Como dimensionar as potencialidades a partir do roteiro cinematográfico

A complexidade do roteiro de um longa-metragem de ficção é um dos indicativos mais observados por quem almeja investir na arquitetura financeira de um projeto. Muito antes de analisar o orçamento detalhado, é na capacidade de desenvolvimento da narrativa que os futuros sócios poderão enxergar se aquela história inicial tem potencial para se estruturar como um filme e, mais adiante, alcançar o seu público nos festivais e no circuito comercial. Embora os roteiristas e cineastas acabem se atendo muito mais ao plano criativo, em algum momento dessa etapa inicial, será imprescindível vislumbrar a envergadura dessa proposta junto ao mercado e à sua futura audiência.

Essa percepção é muito clara para quem já atua com produção, distribuição e exibição de obras audiovisuais. Para os realizadores, no entanto, falar de mercado e difusão, quando as primeiras linhas do argumento ainda estão brotando, parece precipitado e até uma imposição inadequada, limitadora da própria criatividade. Pois é justamente essa mentalidade que os laboratórios de desenvolvimento de projetos buscam quebrar, apontando para caminhos que equilibrem os desafios mercadológicos, sem perder a essência criativa que move a realização cinematográfica.

Nesses laboratórios, os profissionais responsáveis por trazer as suas experiências e compartilhá-las com os realizadores são chamados de tutores, os quais podem ser provenientes dos mais diversos ramos da atividade. Não raras vezes, são produtores acostumados a lidar diariamente com as pressões vindas de todos os lados: cineastas, roteiristas, atores, distribuidores, exibidores, agentes de venda, institutos e agências nacionais de cinema, curadores de festivais, canais de TV nacionais e estrangeiros, investidores privados, entre muitos outros.

Cabe a eles, portanto, olhar para um roteiro participante desse laboratório e tentar dimensionar o tamanho que esse projeto poderá alcançar, ponderando as mais diversas subjetividades intrínsecas ao processo criativo. Ou seja, não se trata de uma tarefa fácil. É por isso também que esses encontros costumam mesclar as tutorias individuais ou em grupo com palestras mais abrangentes, convidando outros agentes do mercado para falarem a partir de outros pontos de vista da cadeia produtiva.

Aqui no Brasil, um dos laboratórios que vem incentivando o aprimoramento e a capacitação profissional, estimulando o desenvolvimento e a criação de projetos audiovisuais para o mercado internacional, é o BrLab, cujas inscrições estão abertas até o dia 26 de abril. A edição deste ano será realizada na primeira semana de outubro, em São Paulo, e contará também com o segundo Workshop de Design de Audiência, em parceria com o TorinoFilmLab, avançando para as etapas de busca do público-alvo dos projetos selecionados.

Processo de tutoria

Uma das tutoras mais atuantes, não apenas no BrLab, mas em vários laboratórios internacionais, é a produtora uruguaia Agustina Chiarino. Ela também foi jurada em concursos de desenvolvimento de projetos em fundos de fomento e festivais de cinema, como os de Locarno (Suíça), San Sebastián (Espanha), BAFICI (Argentina), Cartagena (Colômbia) e Miami (EUA). Em depoimento para esta coluna, ela mencionou a importância de se construir uma rede de contatos por meio dos laboratórios, principalmente para produtores de países pequenos e com pouco incentivo para o cinema, como é o caso do seu Uruguai.

Além de trabalhar como tutora, foi no BrLab que ela conheceu o cineasta paraguaio Marcelo Martinessi e entrou na coprodução do filme “As Herdeiras”, como já foi mencionado por aqui. Agustina também é coprodutora minoritária de “Benzinho” (2018), do brasileiro Gustavo Pizzi, filme que já foi vendido para 23 territórios, incluindo a França e a Espanha.

Ao examinar os projetos escolhidos pelos laboratórios, ela é enfática em sublinhar que o seu foco está centralizado no conteúdo esboçado no papel, e que é a partir do roteiro que se pode armar a estrutura financeira, demonstrando se existe (ou não) um potencial de coprodução internacional. O seu trabalho, por conseguinte, é mostrar isso claramente para o diretor e o roteirista.

A seu ver, é nesses encontros também que é possível descobrir novos talentos, e não apenas entre os diretores que estão em seu primeiro filme. Às vezes, é no segundo ou no terceiro projeto que eles aparecem. No caso específico do BrLab, ela destaca o fato de ser uma plataforma latino-americana e que “esse intercâmbio é super-rico”, onde todos se entendem muito bem em “portunhol”, a língua oficial ao longo dos sete dias de imersão.

 

Por Belisa Figueiró, autora do livro “Coprodução de Cinema com a França: Mercado e Internacionalização” (Editora Senac São Paulo, 2018)

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