FIM celebra cinema feminino

Por Maria do Rosário Caetano

A partir dessa terça-feira, 10 de novembro, a segunda edição do FIM (Festival Internacional Mulheres no Cinema) prestará tributo a realizadoras e filmes que lutam pela equidade de gênero e raça. E homenageará a atriz e diretora mineira Grace Passô e as cineastas francesas Claire Denis e Amandine Gay.

O festival, que terá acesso on-line e gratuito, em todas as regiões brasileiras, prossegue até terça-feira da próxima semana, dia 17. Na noite inaugural, será exibido o filme “O Livro dos Prazeres”, de Marcela Lordy, baseado em Clarice Lispector, escritora lembrada no centenário de seu nascimento. A memória de Clarice, brasileira nascida na Ucrânia, será lembrada, também, com a exibição da mais famosa e premiada das adaptações de sua obra, “A Hora da Estrela”. O filme, realizado em 1985 por Suzana Amaral (1932-2020), conquistou onze prêmios no Festival de Brasília e rendeu um Urso de Prata à atriz Marcélia Cartaxo.

O Festival Internacional de Mulheres no Cinema foi criado em 2018 com o objetivo de valorizar a produção cinematográfica produzida, dirigida e protagonizada por mulheres do Brasil e do mundo. Sua primeira edição, realizada presencilamente no CineSesc, homenageou a atriz Zezé Motta e mobilizou, com filmes, debates e paineis, imenso público. Agora, por causa da pandemia, o FIM acontecerá no espaço virtual, mas seguirá firme em seu propósito de celebração da presença feminina no cinema, abrindo espaço nobre para o cinema black e indígena.

Três mulheres – Minom Pinho, Zita Carvalhosa e Beth Sá Freire – estão por trás do FIM. Como a intenção primeira do trio é dar visibilidade ao cinema feminino, não há preocupação com o ineditismo das produções selecionadas. O que se deseja é oferecer nova vitrine a produções dirigidas por mulheres negras, indígenas, amarelas e brancas. Tanto que – destacam orgulhosas Minom, Zita e Beth – dos 29 filmes brasileiros e internacionais selecionados para essa segunda edição do FIM, “45% são dirigidos por mulheres brancas, 45% por pretas e pardas, 7% por indígenas e 3% por amarelas”.

Para a competição brasileira, Márcia Vaz, umas das curadoras do festival, selecionou “Meu Sangue é Vermelho”, de Graciela Guarani e Thiago Dezan, “Um Dia com Jerusa”, de Viviane Ferreira, “Aos Olhos de Ernesto”, de Ana Luiza Azevedo, “A Mulher de Luz Própria”, de Sinai Sganzerla, “Meio Irmão”, de Eliane Coster, “Hilda Hilst Pede Contato”, de Gabriela Greeb, e “Até o Fim”, de Glenda Nicácio e Ary Rosa.

O melhor filme brasileiro será escolhido pelo voto do público e o vencedor receberá prêmio de R$ 5 mil, destinado à sua diretora. Mais dois prêmios serão oferecidos aos filmes nacionais: o do Instituto Diageo de Diversidade e Inclusão reconhecerá a produção que melhor valorizar novas vozes e narrativas, e o Prêmio da Crítica, concedido pelo Coletivo Elviras, será atribuído à diretora que mais se destacar no quesito inovação de linguagem.

A Mostra Internacional do FIM apresentará filmes recentes, longas documentais e ficcionais, realizados por diretoras ibero-americanas (Argentina, Chile e Espanha) e diretoras negras dos EUA e França. Entre os filmes selecionados estão “Abrir a Voz”, de Amandine Gay, o chileno “Tarde para Morrer Jovem”, de Domingas Sotomayor, o estadunidense “Jinn”, de Nijla Mu’min, e o espanhol “Elliot Erwitt – O Silêncio Cai Bem”, de Adriana Lopez Sanfeliu.

“Abrir a Voz” é um documentário dirigido por uma afrofeminista militante – a francesa Amandine Gay –, também homenageada pelo FIM. No filme – diz a curadoria – “ela elabora angústias, lutas, dores e belezas das pretas francesas autodenominadas ‘afropeans’ (negras de Europa)”.

A cineasta de 36 anos e origem marroquina participará de debate que terá seu filme de estreia (“Abrir a Voz”) como fio condutor. Ela promete “soltar o verbo ao tratar de temas como preconceito étnicorracial e de gênero, sexualidade e aspectos da diáspora africana”. Assim agirá por entender que “o imperialismo europeu deixou marcas profundas, principalmente entre afrodescendentes”. Debaterão com Amandine as cineastas afro-brasileiras Roberta Estrela D’Alva, codiretora com Tatiana Lohman de “Slam, a Voz do Levante”, filme vencedor do FIM 2018, e Viviane Ferreira (“Um Dia com Jerusa”), integrante-fundadora da APAN (Associação Profissional do Audiovisual Negro).

Outra realizadora francesa, a consagrada Claire Denis, de 74 anos, marcará presença no FIM com exibição de dois de seus filmes (“35 Doses de Rum” e “Deixe a Luz do Sol Entrar”) e masterclass produzida especialmente para o festival.

Autora de 14 longas-metragens, a cineasta francesa mantém vínculos profundos com a África, pois morou por longo período em Camarões. Muitos de seus filmes têm protagonistas negros, caso de “35 Doses de Rum”, no qual Alex Descas, seu ator-fetiche, e a jovem Mati Diop (sobrinha de Diop Mambety, e diretora premiada em Cannes com “Atlantique”) interpretam pai e filha.

Claire Denis iniciou sua carreira como assistente de dois diretores consagrados, Jacques Rivette e Wim Wenders. Realizous seus primeiros filmes (destaque para “Chocolate”, em 1988, “Dane-se a Morte”, 1990, “Bom Trabalho”, 1999) dentro de projeto bastante autoral, portanto para circuitos mais fechados. Depois de dirigir Isabelle Huppert, em “Minha Terra África”, ela continuou fiel a seus princípios, mas abriu-se a projetos maiores e com elencos estelares (caso da comédia “Deixe a Luz do Sol Entrar”, com a estrela francesa Juliette Binoche). Seu filme de maior repercussão até agora é “High Life”, ficção científica metafísica, protagonizada por Robert “Crepúsculo” Pattinson e, mais uma vez, Juliette Binoche.

Além da África, o Brasil faz parte, mesmo que distante, da vida da cineasta francesa. Anos atrás, quando visitou a Amazônia para participar do Festival Internacional de Cinema de Manaus, ela contou a um grupo de jornalistas que seus avós moraram no Pará. Avessa a revelar dados de sua vida pessoal, não quis fornecer detalhes. Quem sabe o fará na masterclass do FIM.

A aula magna de Claire Denis será mediada pelo educador Robert Milazzo, da Modern School of Film de Nova York, e foi produzida especialmente para o festival. A equipe do FIM garante que, “diretamente de sua casa, a cineasta falará de seu cotidiano, dos desafios humanos e sociais trazidos pela pandemia da Covid-19, de sua infância em Camarões e das suas origens brasileiras, com ascendentes no estado do Pará”. E mais: “enveredará por sua obra, destacando a relação com atores, o financiamento de suas produções, as escolhas de temas e curiosidades sobre seus filmes”.

A homenagem à atriz Grace Passô contará com exibição do média-metragem “Vaga Carne”, que ela dirigiu em parceria com Ricardo Alves Jr, de um curta inédito, “República”, concebido, dirigido e interpretado por ela em sua própria casa, durante a pandemia da Covid-19, e “Sem Asas”, no qual atua sob direção de Renata Martins.

Como o Fim acontecerá na semana final das Eleições Municipais 2020, sua equipe fez questão de organizar mostra especial de nome arregimentador: “Lute como uma Mulher”. Serão exibidos três filmes nacionais de realizadoras que demonstram interesse por escolhas que poderão incentivar munícipes a exercer, com cidadania e senso crítico, seus votos.

Alice Riff assina “Eleições” e mostra os bastidores de disputa pelo comando do grêmio de escola secundarista. Éthel Oliveira e Júlia Mariano acompanham, com “Sementes”, a onda de candidaturas de mulheres pretas nas eleições de 2018 no Rio de Janeiro, após o assassinato de Marielle Franco. Eliza Capai, com “Espero tua (Re)Volta”, mostra a ocupação de escolas secundaristas como reação dos alunos às péssimas condições do ensino público.

A mostra “Todas as Mulheres do Mundo – Curtas Kinoforum” reunirá seis curtas-metragens apresentados em edições recentes do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, com a intenção de destacar novos talentos femininos na direção e reforçar a importância do espaço para realizadoras negras, indígenas, asiáticas, trans e periféricas no audiovisual.

No campo reflexivo, a programação é vasta e reúne temas provocadores. O painel “Carne de Mulher” contará com Juliana Rosenthal e Paula Cohen, que debaterão “a objetificação da mulher na ficção”. Escritoras, diretoras, produtoras e atrizes como Clarisse Abujamra, Sabrina Fidalgo, Idê Lacreta, Mariana Viñoles, Gabriela Aguerre e Gisela P. Fonseca participam de diversos outros painéis, todos com temas ligados ao feminino. A cineasta Anna Muylaret ministrará o curso “Roteiro Cinematográfico” para quem se inscrever e for selecionado, já que as vagas são limitadas (acesso online pela plataforma Navega).

FIM – Festival Internacional de Mulheres no Cinema
Data: 10 a 17 de novembro
On-line e gratuito
Sessões cinematográficas, debates, palestras, masterclass
Haverá cursos em parceria com o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc SP e Núcleos Criativos Latino-Americanos (Arenas Inspiradoras – Narrativas Femininas no Audiovisual)
Inscrições devem ser feitas pelo site do CPF do Sesc São Paulo. Vagas limitadas
Programação disponível no site www.fimcine.com.br
Os filmes poderão ser visto pela plataforma www.innsaei.tv

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