Brasil, Uruguai e México conquistam principais prêmios do Festival Latino-Americano de São Paulo

Por Maria do Rosário Caetano

A décima-quarta edição do Festival de Cinema Latino-Americano terminou, na noite de quarta-feira, 31 de julho, com entrega de prêmios (o troféu Memorial) a três longas-metragens produzidos no Brasil e no Uruguai, e a quatro curtas realizados por estudantes do México, Costa Rica e Argentina. E com emocionadas homenagens à atriz Léa Garcia, aplaudida de pé, aos cineastas Tata Amaral, Cláudia Priscilla e Cristiano Burlan e ao ator chileno Patrício Contreras, autor do mais belo discurso de agradecimento proferido durante a cerimônia.

Depois de defender “a arte e a edução, vítimas de cortes cada vez mais acentuados”, por parte “de governantes interessados em transformar nossos filmes em meras mercadorias”, Contreras cantou os versos de Chico Buarque “Apesar de você, amanhã há de ser, outro dia/ Você vai se dar mal, etc e tal”. E avisou: “a arte e a cultura dos países latino-americanos são nossas, ninguém há de apagá-las, ninguém vai destruir nossas memórias. Nossos festivais continuarão a existir e a difundir nossas criações cinematográficas”.

O jovem cineasta Diego da Costa, cujo filme “Selvagem” foi escolhido como o melhor pelo júri popular, dirigiu-se ao palco acompanhado de nove integrantes de sua equipe artística e técnica. Agradeceu o reconhecimento dos espectadores, afirmou que “resistiremos sempre” e passou a palavra a duas de suas jovens atrizes. Elas deram destaque ao movimento “Educação na Quebrada”, lembraram que o filme dá destaque a temáticas essenciais e provocativas (educação, moradia popular, cerceamento de direitos), para concluir: “quem não luta tá morto”.

Diego Costa realizou, antes de “Selvagem”, dois longas-metragens bem alternativos e sem orçamento ou apoio de editais. Na cara e na coragem, foram feitos “A Plebe é Rude” (2016) e “Os Caubóis do Apocalipse” (2008), que não tiveram lançamento comercial. Agora, com o novo e premiado longa (apoiado por edital, ainda que de baixo valor), ele espera chegar ao circuito de exibição.

A ação de “Selvagem” se desenvolve no ano de 2015, quando estudantes secundaristas ocuparam escolas públicas paulistanas. A jovem Sofia sonha passar no vestibular, encontrar emprego e sair da casa dos pais. Seus planos são abalados quando a escola, onde estuda, é ocupada por seus amigos e colegas de classe. A ela, apresenta-se, então, incômodo dilema: continuar estudando sozinha ou compartilhar seus conhecimentos e participar da luta com os colegas? Afinal, eles buscam a transformação da escola.

Diego da Costa, paulistano de 35 anos, é formado em Midialogia, pela Unicamp, com experiência no audiovisual como técnico de som e montador. Ele trabalhou em séries como “Pedro e Bianca” e “Superpai” e dirigiu os curtas “Entulho” e “Argentina”.

A atriz brasileira Carolina Mânica, que participa do filme “Pornô para Iniciantes”, recebeu, em nome da equipe, o prêmio de melhor coprodução latino-americana. Ela agradeceu ao diretor uruguaio Carlos Ameglio, que a convidou a participar do filme, e falou da importância, para sua carreira, de ter atuado nesta produção junto a atores uruguaios e argentinos. O longa, que uniu produtores do Uruguai, Argentina e Brasil, tem lançamento garantido em nosso circuito comercial pela Pandora Distribuidora.

Os mineiros Maurílio e Gabriel Martins comemoraram o prêmio aquisição pela distribuidora CineTren, que garantirá o lançamento do longa de estreia deles, “No Coração do Mundo”, no mercado argentino. Os dois lembraram que o filme estreia nesta quinta-feira, primeiro de agosto, em 30 salas brasileiras. “É pouco, num país de 210 milhões de habitantes” – constataram –, “mas é significativo, se pensarmos que muitos de nossos 180 filmes, realizados anualmente, são lançados em uma ou duas salas e, dificilmente, ultrapassam os 4 mil espectadores”.

Os cineastas convocaram os paulistanos a prestigiar o filme e avisaram que na noite de hoje, “Contagem vai ferver, pois faremos um festão depois da estreia de ‘No Coração do Mundo’ num shopping-center da cidade”. É bom lembrar, que o município de Contagem integra a região metropolitana da Grande BH, onde o filme foi integralmente realizado. Lá, nasceram e vivem os integrantes do coletivo, hoje produtora, Filmes de Plástico.

Representantes do cinema latino-americano, como a argentina Agustina Lumi, da plataforma Cine.ar, a chilena Gabriela Sandoval, diretora do Sanfic (Festival de Cinema de Santiago do Chile) e do Amor (Festival de Cinema LGBT), além de produtora e distribuidora (pela Story Board Midia) e a brasileira Laís Bodanzky, presidente da Spcine, convocaram o público a prestigiar o cinema de nosso continente nas salas de exibição, na TV e no streaming.

Agustina lembrou que há muitos filmes argentinos disponibilizados na plataforma Cine.ar. O mesmo fez Bodanzky ao divulgar a Spcine Play, que disponibiliza, gratuitamente, centenas de filmes brasileiros. Incluindo seis de Cristiano Burlan, o “homenageado digital” do Fest Latino SP.

Ao receber troféu das mãos da diretora de “Bicho de Sete Cabeças”, o autor de “Mataram meu Irmão” contou ao público: “eu sempre sonhei ganhar este troféu (reprodução de obra de Oscar Niemeyer, símbolo do Memorial da América Latina), pois ele é muito significativo. Confesso que pensei em roubar um para mim, mas me faltou coragem. Agora o terei comigo”. Antes de deixar o palco, Laís Bodanzky lembrou, ao público, que seu pai, o cineasta e diretor de fotografia Jorge Bodanzky, era o autor das imagens do filme que encerraria a cerimônia de premiação do festival paulistano: “Compasso de Espera”.

Coube a Joel Padula, representante do Sesc, e à atriz Léa Garcia fazer a apresentação do único longa-metragem do diretor teatral Antunes Filho, falecido meses atrás. Léa, de 86 anos, interpreta, em “Compasso de Espera”, a irmã do protagonista, o poeta e publicitário Jorge (Zózimo Bulbul). Ela assistiu, emocionada, à exibição. O filme, realizado em 1969, foi censurado (por tratar de relacionamento entre homem negro, interpretado por Bulbul, e jovem branca, vivida por Renée de Vielmond).

“Compasso de Espera” foi lançado, modestamente, em 1973. Se hoje o filme parece excessivo, principalmente pelos imensos diálogos que o personagem de Bulbul é obrigado a proferir e por incômoda dublagem (Zózimo foi dublado por Roberto Maia, e a argentina Élida Palmer, por Cacilda Lanuza), há significativas compensações. Destaque para sua ousadia temática e estética e, em especial, para a sequência em que os protagonistas são espancados e desnudados numa praia do litoral paulista. Renné de Vielmond tem cenas, com o corpo nu e parcialmente coberto de areia, que evocam a personagem de Norma Bengell em “Os Cafajestes” (Ruy Guerra, 1962). Um fecho de ouro para o 14º Fest Latino SP.

Confira os vencedores:

. “Selvagem” (Brasil) – melhor filme pelo Júri Popular
. “Pornô para Iniciantes” (Uruguai, Argentina, Brasil) – melhor coprodução latino-americana
. “No Coração do Mundo” (Brasil) – Prêmio Aquisição CineTren da Argentina
. “La Herencia del Viento” (México) – Prêmio Ciba-Cilect – melhor curta de estudante de cinema (Universidade de Guadalajara)
. “Hasta Llegar el Alba” (Costa Rica) – Menção honrosa do Prêmio Ciba-Cilect (Escuela Véritas)
. “Bailar a la Guerra” (Argentina) – Menção honrosa do Prêmio Ciba-Cilect (Universidade de Buenos Aires)
. “El Último Romántico” (México) – Prêmio Aquisição da Cin.ar/Incaa (CCC – Centro de Capacitação Cinematográfica – México)

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