CONNE – O horizonte fora do eixo
O cenário do audiovisual brasileiro tem passado por profundas transformações nos últimos anos, especialmente fora do eixo RJ/SP. Em 1991, havia apenas dois cursos superiores de Cinema no país, na ECA/USP e na UFF (RJ). Hoje, somente no Estado do Ceará, onde moro, temos dois cursos superiores e diversos cursos básicos e sequenciais ligados à Universidade, Prefeitura de Fortaleza e Governo do Estado. Cursos de Audiovisual estão surgindo em todos os Estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste, bem como no Sul do país e no Sudeste. A força nova do fazer cinema não é mais privilégio de uma região, hoje está em todo o país, em todas as regiões. Uma luta antiga que teve o seu primeiro impacto político, quando as ABDs do Nordeste, Centro-Oeste e Sul, reunidas em Olinda/PE, no ano de 1976, exigiram da Embrafilme a chamada lei de 1/3 para o cinema cultural, criando a possibilidade de produção nas regiões. Muitas lutas se seguiram a essa.
Hoje, temos todo o país fazendo cinema. Apesar da crise que assola quase todos os setores da economia, o audiovisual é hoje um ponto fora da curva, vivendo uma das suas melhores fases, seja na produção, seja no avanço das políticas públicas voltadas para o setor. Um reflexo dessas políticas no Estado é o destaque que a Mostra Olhar do Ceará vem ganhando ano a ano, com o aumento exponencial do número de inscritos e da qualidade das obras, com produções da capital e interior.
Todas essas conquistas só foram possíveis a partir de uma construção coletiva pautada na busca pela superação de distorções geográficas, que marcam historicamente a produção audiovisual, ainda muito concentrada no eixo RJ/SP. Uma articulação que ganhou força com a APCNN – Associação de Produtores e Cineastas do Norte/Nordeste, em 2003. Hoje, essa articulação ganha mais força com a criação da CONNE – Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste, formada por produtores e cineastas dessas três regiões, que se uniram justamente para reafirmar a importância do papel do Estado e na busca da efetivação de políticas públicas para o audiovisual brasileiro.
A partir da Lei 12.485/2011, ou Lei da TV Paga, último marco legal que abrange o segmento do audiovisual brasileiro, percebe-se a preocupação com a regionalização do conteúdo audiovisual, especialmente no art. 27, quando afirma veementemente no inciso I que, no mínimo, 30% das receitas da Condecine deverão ser destinadas a produtoras brasileiras estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, nos critérios e condições estabelecidos pela Ancine. Apesar da importância da previsão legal, a aplicação real dessa lei ainda não ocorre de fato por não existir instrução normativa que regulamente a Lei. A nacionalização dos recursos e meios da produção, em todos os Estados da federação, tem se tornado uma grande pauta no audiovisual brasileiro. A CONNE tem promovido seminários que consistem em espaços de amplos debates sobre a questão.
Quando se trata da dimensão da CONNE, estamos falando de 20 Estados mais DF, e de cerca de 1.600 produtoras independentes cadastradas na Ancine. A proposição é ampla e cooperativa, integrando as regiões e apoiando a diversidade. De 2009 a 2016, aproximadamente 2.000 projetos foram apoiados pelo FSA; destes, apenas 500 foram da CONNE. Ainda assim, no Nordeste, por exemplo, que teve 329 projetos incentivados, o montante de recursos representou R$ 71 milhões nesse período. Precisamos conquistar ainda o restante, mas, mesmo assim, diante desse cenário, com muita articulação, a macrorregião CONNE começa a demarcar posição e a mostrar sua relevância econômica e artística. O cinema realizado na macrorregião CONNE, pela inventividade e ousadia estética, tem conquistado prêmios nos mais importantes festivais do mundo e tem conquistado a crítica especializada. Outro aspecto relevante é que alguns desses filmes estão entre as grandes bilheterias do país. Uma história de lutas, de conquistas e de sucessos.
Por Wolney Oliveira, cineasta e diretor da CONNE Nordeste