Festival de Gramado – Os últimos concorrentes
Por Maria do Rosário Caetano, de Gramado (RS)
Na noite deste sábado, 24 de agosto, serão entregues os troféus Kikito aos melhores do cinema brasileiro e latino-americano e, pela primeira, ao melhor longa gaúcho. A festa de premiação será exibida, ao vivo, pelo Canal Brasil, a partir das 20h45.
Na noite de ontem, foram exibidos os últimos concorrentes: os longas “Duas Fridas”, de Yshtar Yasin, parceria entre Costa Rica e México, o brasileiro “30 Anos Blues”, de Andradina Azevedo e Dida Andrade, e os curtas “Apneia”, de Carol Sakura e Walkir Fernandes, e “Amor aos Vinte Anos”, de Toti Loureiro e Felipe Arrojo Poroger. E Gramado entregou o Kikito de Cristal ao ator argentino Leonardo Sbaraglia.
“Duas Fridas” reafirma a força feminina nesta edição do Festival de Gramado. Dos sete filmes latino-americanos selecionados, três são dirigidos por mulheres. Um deles, o costarriquenho “O Despertar da Borboleta”, de Antonella Sudasassi, é um dos favoritos ao Kikito. E “Duas Fridas” também está no páreo. Yshtar Yasin é atriz, escritora e diretora, de origem iraquiana, chilena e costarriquenha. Ela formou-se em Cinema no prestigioso VGIK (Instituto Estatal de Cinema de Moscou) e protagonizou o longa cazaque “Luna Llena”, de Naana Chantova. Mostrou seu primeiro longa, “O Caminho” (2008), no Fórum de Berlim.
Para evocar a pintora Frida Kahlo, que ela mesma interpreta, Yshtar Yasin escolheu recorte longe do biográfico. Sua Frida é uma mulher madura e de saúde frágil, que tem como enfermeira e cuidadora a constarriquenha Judith Ferreto. Para interpretar esta mulher, que acompanhou as terríveis dores e sofrimentos de Frida, ao longo de seus sete últimos anos, a cineasta convocou a atriz lusitana Maria de Medeiros. Que não veio a Gramado, por estar participando de novo filme.
Como Frida, Judith sofreu um grave acidente e será, mais tarde, cuidada por outra enfermeira (Grettel Méndez). As mulheres são o centro e a razão de ser deste filme. Homens (inclusive o intérprete do pintor Diego Rivera) têm participações secundárias. O que interessa à cineasta-atriz é construir um jogo de espelhos entre Frida e Judith, composto com memórias, evocações, sonhos e mitos. Realidade e imaginação se somam num filme composto com quadros evocativos e de grande beleza plástica. A fotografia é de Mauro Arce.
O longa paulista “30 Anos Blues” sequencia o filme de estreia de Andradina e Dida, “A Bruta Flor do Querer”, exibido e laureado com dois prêmios há poucos anos aqui em Gramado. Mais uma vez, os dois cineastas são os protagonistas. No primeiro, um estudante de cinema virava realizador de vídeos matrimoniais, já que não conseguia viabilizar seus projetos. Neste novo filme, já trintões, ele e o amigo vivem relações amorosas com belas mulheres, mas se negam a crescer. Vivem o chamado complexo de Peter Pan. No numeroso elenco feminino, duas atrizes experientes: Júlia Ianina (de “Carandiru” e “1 Contra Todos”) e, em participação especial, a veterana Claudia Alencar, que atuou em várias telenovelas, entre elas “Roda de Fogo” e “Tieta”.
Entre os 14 curtas selecionados para a competição de Gramado, os destaque são “Menino Pássaro”, do paulistano Diogo Leite, “Teoria sobre um Planeta Estranho”, do mineiro Marco Antônio Pereira, “Marie”, do pernambucano Leo Tabosa, “A Mulher que Sou”, da paranaense Nathália Tereza, e a animação “Sangro”, de Thiago Minamisawa, formado pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Estes títulos devem figurar entre os premiados desta noite.
Mais uma animação foi exibida na última noite da competição: o paranaense “Apneia”, que tem a natação como uma de suas forças temáticas (aliás, águas do mar ou de piscinas são, também, essenciais a dois longas da mostra competitiva — “Raia 4″, do gaúcho Emiliano Cunha, e “Vou Nadar Até Você”, do paulista Klaus Mitteldorf). Em “Apneia”, uma garotinha, que não sabe nadar e sente muito medo, enfrenta os pavores da infância.
Já “O Amor aos 20 Anos”, que deve dar origem a um longa-metragem, tem em um de seus diretores (Felipe Poroger) seu protagonista, o indeciso e carente Pepe. Em imagens impressas em preto-e-branco, ele vive as dores da separação da namorada, que foi fazer intercâmbio em Paris. E, pior, parou de dar notícias. Decidido, mas nem tanto, a apartar-se das lembranças da namorada distante e incomunicável, ele se dirige ao apartamento dos pais dela (Georgette Fadel e Danilo Grangheia) para devolver os pertences da moça. Acabará envolvido num indesejado jantar com os “sogros”.
Na competição de longas brasileiros e candidatos aos troféus Kikito, o cearense “Pacarrete”, de Allan Deberton, protagonizado por Marcélia Cartaxo, segue como favorito absoluto. Filme e atriz. Nestas duas categorias, ele parece imbatível. Dificilmente Gramado deixará de reconhecer o maior e mais cativante papel da paraibana Marcélia Cartaxo desde “A Hora da Estrela” (Suzana Amaral, 1985), que rendeu a ela um Urso de Prata em Berlim. A sexagenária Pacarrete é do tamanho de Macabéia. Duas atrizes têm, no festival, papéis de protagonistas absolutas: Andréa Beltrão, poderosa na pele de Hebe Camargo, e Bruna Marquezini, como uma filha (e nadadora) que busca o pai. Mas a atriz tem muito, ainda, que aprender com Marcélia e Beltrão e, em sua estreia, lhe coube um filme fashion e fetichista (“Vou Nadar Até Você”).
O Kikito de melhor ator não conta com protagonistas fortes. Só Paulo Miklos é personagem central de um longa (“O Homem Cordial”). Os outros concorrentes integram elencos corais ou são, no frigir dos ovos, coadjuvantes. Caso dos personagens Tonho, de Eduardo Moscovis (em “Veneza”), de Marco Ricca (o empresário Lélio, em “Hebe”), de João Miguel (o sensível Miguel, em “Pacarrete”) e Fernando Alves Pinto (um fotógrafo em “Vou Nadar Até Você”).
Por falar em ator, um merece o Kikito de Cristal que conquistou por sua trajetória. Apesar de só somar 49 anos, o argentino Leonardo Sbaraghia já atuou em quase 100 filmes e séries. Começou, adolescente, com “A Noite dos Lápis” (Héctor Olivera, 1985) e brilhou em “Plata Quemada” (Marcelo Piñeyro, 2000) e no badaladíssimo “Relatos Selvagens”, uma das maiores bilheterias da história argentina. Neste exato momento, Sbaraglia a muitos encanta, em telas de diversos países, como ator de Almodóvar, sonho de todo mundo que fala espanhol. O manchego o escalou para o poderoso elenco do tocante “Dor e Glória”. Neste filme, ele contracena — e beija ardentemente! — Antônio Banderas.
Leonardo Sbaraglia vem estreitando cada vez mais suas relações de trabalho com o Brasil. Marco Dutra o dirigiu em “O Silêncio do Céu”, que participou da competição de Gramado, poucos anos atrás, e José Eduardo Belmonte o escolheu para protagonizar a série “O Hipnotizador”. E tem mais: ele integra o maior elenco latino-americano já reunido por um filme franco-brasileiro, “Wasp Network”, de Olivier Assayas. Seus colegas de elenco — neste longa baseado no livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, de Fernando Morais (produção de Rodrigo Teixeira) — são os astros Wagner Moura, Gael García Bernal, Penélope Cruz, Edgard Ramírez, Pedro Pascal e Penélope Cruz. Este dream team de nuestra América estará em Veneza, disputando o Leão de Ouro. Ah, neste exato momento, Sbaraglia atua em série sobre Maradona (“Sueño Bendito”) ao lado de seu conterrâneo Jean-Pierre Noher. Aliás, foi Noher quem entregou o Kikito de Cristal a Leo.
Na tarde da última sexta-feira, o laureado foi à fábrica Cristais de Gramado “ajudar a confeccionar”, em forja de calor abrasivo, o Kikito que ano que vem será entregue ao novo merecedor do troféu. Feliz, no palco, ele agradeceu o reconhecimento e ergueu seu Kikito de Cristal lembrando que aquele troféu (o que estava recebendo) fôra fabricado pela atriz uruguaio-argentina Natalia Orero (“Infância Clandestina”). E que, ano que vem, algum artista latino-americano receberia o Kikito que ele ajudara a forjar.
Com seu troféu na mão, finda a cerimônia e a exibição dos filmes, Leonardo Sbaraglia compareceu a uma festa em sua homenagem. E cantou tangos em duo com Jean-Pierre Noher. Aguardem as imagens (e sons) no Canal Brasil.