlotta, personagem de Marion. Durante 20 anos, seu marido, o cineasta Ismael (Mathieu Amalric, quase um alter ego de Desplechin, de quem é ator fetiche) viveu a crer na viúvez, crente que Carlota havia morrido. Ele arruma até outra namorada, por quem se apaixona: Sylvia, vivida por Charlotte. Porém, quando Ismael começa um delicado filme de espionagem sobre o herói Ivan Dédalus (Garrel), Carlotta volta, levando-o a rever um passado de dor e de traições a fio.
Na entrevista a seguir, o diretor fala de seu cinema:
Revista de CINEMA – Qual é a linha narrativa de sua obra e como Os Fantasmas de Ismael dialoga com ela?
ARNAUD DESPLECHIN – Eu não penso muito nessa coisa de obra. Cada filme que faço carrega um ethos particular. Talvez existam traços entre eles, mas não é uma busca. Há apenas uma predileção minha pelo tema da segunda chance. Gosto de pessoas que têm a chance de recomeçar. Essa é a questão de Carlotta aqui. Eu te esclareço porque não penso blocado, como obra: Três Lembranças da minha Juventude era um filme de melancolia, sobre o peso do passado. Os Fantasmas de Ismael, pelo contrário, é um filme de afirmação da vida.
Revista de CINEMA – Seria correto classificar Os Fantasmas de Ismael como um filme sobre assombrações?
ARNAUD DESPLECHIN – Não, porque isso passa uma ideia de sobrenatural. Ele tem fantasmas de outra ordem: ele fala das pessoas que nos assombram.
Revista de CINEMA – A trilha sonora do filme tem colecionado elogios. Como ela foi estruturada?
ARNAUD DESPLECHIN – Grégoire Hetzel é um compositor que aguenta as minhas exigências e tira poesia das minhas propostas absurdas. Para este filme, desse roteiro, trouxemos uma presença de Bob Dylan, porque as letras dele traduzem quem é Carlotta.