“Grandes Médicos” presta tributo aos que fizeram de seu ofício um sacerdócio
Quem assistiu ao filme “O Paciente”, de Sérgio Rezende, sobre a agonia de Tancredo Neves, deve ter guardado imagem preocupante e algo negativo dos médicos. Afinal, a equipe brasiliense e paulista, reforçada por um médico vindo de Minas Gerais, que atendeu ao presidente eleito, bateu cabeça, cometeu falhas e promoveu atos explícitos de vaidade. E assistiu à morte de Tancredo, no dia 21 de abril de 1985, depois de agonia que durou 38 dias.
Quem, porém, assistir ao documentário “Grandes Médicos”, do gaúcho Luiz Alberto Cassol (de Santa Maria, radicado em Porto Alegre) e de sua colega Marilaine Castro da Costa, irá deparar-se com ato de amor explícito a quem fez da Medicina um sacerdócio. O filme, exibido em mostra informativa no último Festival de Cinema de Gramado, acompanha a vida dos maiores nomes da Medicina brasileira, em especial aqueles que se dedicaram à pesquisa científica, seja na descoberta de vacinas, de chapas para detectar doenças nos pulmões ou de transplantes cardíacos.
Emílio Ribas, Adolpho Lutz, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Manoel de Abreu, cientistas renomados, somam-se, no filme, a JK (médico que chegou à presidência da República), a Dona Zilda Arns e a Euryclides Zerbini.
O documentário, um típico “cabeças falantes”, de narrativa televisiva, soma bons depoimentos – de cientistas que conhecem e estudam em profundidade a obra destes mestres – e prende nossa atenção. A história de Ribas, Lutz, Cruz (que enfrentou a Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro do início do Século XX) e Chagas (descobridor do mal provocado por barbeiros, a doença de chagas) é apaixonante. Estes homens não mediram esforços para tirar o Brasil do subdesenvolvimento, em especial na área do combate a grandes endemias tropicais.
Manoel de Abreu, criador da Abreugrafia, aquela outrora popular chapa dos pulmões, tão simples e tão necessária (até que os imensos avanços da Medicina contemporânea a tornassem obsoleta), estudou em Paris e lá produziu seu invento. Fumante inveterado (chegava a cinco maços de cigarro por dia) morreu – ironia do destino – de câncer nos pulmões.
O documentário de Cassol e Marilaine perde o rumo quando abre imenso espaço para o Dr. Juscelino Kubitscheck de Oliveira. OK, JK era médico e exerceu seu ofício. Mas foi como político que ele se notabilizou. Comparado aos grandes cientistas que o filme vinha biografando, o médico mineiro não mereceria mais que um simples registro. Ou seja, ser citado como médico que chegou à presidência, comandou a construção de Brasília e criou, com a esposa à frente, a Rede de Reabilitação Sarah Kubitscheck. Mas o filme dedica a ele espaço desmedido, laudatório e muito cansativo.
Já a presença de Dona Zilda Arns e seu soro caseiro, fundamental na salvação de crianças no Brasil (e no Haiti, onde ela morreu) é importante. Até para quebrar a presença acachapante de homens médicos. Louvável, também, o registro do empenho do Dr. Zerbini, médico-pesquisador que fez o Brasil avançar, de forma notável, na área dos transplantes de coração. O filme chega a afirmar que ele, se tivesse tido apoio maior em nosso país, teria realizado, antes de Christian Neethling Barnard, o transplante que consagrou, em dezembro de 1967, o médico sul-africano. Quem viveu aquele final de 1960 se lembra da foto do Dr. Barnard estampada na capa das principais revistas do mundo.
“Grandes Médicos” deve fazer carreira na TV e poderá ser mostrado em escolas de Medicina de todo o país. Afinal, oferecerá, aos estudantes, retrato resumido do que fizeram nossos principais médicos. Enxugado dos excessos juscelinistas, e editado de forma mais compacta, poderá conquistar, inclusive, plateias leigas.
O incansável Luiz Alberto Brizola Cassol, de 49 anos, está, neste exato momento, produzindo série para TV, com a qual pretende radiografar e discutir a Crítica Cinematográfica. Municiado com sólida pesquisa, ele já entrevistou dezenas de críticos. Está também percorrendo o circuito de festivais com o curta-metragem “O Grito”, que rendeu o Troféu Assembleia Legislativa de melhor ator a seus dois protagonistas (os veteranos Sirmar Antunes e Clemente Viscaíno). E, ainda, integra a equipe da série “Chuteira Preta”, produzida para TV e web, em fase de finalização, como codiretor.
O cineasta, que é, também, cineclubista (foi presidente do Conselho Nacional de Cineclubes), coordena o Festival Santa Maria de Vídeo e Cinema, que este ano chega à sua 12ª edição. Ex-diretor do Iecine (Instituto Estadual de Cinema, do Rio Grande do Sul) e da Cinemateca Paulo Amorim, Cassol é, atualmente, primeiro vice-presidente da Fundacine (Fundação de Cinema do Rio Grande do Sul), instituição que participa da organização do Festival de Gramado.
Em seu currículo, está registrada função curiosa: ele presidiu a Cesma (Cooperativa dos Estudantes de Santa Maria-RS), que conta nos dias de hoje com, pasmem!, “quase 50 mil associados” (no Brasil, o cooperativismo parece ter vingado apenas no território gaúcho). Por acreditar, com imenso vigor, na organização social e na integração latino-americana, Cassol participa, representando nosso país, do Fórum entre Fronteiras, destinado ao fomento de coproduções entre Brasil, Argentina e Paraguai.
Por Maria do Rosário Caetano