Festivais em transe
Por Maria do Rosário Caetano
O Festival de Cinema de Gramado tem tudo para fazer de sua quadragésima-sétima edição (16 a 24 de agosto) a vitrine mais disputada e vistosa da agenda cinematográfica brasileira este ano.
Com o calendário festivaleiro nacional em transe, devido, essencialmente, à falta de recursos financeiros, mas também de planejamento, leva vantagem quem tem capacidade de atrair patrocinadores (públicos e privados, como cervejarias e fábricas de chocolate) e preservar sua data histórica (o mês de agosto, boa vitrine para lançamentos do segundo semestre).
O tradicional festival gaúcho, o segundo mais antigo do país, poderá contar com filmes badalados como “Marighella”, de Wagner Moura, “Bacurau”, de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, Prêmio do Júri em Cannes, “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão”, de Karim Aïnouz, vencedor da Mostra Um Certo Olhar, também em Cannes, “Juízo”, de Andrucha Waddington (com roteiro de Fernanda Torres), e “Veneza”, de Miguel Falabella (com elenco liderado pela almodovariana Carmen Maura).
Para a competição – ou a sempre badalada sessão de abertura – há, ainda, filmes com elencos recheados de astros (que Gramado não rejeita, ao contrário, cultiva) como “Hebe, a Estrela do Brasil”, de Maurício Farias, “Eduardo e Mônica”, de Renê Sampaio, “Boca de Ouro”, de Daniel Filho, e “Maria do Caritó”, de João Paulo Jabour, protagonizado por Lília Cabral.
Até o cineasta Fernando Meirelles tem filme novíssimo para sessão especial em festivais do segundo semestre: “O Papa” (com Anthony Hopkins e Jonathan Pryce), produzido pela Netflix, e que ganhará lançamento no circuito de salas brasileiras, argentinas e italianas (pelo menos).
A situação festivaleira se mostra tão alterada (com as múltiplas mudanças de data e outras incertezas) que até filmes de realizadores acostumados ao Festival de Brasília, caso da dupla mineira Gabriel e Maurílio Martins, podem ser instados a escolher Gramado como vitrine. Isto, caso queiram manter a data pré-reservada para o lançamento de “No Coração do Mundo” (26 de setembro). Tudo indica que os diretores planejavam competir em Brasília e, no calor da hora, chegar ao circuito comercial. Só que a edição 52 do festival, que estava agendada para meados de setembro, foi deslocada para final de novembro.
Um filme que poderia fazer boa carreira em festivais brasileiros – “Divino Amor”, de Gabriel Mascaro (ele passou pelo Sundance e por Berlim), resolveu encurtar caminho e antecipou seu lançamento, previsto para 22 de agosto, para o próximo 27 de junho.
O Cine Ceará, que também acontecerá no segundo semestre (comecinho de setembro), pode beneficiar-se das mudanças no calendário de festivais brasileiros. Mas não na mesma medida de Gramado. E por que? Porque sua competição é de recorte ibero-americano. E cineasta brasileiro – quem há de negar? – detesta disputar prêmios com os vizinhos hispano-americanos (com argentinos, então!). Mesmo assim, o festival cearense tem conseguido colocar de três a quatro longas brasileiros inéditos em sua seleção. Sem desprezar documentários (como vem fazendo Gramado, depois que a produção de longas ficcionais cresceu de forma exponencial). Um registro redundante, mas necessário: o festival gaúcho separou os filmes hispano-americanos dos brasileiros. De uns bons anos para cá, há duas mostras competitivas: a Brasileira e a Latina.
Não foi só o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais antigo do país (criado em 1965, oito anos antes de Gramado), que mudou de data, indo parar em mês inadequado para quem quer aproveitar uma boa vitrine. Ou seja, publicidade e, de preferência boas críticas, para divulgar filme que tem distribuidor e data garantidos.
O Festival do Rio, palco da poderosa Première Brasil, deveria acontecer em setembro. Mas, ano passado, foi transferido para novembro. Este ano, ainda não divulgou sua nova data, pois o estado enfrenta grave crise econômica e tem no comando municipal e estadual (trágica combinação) nomes sem ligações históricas com o setor cultural (e o cinema brasileiro em especial).
Se o Festival Internacional do Rio e sua Première Brasil ficarem, mais uma vez para novembro (ou dezembro), quem também se beneficiará será o comando da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, evento que promove competição para filmes de diretores estreantes (primeiro ou, no máximo, segundo longa-metragem).
A fórmula da mostra paulistana é diferenciada. São escolhidos, em média, 40 longas-metragens brasileiros. Eles são apresentados ao público. Os mais bem avaliados, se forem de diretores estreantes, serão colocados na disputa pelo Troféu Bandeira Paulista. O Brasil tem conseguido colocar dois ou três títulos nesta competição. Mas triunfou poucas vezes. Caso notável foi a vitória do cativante “Cinema, Aspirinas e Urubus”, do pernambucano Marcelo Gomes.
O Cine PE (Festival de Cinema de Pernambuco), que acontecia em abril, em Recife, passou para maio e, agora, migrou para os estertores de julho (29 até 4 de agosto). Já divulgou sua (modesta) seleção. Não há nela nenhum nome grifado, nenhum título badalado.
Um registro final: “Marighella”, de Wagner Moura, pode, sim, ter seu lançamento adiado para 2020, conforme antecipou, à Revista de CINEMA, Bruno Wainer, um de seus distribuidores (minoritário, no caso, já que o filme está na cartela da poderosa Paris Filmes). Ninguém quer falar mais sobre o assunto. Mas sabe-se que Wagner queria ver a cinebiografia de Carlos Marighella, sua estreia na direção, ainda este ano, nas telas brasileiras. As distribuidoras (Paris e Downtown) preferem deixar o filme para momento menos crispado, e marcado pelo ódio, como o atual. Querem ter tempo para promover boa campanha de lançamento. Quem consultar o calendário de estreias do Boletim Filme B, não encontrará “Marighella” na lista 2019.