Anos 90

Por Maria do Rosário Caetano

Aos 13 anos, os filhos costumam divorciar-se dos pais. Concentram suas atenções em par amoroso ou grupo de amigos. É o que acontece com Stevie (o ótimo Sunny Suljic), um pré-adolescente californiano, protagonista de “Anos 90”, estreia do ator Jonah Hill na direção. O filme, imperdível, estreia nesta quinta-feira, 30 de maio, no circuito de arte brasileiro.

O garoto de 13 anos vive com a mãe Dabney (Katherine Waterson) e um irmão mais velho, Ian (Lucas Hedges, de “Manchester à Beira Mar” e “Lady Bird”), sem a presença da figura paterna. Adora praticar skate. E é entre os praticantes deste esporte, em pistas de concreto ou movimentadas ruas de Los Angeles, que ele encontrará sua turma.

Uma turma de jovens (quase) marginais. Ser reconhecido por Ray (Na’Kel Smith), o líder deles, e pelos demais integrantes do grupo (incluindo o desbocado Fucksit) é o sonho do mirrado Stevie (ele aparenta bem menos que seus 13 anos reais).

Jonah Hill, 36 anos, ator em “O Virgem de 40 Anos”, “Ligeiramente Grávidos” e “O Lobo de Wall Street”, nos surpreende com estreia das mais vigorosas. Apoiado em modestos recursos financeiros, ele constrói um filme eletrizante. Seus diálogos tiram força rara de banalidades cotidianas e de palavrões cabeludos. O jovem elenco nos alicia o tempo inteiro. Nos interessamos por suas pequenas vidas, por seus riscos e sonhos. Não é só Sunny Suljic que nos encanta. Seu personagem, em obstinada busca de aceitação pelos outros skatistas, um pouco mais velhos, é, sim, o mais fascinante. Mas acompanhamos também os outros, igualmente inseguros e sôfregos por novos desafios e riscos.

Notável que o líder deles, Ray, seja um jovem negro, construído com matizes e força catalizadora. E que trabalha (ele cuida com muita habilidade de loja de produtos para skatistas).

O chicano Ruben (Gio Galícia) motiva um dos melhores diálogos do filme. Os integrantes deste “projeto de gangue skatista”, que tanto fascina Stevie, dizem no meio de banalidades, coisas sérias. Comenta-se que os mexicanos gozam de fama de preguiçosos. Um deles retruca, ironicamente: sempre que vê um mexicano, ele está desempenhando trabalhos pesados.

Cada gesto de Stevie, cada aprendizado (inclusive sua “iniciação sexual”), nos seduz por sua gestualidade, seus olhos vivos que sorriem de prazer, pelo afeto que brota naquele grupo. Um grupo, registre-se, indesejado por qualquer mãe (seja pelos riscos da prática de esporte radical, seja pela falta de perspectiva escolar e profissional).

Na sequência mais dura de “Anos 90”, o pequeno Stevie enfrenta a mãe com fúria selvagem. Já “divorciado” dela e do lar do qual foge para estar com os amigos (sua família eletiva), o garoto deixa bem claro de que lado está e deseja continuar. Felizmente, o filme não abraça a barbárie. Acontecimentos trágicos levarão a desfecho generoso. Humanista. E sem vilanizar a figura materna.

 

Anos 90 / Mid90s
Drama juvenil, com toques de comédia
EUA, 85 minutos, 2019
Direção: Jonah Hill
Elenco: Sunny Suljic, Na’Kel Smith, Gio Galicia, Olan Prenatt, Lucas Hedges e Katherine Waterston

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