Cine Ceará mostra comédia cubana e quatro curtas brasileiros
Por Maria do Rosário Caetano, de Fortaleza (CE)
A quinta noite da vigésima-nona edição do Cine Ceará foi animada por uma simpática comédia cubana — “A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia”, de Arturo Infante — que disputa o Troféu Mucuripe de melhor filme ibero-americano, e por quatro dos doze curtas que integram a competição brasileira.
“As Constituintes de 88″, documentário do carioca Gregory Baltz, registra, com fotos, discursos e imagens de arquivo, a participação das 26 parlamentares do sexo feminino (entre elas, Cristina Tavares, Benedita da Silva, Moema São Thiago e Rita Camata), que ajudaram a escrever a “Constituição Cidadã”, como a qualificou o deputado Ulisses Guimarães. O curta fez parte da seleção do Festival É Tudo Verdade e dará origem a um longa-metragem, já em processo de produção.
A animação paulistana “Livro e Meio”, dos Irmãos Mishiyama (a jovem Giu e o irmão mais novo Pedro) resultou em um curta-metragem de beleza arrebatadora. Feito pelo processo de rotoscopia (que permite redesenhar quadros de filmagens com atores), o filme mostra, graças ao infinito poder da imaginação, o que acontece com alguém que mergulha na leitura de um livro. Dois bailarinos — Beatriz Sano e Eduardo Fukushima, de origem japonesa, como os diretores — são inseridos em cenários de beleza onírica. Os 13 minutos de narrativa passam velozes pela tela e deixam no público sensações de delicadeza e encantamento.
O curta ficcional “Além da Jornada” é fruto da herança experimental deixada pelo Coletivo Alumbramento, de Fortaleza — hoje, transformado na produtora Marrevolto (do longa “Inferninho”). Os diretores Gabriel Silveira e Victor Furtado constroem narrativa mais preocupada com o sensorial, que em contar uma história tradicional. O vermelho é a cor dominante. A trilha sonora assinada pelo também ator Vitor Colares ganha relevo ao somar-se às ações de Ana Cristina Viana, Galba Nogueira, Yuri Yamamoto e Liana Teles. A sinopse, misteriosa, fornece pista rarefeita ao espectador: funcionário de uma agência de turismo é incumbido de prestar novo e insólito serviço ao seu patrão”.
O paulistano “Primeiro Ato”, do dramaturgo, diretor teatral e cineasta Matheus Parizi, mergulha nas manifestações públicas do Brasil contemporâneo. Numa sala de aula, dois estudantes questionam o professor de Teatro, preso ao cânone e arredio à contaminação do que vem de fora. Os rapazes querem estilhaçar o cânone e fertilizar suas criações com a vida cotidiana, mas não sabem muito bem como agir. Mesmo assim, agem. Tentam mobilizar os colegas para que participem de ato de protesto na Assembleia Legislativa de São Paulo, já que deputados estaduais encontram-se em processo de votação de cortes destinados ao setor artístico-cultural. Acabam indo só os dois, mas encontrando muitos manifestantes dispostos a defender o fomento público à cultura.
O longa cubano “A Viagem Extraordinária de Celeste García” é uma bem-sucedida soma de neorrealismo com ficção científica. O estreante Arturo Infante, curta-metragista e roteirista de longas como “La Edad de la Peseta”, escolheu para sua estreia no longa-metragem uma história fantástica. Celeste García (a atriz María Isabel Díaz) é uma professora apaixonada por seu ofício. Problemas, porém, a retiraram do magistério. Ela é realocada no Planetário de Havana. Já sexagenária, viúva e triste por não poder dar aulas, aceita participar de viagem extraordinária: embarcar numa nave espacial para conhecer outro planeta.
Ao longo de sintéticos 92 minutos, trinta atores interpretarão cubanos comuns, negros, mestiços ou brancos, magros ou gordos, jovens ou idosos, dispostos a embarcar na nave alienígena. O filme, feito com apenas US$200 mil (coprodução entre Cuba e Alemanha), registra a vida cotidiana dos habaneros, com suas dificuldades e pequenas alegrias. Nada indica que baixará, em solo cubano, um OVNI (Objeto Voador Não Identificado). O tom de comédia tributária do neorrealismo italiano nos leva a crer que os inscritos para a extraordinária viagem não passam de tolos crédulos, em busca de uma possível vida melhor (mesmo que fora do Planeta Terra).
Só que a nave baixará, sim. E não será uma nave trash, à moda de Ed Wood. Graças aos recursos digitais e aos milagres da criatividade cubana, nos deparamos como a parte ficção científica do filme, feita com grande poder de verossimilhança. A forma do embarque é divertidíssima.
Arturo Infante, também roteirista, escreve bons diálogos e encerra sua divertida saga com final feliz (para a professora viúva e um vizinho açougueiro). Os aplausos do público cearense foram calorosos.
“A Viagem Extraordinária de Celeste García” estreou no Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana, em dezembro do ano passado, e lotou duas imensas salas habaneras (Yara e Acapulco). Passou por outros festivais. Em Seattle, ganhou o Prêmio do Júri, na categoria Novos Diretores. Foi ao TIFF (Festival Internacional de Toronto), ao Festival do Panamá e ao FIC Gibara. Neste evento, ganhou o prêmio principal e María Isabel Díaz foi eleita a melhor atriz.
Isabel, que acompanha o diretor Arturo Infante em sua passagem por Fortaleza, deixou Cuba há muitos anos e radicou-se na Espanha. “No começo”— contou durante o debate do filme —, viveu “momentos muito difíceis”. Teve que aceitar empregos os mais diversificados, inclusive como voz de “telefones eróticos”. Explicou melhor: “fiz prostituição eletrônica”, ou seja, “aluguei minha voz para telemarketing erótico”. Depois, conseguiu inserir-se em seu ofício. Hoje, participa da série televisiva ‘Vis a Vis”, que já está em terceira temporada.
A atriz não trabalhava em Cuba desde 2003. Por isto, recebeu com imensa alegria o convite de Arturo Infante para interpretar a divertida Cecília García, já entrada nos anos e muito rechonchuda. A ponto da autoritária inspetora do grupo de viajantes espaciais (Verónica Díaz Viera) instigá-la a fazer ginástica para perder peso, antes da hora do embarque. Caso contrário “a nave não decolará por causa de seu excesso de peso”.
Entre os detalhes do filme que provocam riso, principalmente em quem conhece Cuba, está um imenso painel com três imagens desenhadas. Uma delas, traz o cosmonauta russo Yuri Gagarin. Os outros dois são, cada um a seu modo, cubanos: o cosmonauta Arnaldo Tamayo Méndez, o primeiro negro a integrar uma missão espacial soviética, e o lusitano, radicado em Havana, Matias Peres. Arturo contou, de forma divertida, que “este português é uma lenda urbana popularíssima em Havana”. Ele “vivia na capital da Ilha, vendia toldos e era apaixonado por balões. Um dia, numa demonstração de balonismo, foi levado pelo vento e desapareceu. Nunca mais voltou”.
A comédia cubana, que segue a trilha aberta por Gutierrez Alea, com “Morte de um Burocrata” (recriado em “Guantanamera”) e dos filmes de Juan Carlo Tabío (“Lista de Espera” e “Plaft”), ainda não tem distribuidor brasileiro. Arturo torce para que uma distribuidora se interesse por seu longa de estreia. Afinal, “o fiz com duas de minhas paixões: a comédia e a ficção científica. Quando adolescente, vi filmes como Cocoon e todas aquelas ficções científicas dos anos 1980. A produtora do meu longa é a mesma do terror ‘Juan de los Mortos’. Queremos dialogar com o público jovem”.