Brasil lança maior número de animações em 22 anos
Em 2017, o mercado brasileiro de animação viveu seu melhor cenário desde a chamada “retomada” do cinema nacional, ocorrida em 1995. Foram lançados sete longas de animação em um único ano. Nos 22 anos anteriores, haviam sido lançados, no máximo, quatro filmes de animação em um mesmo ano (em 2014). Em todo o período, foi lançado um total de 18 filmes. Atualmente, estão em fase de produção 25 longas-metragens de animação brasileiros. Nos últimos dez anos, a produção de séries animadas passou de duas para 44.
As séries de animação brasileira Peixonauta e Show da Luna são campeões de audiência no canal pago Discovery Kids. O filme Lino, de Rafael Ribas, um dos sete lançados no ano passado, se destacou entre os 20 filmes brasileiros de maior bilheteria (de um total de 158 títulos nacionais lançados em 2018). Lino contou com um orçamento de R$ 8,3 milhões, sendo que R$ 4,5 milhões vieram de leis de incentivo previstas na Lei do Audiovisual, R$ 1 milhão via Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e pouco mais de R$ 200 mil por meio de outros editais. Distribuído pela Fox, após quatro semanas de sua estreia, a animação gerou uma renda de R$ 3,8 milhões, se transformando em uma das 20 maiores bilheterias de filmes nacionais de 2017.
Este boom de animações brasileiras chamou a atenção do mundo. O Festival de Annecy, na França, o maior e mais importante festival de cinema de animação do planeta, vai homenagear a animação brasileira na edição deste ano, que será realizada de 11 a 16 de junho.
Fundo Setorial do Audiovisual
Como um dos principais mecanismos de fomento à produção audiovisual no Brasil, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), administrado pelo Ministério da Cultura (MinC) por meio da Agência Nacional do Cinema (Ancine), vem se mostrando uma importante ferramenta para o crescimento do mercado de animação nacional, tanto no cinema quanto em séries para a televisão. Desde sua implantação, em 2007, o FSA investiu mais de R$ 109 milhões em produções do gênero, em sua maioria voltadas para o público infantil. O resultado é significativo.
Os recursos que compõem o FSA provêm de diversas fontes, em especial da arrecadação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine). Além disso, o fundo também é composto por receitas de concessões e permissões do setor de telecomunicações, como o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). Ou seja, é o setor alimentando o próprio setor.
Um dos fundadores de uma das maiores franquias infantis de animação brasileira, o Peixonauta, Ricardo Rozzino, dono da TV Pinguim, que também assina o Show da Luna, aponta o financiamento público como uma solução para a dificuldade enfrentada pelos produtores para a realização de séries de tevê. “No caso de O Show da Luna, hoje exibido em 74 países, esse investimento permitiu que a produção tivesse início, atraindo posteriormente outros investimentos”, informa.
Rozzino ressalta que a chegada de diversas séries brasileiras a canais de TV paga estrangeiros sinaliza ao mundo que o Brasil possui produtoras com capacidade de realizar bons produtos, com boa aceitação, inclusive no exterior. “Algumas séries brasileiras tiveram ótimo retorno, mesmo quando o público não sabia necessariamente tratar-se de produto brasileiro”, conta. O FSA, na opinião de Rozzino, vem permitindo aumentar bastante o volume de horas produzidas e a presença desses produtos em diversos canais.
O animador Andrés Lieban, criador de uma das séries infantis brasileiras de maior sucesso, Meu AmigãoZão, também acredita que o FSA e a Lei 12.485/2011 (Lei da TV Paga) são essenciais para o desenvolvimento do setor audiovisual, sobretudo para a televisão. “Foi possível viabilizar muitas séries infantis, formato que era inédito no Brasil sete ou oito anos atrás. Hoje, crianças brasileiras podem escolher heróis nacionais como ídolos entre seus desenhos animados favoritos, referência que adultos de hoje não tiveram. Isso impacta na formação, na ideologia e até na autoestima de um povo”, destaca.
A série Meu AmigãoZão recebeu R$ 4,5 milhões do FSA para a realização de duas temporadas para tevê e mais R$ 2,5 milhões para a produção de um longa-metragem. “Com o FSA, é possível pensar em obras de grande escala, porque há como planejar o retorno do investimento. O curta, no entanto, pode e deve continuar a ser estimulado, como investimento em cultura. Sem espaço para uma produção experimental livre de dirigismos estéticos ou narrativos, a indústria também não irá se desenvolver na plenitude e pode se atrofiar com o tempo”, defende.
Lieban, que também é diretor artístico da 2DLab, trabalha atualmente na produção de outras duas séries inéditas voltadas ao público infantil. “Acabamos de ser contemplados por outra linha do FSA para formação de um núcleo criativo, que trabalhará no desenvolvimento de outros cinco novos projetos. Isso norteará o trabalho da empresa por, pelo menos, mais cinco anos”, informa.
Quando o criador da série Historietas Assombradas para Crianças Malcriadas, Victor-Hugo Borges, começou a trabalhar com animação, o setor era movido basicamente pelo mercado da publicidade e pelo esforço de artistas e animadores dedicados à produção de filmes independentes. “Apesar de sempre ter tido qualidade, fora da publicidade, a animação nacional não permeava o cotidiano do brasileiro. Hoje, o Brasil conta com pelo menos 20 longas-metragens em produção e contabiliza dezenas de séries infantis nacionais, presentes nas TVs aberta e por assinatura, ocupando múltiplas plataformas, criando um público cativo”, afirma.
Na avaliação de Victor-Hugo, a animação brasileira se encontra em plena expansão, alcançando patamares inéditos de quantidade, qualidade e popularidade de suas produções. “Investir na produção nacional de animação é uma opção extremamente inteligente. Infelizmente, o investimento em animação no Brasil ainda é uma novidade, com um retorno de médio a longo prazo. Por conta disso, o investimento privado ainda é tímido diante da demanda do setor, tornando o FSA fundamental para viabilizar o crescimento da atividade no País”, considera.