Festival de Vitória exibe “Pacarrete” em sua noite inaugural
Por Maria do Rosário Caetano
O filme cearense “Pacarrete”, de Allan Deberton, abre, na noite desta terça-feira, 24 de setembro, a vigésima-sexta edição do Festival de Cinema de Vitória. Ele vai disputar os principais prêmios do evento com cinco outros concorrentes, a maioria realizada fora do eixo Rio-São Paulo.
A Paraíba se fará representar por “O seu Amor de Volta (Mesmo que Ele Não Queira)”, de Bertrand Lira, o Paraná, por “Alice Júnior”, de Gil Baroni, o Rio Grande do Sul, por “Mirante”, de Rodrigo John, Pernambuco e Bahia, por “A Casa”, de Letícia Simões, e São Paulo, por “Selvagem”, de Diego Costa.
Amores homoafetivos estão no centro da narrativa de O seu Amor de Volta”, sólido documentário de Bertrand Lira, e de “Alice Júnior”, ficção de Gil Baroni.
O filme paraibano poderia ser definido como um híbrido, ou seja, uma sutil mescla de documentário e ficção. Mas Bertrand, que é professor da Universidade Federal da Paraíba, reafirma convicto que, em sua complexa e tocante narrativa, trilhou “os caminhos do documentário”. E que, mesmo os depoimentos das atrizes Marcélia Cartaxo e Zezita Matos (integrantes, também, do elenco de “Pacarrete”), são testemunhos subjetivos e reais.
“O seu Amor de Volta” conta, ainda, com participações de William Muniz, Danny Barbosa, Afrovalter, Pai Júlio, Mãe Severina e Pai Nelito.
Amores perdidos (hetero ou homoafetivos) e a crença em poderes mágicos (cartas, búzios) capazes de trazê-los de volta se embaralham. Neste universo, nos aproximamos de quatro personagens, que relatam sofridas desventuras amorosas. Para quem? Para cartomantes, videntes, mães e pais-de-santo, que buscam e apontam saídas. E, por extensão, para o público, imantado pela poesia de vidas tão marcadas pela perda amorosa.
O paranaense “Alice Júnior” conta a história de uma adolescente transexual, seu primeiro “beijo trans”, seus sonhos e amizades. A protagonista é interpretada por Anne Celestino, que tem em Surya Amitrano (Taísa) e Matheus Moura (Bruno) seus pares.
O gaúcho “Mirante” é um documentário realizado pelo animador e professor universitário Rodrigo John, que teve um de seus curtas (a animação “Céu, Inferno e Outras Partes do Corpo”, de 2011) muito festejado em diversos festivais. Antes de estrear no longa-metragem, John trabalhou (como roteirista e animador) em três filmes de seu conterrâneo Otto Guerra (“Wood & Stocky”, “Até que a Sbórnia nos Separe” e “A Cidade dos Piratas”). De sua lavra autoral, ele prepara “Ceci Bom” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, ambos de longa duração.
Em Vitória, Rodrigo John vai mostrar “Mirante”, um filme voyeur. Seu protagonista, um jovem portalegrense, desenvolve o costume, ao longo dos anos, de admirar as pessoas que passam pelas ruas do centro da cidade. Seu ponto de observação é a janela de seu apartamento. No entanto, as transformações na política brasileira farão com que antigas feridas sejam reabertas e ele encontre dificuldade em separar a vida doméstica dos acontecimentos externos.
“Casa”, segundo longa-metragem da poeta e cineasta baiana Letícia Simões (o primeiro foi “O Chalé é uma Ilha Batida de Vento e Chuva”, sobre o escritor e professor paraense Dalcídio Jurandir), registra, por longos anos, a vida de três mulheres – a avó Carmelita, já nonagenária, sua filha sexagenária, Heliana, e a neta, a própria cineasta, já beirando os 30 anos. Elas vivem complexas relações afetivas, se entendem e se desentendem, reavivam memórias domésticas impregnadas nas casas em que viveram ou se (re)encontram. Pode ser uma casa de veraneio na Ilha de Itaparica, uma residência apertada num bairro soteropolitano ou a espaçosa morada onde Heliana vive o tempo presente. Nesta casa que dá título ao filme, a mãe da cineasta esconde, com sólidos cadeados, centenas de fotografias de seu passado.
O cearense “Pacarrete” tornou-se o xodó dos festivais. O longa de estreia de Deberton, que chegou a Gramado como um patinho feio vindo do Nordeste, acabou transformando-se em belo e cobiçado cisne. Acumulou oito Kikitos num evento com histórico pouco concentrador de prêmios e passou a ser requisitado por festivais brasileiros e latino-americanos. O comando de Vitória quis tê-lo em sua noite de abertura. O filme chega como favorito? Dependerá do júri, composto com a cineasta Sabrina Fidalgo, a produtora Irina Neves e o crítico André Dib, paranaense radicado no eixo Recife-João Pessoa.
Se a trinca não se incomodar com a redundância, poderá colocar mais alguns troféus na estante de Allan Deberton. Se preferir filmes menos laureados disporá de cinco outras opções. A quinta delas é “Selvagem”, de Diego Costa, formado em Midialogia pela Unicamp. O filme, terceiro longa-metragem do diretor de 34 anos (os anteriores são os inéditos “A Plebe é Rude” e “Os Caubóis do Apocalipse”), é uma ficção que tem em Sofia e Ciro seus protagonistas. Eles são alunos de escola pública, que passa por graves carências. Falta merenda, sobram problemas de infraestrutura. Medidas do governo estadual podem até provocar o fechamento do centro educacional. Frente a tal ameaça, o corpo de alunos decide ocupar a escola. Mas Sofia e Ciro não se unem aos manifestantes, pelo menos num primeiro momento. Ela só pensa nos exames do Enem. Ciro, sonhador, dedica-se à literatura, criando sucessivos poemas. Aos poucos, porém, os dois jovens começam a perceber a importância das reivindicações coletivas de seus colegas. Junto com a entrega à ocupação, porém, vem o cerco da Polícia, que exige a imediata saída dos alunos. Sob coação das armas e bombas de gás lacrimogêneo. No elenco estão, além da veterana Lucélia Santos e do músico Rincón Paciência, muitos jovens, com destaque para Fran Santos e Kelson Succi.
O Festival de Vitória, além de homenagear a badalada e experiente atriz Vera Fischer (por sua trajetória no audiovisual), festejará a escritora e professora de cinema Bernadette Lyra, que fará 81 anos mês que vem. Bernadette, capixaba como o festival, é autora de livros de contos, romances e ensaios. Graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo, ela fez mestrado na UFRJ, doutorado na USP e pós-doutorado na Université René Descartes/Sorbonne (Paris V). A Socine (Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual) atribuiu a ela, em 2018, o prêmio de “Pesquisadora do Ano”. A professora colaborou em três livros sobre “Cinema de Bordas”, editados em 2006, 2008 e 2012, e também em coletânea dedicada a um dos mais famosos cantores e compositores do Estado sudestino: “Sem Loucura Não Dá – A Poesia de Sérgio Sampaio em Prosa”. Mais famoso que o autor de “Eu Quero É Botar meu Bloco na Rua”, junto aos capixabas, só o conterrâneo Roberto Carlos, nascido em Cachoeiro do Itapemirim.
O ator Silvero Pereira, que interpretou a drag queen Elis Miranda (na novela “A Força do Querer”) e que agora causa frisson em “Bacurau”, na pele do andrógino Lunga, mix de cangaceiro e chefe de facção, tem presença confirmada no festival. Ele estará à frente de uma de suas seis oficinas cinematográficas programadas pelo evento, a de Interpretação.
A multi-instrumentista Katerine Polemi será a responsável por oficina interativa sobre “Dramaterapia” (como o nome diz, terapia pela representação dramática). O escritor José Roberto Torero ministrará curso de Roteiro para Cinema e TV, Simone Marçal e Daniel Morelo cuidarão da Elaboração de Projetos Culturais, o cineasta Luiz Carlos Lacerda, pela Direção Cinematográfica, Paulo Boccato, por Produção-Executiva, Gestão e Elaboração de Projetos para o Audiovisual.
Painel, que unirá Katerina Polemi, Daniel Morelo e Marcus Neves, refletirá sobre a Produção de Trilhas Sonoras para Produção Audiovisual Brasileira e Internacional.
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