Emília Silveira lança documentário sobre portadores de HiV
Por Maria do Rosário Caetano
A cineasta Emília Silveira lança, neste sábado, 4 de maio, no Cine Odeon-Rio, seu quinto longa documental, “Tente Entender o que Tento Dizer”. Por trás deste cativante título, tomado de empréstimo ao escritor Caio Fernando Abreu (1948-1996), está tema de saúde pública de significativa relevância: os 800 mil brasileiros, portadores de HiV. Muitos deles, jovens na faixa dos 15 aos 19 anos.
“Passei um ano e meio realizando o filme” – relembra a diretora – “sem conseguir um título que me envolvesse”. Isto “porque eu não queria, mais uma vez, trazer a questão que envolve o vírus HiV, e até a Aids, repetindo entendimento do passado”. Ou seja, “um entendimento marcado pelo preconceito, pânico e dor. O tempo passou e muita coisa mudou, mas o problema persiste”.
Com a intenção de estabelecer fundamentos essenciais ao roteiro, escrito por ela em parceria com o cartunista Miguel Paiva, Emília somou indagações múltiplas, capazes de ajudar na compreensão do núcleo temático do filme: pessoas que vivem com HiV nos dias de hoje, 30 anos depois da epidemia que custou tantas vidas.
Foram muitas as palavras-chave reunidas pelos dois roteiristas: “resistir, insistir, não desistir, dar a volta por cima, sobreviver, viver no possível, correr contra o tempo, pular obstáculos, mudar de fase, o inesperado, uma surpresa, um susto, uma saída”. E, a mais angustiante: “Por que eu?”
“Mesmo assim” – confessa a realizadora – “o título do documentário não vinha”. Em determinado momento da pesquisa, Emília dedicou-se à leitura de textos de Caio Fernando Abreu, que morrera jovem (aos 47 anos), vítima de Aids. Reencontrou, então, o texto “Carta para Além dos Muros”, ao final do qual o escritor registrou: “Por favor, Tente Entender o que Tento Dizer”. Naquela frase, Emília encontrou o que tanto procurava.
“Dali em diante” – relembra – “uma série de coincidências me deram a certeza de que aquele era o título definitivo do filme. Eu estava apaixonada por ele”.
“Tente Entender o que Tento Dizer” nasceu de convite dos produtores Daniel de Souza, Luciana Boal Marinho e Alberto Graça, da MPE Filmes. Emília confessa que, ao receber o convite, se questionou: “serei eu a pessoa certa para realizar o projeto?”
Dirigiu-se à primeira reunião de trabalho com “a cabeça vazia”, pois “não tinha ligação direta com o tema” e até achava que ele “não lhe dizia respeito”. Mais ouviu, do que falou.
Um dos produtores, Daniel de Souza, ativista de lutas ligadas ao HiV/Aids, mostrou à documentarista diversas pesquisas sobre o tema e apresentou-a a diversos militantes da causa. “Fui me aproximando do assunto e, juntos, fizemos as contas: nos últimos dez anos, dobrou o número de jovens que vivem com HiV”. Este dado é “três vezes maior entre os que têm entre 15 e 19 anos”. Só em 2016, “foram registrados 48 mil novos casos no Brasil”.
Frente a tal realidade, que desconhecia, Emília visualizou “uma espécie de epidemia que não mata mais”, mas “se espalha em silêncio”, pois “o vírus não perde tempo”. Outro aprendizado: “a velha crença de que existem populações de risco não tem mais por que existir”. Hoje, “o problema é de todos”.
Ao iniciar as filmagens, Emília e equipe depararam-se com as primeiras dúvidas. “Quanto tempo dura o impacto de uma notícia que pode mudar uma vida? Cinco segundos? Quantos pensamentos cabem nesse tempo? Quantas imagens? É possível um documentário chegar perto deste instante, no qual tudo parece dizer que a vida pode não continuar?”
A resposta a que a cineasta chegou, ao concluir o filme, foi “não”. No máximo – constata – “conseguimos ouvir algumas histórias e pequenas confidências sobre sentimentos embaralhados, que se cruzam até que um novo destino se apresente”.
Com seis entrevistados (o depoimento mais impressionante é o de Bia Nicktinha), de opções sexuais e origens geográficas diversas, Emília aprendeu que, a partir daqueles segundos em que o exame se revela positivo, torna-se necessário “afastar o medo e enganar o tempo”.
“Tente Entender o que Tento Dizer” mostra – na compreensão de Emília – “a força do coletivo e da militância na transformação de pessoas e realidades marcadas pelas barreiras impostas pelo HiV”. Com o ótimo e experiente fotógrafo Jacques Cheuiche, a cineasta acompanhou a rotina cotidiana de seus personagens, oriundos de variadas classes sociais, profissões e orientações religiosas. O fez com responsabilidade e sem nenhum sensacionalismo.
O filme terá pré-estreias, seguidas de debate, onde houver interesse por ele. “Nos daremos por satisfeitos” – conclui a cineasta – “se conseguirmos mostrar, ao longo dos 80 minutos de filme, que o HiV não é uma questão de nicho, pois pode atingir a todos nós”. E mais: “mesmo que a letalidade da doença tenha diminuído nos últimos anos, não podemos ignorá-lo”.
Por fim, “Tente Entender o que Tento Dizer” deixa ao espectador, para que reflita, pergunta instigante e desafiadora: “Você namoraria um soropositivo?”
Tente Entender o que Tento Dizer
Brasil, 80 minutos, 2019
Direção: Emília Silveira
Produção: MPE Filmes
Montagem: Vinícius Nascimento
Pré-estreia: 4 de maio, no Cine Odeon, no Rio de Janeiro, às 10h30 – Capacidade de público: 600 lugares. Entrada Franca.
Durante o evento, o Grupo Pela Vidda disponibilizará gratuitamente o Teste Rápido para HiV, através de amostra de fluido oral, com resultado em 30 minutos.
FILMOGRAFIA DE EMÍLIA SILVEIRA
2019 – “Tente Entender o que Tento Dizer”
2018 – “Callado” (inédito)
2017 – “Silêncio no Estúdio”
2016 – “Galeria F”
2013 – “Setenta”