Brasil tem presença poderosa na 41ª edição do Festival de Havana
Por Maria do Rosário Caetano
O Brasil chega com força máxima, este ano, para disputar os principais prêmios do 41º Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana, que acontece mês que vem (de 5 a 15) na capital cubana.
Depois de brilhar no primeiro festival, em 1979, que premiou “Coronel Delmiro Gouveia”, de Geraldo Sarno, e sustentar seu prestígio ao longo da década de 1980 (a ponto de fazer a tríplice coroa, em 1985, com “Memórias do Cárcere”, “Cabra Marcado para Morrer” e “Jango”), o cinema brasileiro foi perdendo espaço para a Argentina, México, Chile e Colômbia.
Este ano, tudo deve ser diferente. Na ficção, o Brasil compete com “Bacurau”, de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, “Três Verões”, de Sandra Kogut, “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz, e “Divino Amor”, de Gabriel Mascaro. Quarteto fantástico. Na disputa, portanto, nossa produção ocupa quatro das 19 vagas.
No documentário, o time brasileiro é, também, dos mais respeitáveis (com seis das 21 vagas): “Cine Marrocos”, de Ricardo Calil, vencedor de Guadalajara e do É Tudo Verdade SP, o impactante “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa (pré-candidato ao Oscar, assim como “Cine Marrocos”), “Soldados da Borracha”, de Wolney Oliveira, “Casa”, de Letícia Simões, “Diz a Ela que me Viu Chorar”, de Maíra Bühler, e “Santiago das Américas ou O Olho do Terceiro Mundo”, de Sílvio Tendler.
Registre-se, aqui, que Cuba e países africanos, latino-americanos e asiáticos (em especial o Vietnã) estão celebrando o centenário de nascimento de Santiago Álvarez (1919-1998), o personagem de Tendler. Cidadão do mundo, o diretor do kinoclip “Now” e dos “Noticeros ICAIC” trabalhou no Chile de Allende, no Brasil redemocratizado (“Bras Cubas”, com Orlando Senna), na China, na URSS e no Leste Europeu.
Na animação, há 23 concorrentes (curtas, médias e longas-metragens num só bloco). O Brasil ocupa oito vagas. Duas são de Otto Guerra (“A Cidade dos Piratas” e “Ressurreição”). As outras de Túlio Viaro (“O Bem-Aventurado”), Amir Admoni (“Gravidade”), Giu Nishiyama (“Livro e Meio”), Tiago Minamisawa e parceiros (“Sangro”), Camila Kater (“Carne”) e Eduardo Padrão e Leandro Amorim (“Barbas de Molho”).
No segmento “Ópera Prima” (filme de diretor estreante), o Brasil marca presença com “Febre”, de Maya Da-Rin, “Raia 4”, de Emiliano Cunha, e “Um Filme de Verão”, de Jô Sefarty. Portanto, três concorrentes entre os 18 selecionados.
E tem mais: até no concurso de “Carteles” (Cartazes), o Brasil tem chances. Sumido desta competição, este ano – talvez estimulados pela hostilidade do Governo Bolsonaro com o audiovisual –, nossos artistas gráficos emplacaram cinco em 30 vagas. Um dos concorrentes – o cartaz de “O Homem Cordial”, filme de Iberê Carvalho, protagonizado por Paulo Miklos – tem chances de triunfar. Sua artífice, Jana Ferreira, construiu imagem fruto da soma de metade do rosto do ator com meio focinho de um porco. O impacto é formidável.
O Brasil brilha ainda nas Sessões de Gala, com “Marighella”, de Wagner Moura, e “Wasp Network”, de Olivier Assayas, um filme com DNA brasileiríssimo (produção de Rodrigo Teixeira a partir do livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, do mineiro Fernando Morais, e com Wagner Moura num dos principais papeis), e com o documentário “Babenco – Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou”, de Bárbara Paz, terá exibição especial.
Três filmes, o gaúcho “Aos Olhos de Ernesto”, de Ana Luiza Azevedo, o pernambucano “Estou me Guardando pra Quando o Carnaval Chegar”, de Marcelo Gomes, e o baiano “Longe do Paraíso”, de Orlando Senna, estão na Mostra Panorama.
Os principais festivais do mundo resolveram prestigiar filmes que têm o cinema como foco. Cinema no Cinema. Veneza até criou prêmio para este segmento (ganho, em setembro último, pelo Brasil, com o filme de Bárbara Paz, sobre Hector Babenco). No Festival de Havana, esse segmento chama-se “Cinemateca Latino-Americana” e apresentará seis filmes, três deles brasileiros: “A Mulher de Luz Própria”, de Sinai Sganzerla (sobre a atriz e diretora Helena Ignez), “A Jangada de Welles”, de Petrus Cariry e Firmino Holanda (sobre a passagem de Orson Welles pelo Brasil, para filmar “It´s All True”), e “Banquete Coutinho”, de Josafá Veloso (sobre o documentarista Eduardo Coutinho).
Para o segmento “En Sociedad”, ou seja, filmes que registram movimentos sociais, mais três vagas (em dez) para brasileiros: o poderoso “Chão” (sobre o MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), de Camila Freitas, “Espero Tua (Re)Volta”, de Eliza Capai, e “Sem Descanso”, de Bernard Attal.
No espaço dedicado às “Mujeres Ante la Cámara”, o Brasil ocupa uma em nove vagas, com “Encantadas”, de Taís Lobo. Na mostra “Pueblos y Culturas Originários”, com seis títulos, o Brasil se faz representar por “Resplendor”, de Cláudia Nunes e Érico Rassi.
No campo das “Cores da Diversidade”, também com grande relevo em festivais do mundo inteiro, quatro vagas (em 12) destinam-se a produções brasileiras: “Sim, Fui uma Criança Viada”, de Antônio Molina, “Sombra Interior”, de Diego Tafarel, “Entre”, de Ana Carolina Marinho e Bárbara Santos, e “Soccer Boys”, de Carlos Guilherme Vogel.
“Bando, Um Filme De:”, de Lázaro Ramos e Thiago Gomes, “Porfírio Amaral – A Verdade sobre o Samba”, de Caio Rubens, e “Ainda Temos a Imensidão da Noite”, de Gustavo Galvão, são três dos onze selecionados pelo segmento “Cultura”.
Oito longas-metragens foram selecionados para o espaço aberto a realizações que buscam diálogo com o grande público (o chamado “cinemão”). O comando de Havana deu a este segmento o nome de “La Sala Llena” (A Sala Cheia) e abriu vaga para três brasileiros: “Veneza”, de Miguel Fallabela, “Hebe – A Estrela do Brasil”, de Maurício Farias, e “Cano Serrado”, de Erik Castro.
Como Cuba está comemorando os 60 anos do triunfo de sua Revolução (os barbudos entraram em Havana no dia primeiro de janeiro de 1959), o Festival do Novo Cinema Latino-Americano de Havana apresenta-se dos mais diversificados, reflexivos e festivos. Ken Loach e os Irmãos Dardenne já confirmaram presença.
O Cinema Espanhol será festejado com dez longas-metragens (dois deles da Família Trueba: “Si Mi Borrara el Viento lo que yo Canto”, de David, e “La Virgen de Agosto”, de Jonas) e o Germânico, com cinco (destaque para o poderoso “System Crasher”, de Nora Fingscheidt, um dos cinco finalistas ao Prêmio Europeu de Cinrma).
Dezoito filmes compõem o “Panorama Contemporâneo Internacional” e chegam dos quatro cantos do mundo. Muitas destas produções já foram apresentados no Brasil, seja no circuito comercial, seja na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Dos EUA, via Netflix, chega título com DNA brasileiríssimo (“Dois Papas”, de Fernando Meirelles, com fotografia de César Charlone, montagem de Fernando Stutz e pós-produção da O2). Da Coreia do Sul, vem o filme da hora, “Parasita”, de Bong Jon-Ho. Do Senegal, “Atlantique”, de Mati Diop, e da França, “Retrato de uma Jovem em Chamas”, de Céline Sciamma, e “Graças a Deus”, de François Ozon.
Da Palestina, Havana recebe “O Paraíso Deve Ser Aqui”, de Elia Suleiman. Da República Tcheca, “O Pássaro Pintado”, de Václav Marhoul, pré-candidato ao Oscar. Da Rússia, “Beanpole”, de Kantemir Balagov, e de Portugal, “A Herdade”, de Tiago Guedes. Da Suécia, “About Endleness”, de Roy Anderson, e da Romênia, “Monsters”, de Marius Oiteanu.
Da Macedônia-Eslovênia-Croácia, “Deus é Mulher e meu Nome é Petúnia”, de Teona Mitevska, e da Itália, “Martin Eden”, de Pietro Marcello. Do Canadá, “Hóspede de Honra”, de Atom Egoyam, e “A Mulher de meu Irmão”, de Monia Chokri, e da China, “Até Sempre, Filho meu”, de Xiaoshuuai.
Bélgica e Inglaterra representam-se pelos filmes de ilustres convidados: “O Jovem Ahmed”, dos Irmãos Dardenne, e “Sorry We Missed You”, de Ken Loach.