Indicações ao Oscar moderam cosmopolitismo da Academia
Por Maria do Rosário Caetano
Ano passado, ainda sob o governo do republicano Donald Trump, avesso a imigrantes estrangeiros, a Academia de Hollywood fez brilhar a face iluminista da América: indicou e consagrou “Parasita”, de Bhong Joon-ho, um filme 100% coreano. Com idioma, história, atores e equipe técnica do país oriental.
Esse ano, com o democrata Joe Biden no poder, e ideias mais arejadas, o Oscar voltou-se, mais uma vez, ao mundo anglo-saxão, abrindo nesga para os afro-americanos e distribuindo migalhas para os outros continentes.
Os oito indicados à festa hollywoodiana, que acontecerá dia 25 de abril, são produções norte-americanas ou britânicas. Há, sim, um filme “coreano” no páreo, o delicado “Minari”. Mas trata-se de produção norte-americana, falada em coreano e (boa parte) em inglês, ambientada nos EUA, pois os protagonistas são imigrantes vindos da Coreia.
Se estivesse disposta a destacar o cinema do mundo, a Academia teria colocado o excelente “Druk – Mais uma Rodada”, do dinamarquês Thomas Vinterberg, entre os finalistas. O filme recebeu indicação para melhor diretor e melhor produção internacional. Por que, então, ficou fora do listão, se a regra admite até dez indicações?
Os destaques internacionais foram poucos. Além da categoria destinada aos filmes estrangeiros, há “Pinóquio”, de Matteo Garrone, com duas indicações técnicas (figurino e cabelo/maquiagem) e “Rosa e Momo” (os italianos esperavam Sophia Loren candidata a melhor atriz), que emplacou só vaga à melhor canção (“Io Si”). “O Tigre Branco”, produção da Netflix com história e atores indianos, ficou com apenas uma indicação (roteiro adaptado).
A Europa (exceção para Grã-Bretanha e Dinamarca) passou quase batida. O Leste Europeu está bem representado com o romeno “Collective” (melhor filme internacional e melhor documentário) e “Quo Vadis, Aida?”, da Bósnia e Herzegovina.
O país escandinavo, que deu origem ao Dogma 95, recebeu duas indicações com “Druk – Mais uma Rodada” (direção e filme internacional). Mas o filme dinamarquês merecia bem mais. Além da principal categoria, há que indagar: como puderam ignorar o poderoso Mads Mikkelsen na pele de bêbado sutil e arrebatador, entre os candidatos a melhor ator?
A África árabe cravou uma vaga com o tunisiano “O Homem que Vendeu sua Pele”. A Ásia, no caso Hong Kong (ex-colônia britânica, agora reanexada ao território chinês), concorre a filme estrangeiro com “Shaonian de Ni” (Better Days).
O Brasil, que ano passado contou com “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, entre os cinco candidatos a melhor longa documental, não conseguiu nenhuma indicação artística ou técnica para “Bacurau”. Até o México, que vinha brilhando com seus filmes (caso de “Roma”), diretores (Iñarritu, Cuarón, Del Toro) e técnicos (os fotógrafos Rodrigo Prieto e Emmanuel Lubezki), este ano passou batido.
A Academia, graças aos aperfeiçoamentos vigentes desde a escandalosa ausência de “Basquete Blues” (1994), entre os finalistas, vem mostrando-se mais cosmopolita na categoria documentário. Esse ano, dos cinco indicados, três são estrangeiros: o chileno “O Agente Duplo”, de Maite Alberti (único latino-americano na lista), o romeno “Collective”, de Alexandre Nanau, e o sul-africano “Professor Polvo”, de Pippa Erlich e James Reed (com o documentarista Craig Foster de protagonista e produtor). Dois são norte-americanos: “Crip Camp: Revolução pela Inclusão”, de James Lebrecht e Nicole Newhman, que traz a poderosa grife do Casal Obama na produção, e “Time”, de Garret Bardley, sobre obstinada esposa que não mede esforços para diminuir a sentença do marido, condenado a 60 anos de prisão.
Pois a Academia, que torce para entregar seus “Oscar”, em cerimônia presencial, ouvirá, esse ano, muitos agradecimentos no inglês castiço do Reino Unido, ou no registro descontraído dos norte-americanos. O filme com maior número de indicações é “Mank”, belo, mas artificioso. David Fincher, que filmou roteiro herdado do pai já falecido, viu sua superprodução em preto-e-branco começar a corrida ao Oscar a todo vapor. Mas foi foi perdendo gás. Nem recebeu indicação para melhor roteiro original, pois sua opção por esvaziar o papel de Orson Welles na construção do roteiro de “Cidadão Kane” já foi desconstruída por muitos (e grandes) pesquisadores. Nos prêmios prévios à Noite do Oscar (Globo de Ouro, Critics Choice), ele foi praticamente ignorado.
“Nomadland”, vencedor do Festival de Veneza, continua com pinta de grande favorito. Com justiça. Diretora sensível (a sino-americana Chloé Zhao) e atriz iluminada (Frances McDormand, também produtora) constroem um agridoce painel da América dos que vagam de estado em estado em busca de trabalhos temporários.
O filme dos que fazem de vans a sua morada teve seis indicações, mesmo número de “Judas e o Messias Negro”, “Os 7 de Chicago”, “Minari” e “O Som do Silêncio”. Felizmente, a Academia não embarcou de cabeça no besteirol de “Borat”. Ao indicar o ator Sacha Baron Cohen a melhor coadjuvante, o fez por “Os 7 de Chicago”. Nesse filme, sim, ele interpreta um personagem matizado e o faz com talento e garra.
O cinema afro-americano cravou vagas importantes na lista dos finalistas ao Oscar. O maior destaque foi dado a “Judas e o Messias Negro”, sobre caçada ao jovem líder do Partido dos Panteras Negras, Fred Hampton, promovida pelo FBI (seis indicações, inclusive a melhor filme). “A Voz Suprema do Blues” também se destacou (e concorre a melhor atriz com a grande Viola Davis e a melhor ator com Chadwick Boseman, o favorito). “Soul”, canto à cultura negra, brilha como franco favorito na categoria animação.
“Uma Noite em Miami” concorre a melhor roteiro adaptado e a melhor coadjuvante (Lesli Odom Jr). A atriz Andra Day garantiu a única vaga de “Os Estados Unidos x Billie Holiday”. “Destacamento Blood”, de Spike Lee, o maior nome de cinema black norte-americano, só obteve uma indicação (melhor trilha sonora). Não houve injustiça. Este é um dos filmes menos sólidos do criador de “Faça a Coisa Certa”e “Bambozzled – A Hora do Show”.
Confira os finalistas:
Melhor filme
. Nomadland
. Judas e o Messias Negro
. Bela Vingança
. Mank
. Os Sete de Chicago
. Minari
. O Som do Silêncio
. Meu Pai
Melhor documentário
. Agente Duplo (Chile)
. Collective (Romênia)
. Professor Polvo (África do Sul)
. Crip Camp – Revolução pela Inclusão (EUA)
. Time (EUA)
Melhor filme internacional
. Druk – Mais uma Rodada (Dinamarca)
. Collective (Romênia)
. O Homem que Vendeu sua Pele (Tunísia)
. Quo Vadis, Aida? (Bósnia e Herzegovina)
. Shaonian de Ni (Hong Kong)
Melhor animação
. Soul (EUA)
. Shaun, o Carneiro – A Fazenda Contra-Ataca (Reino Unido)
. Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (EUA)
. Wolfwalkers (Irlanda/Reino Unido)
. A Caminho da Lua (EUA)
Melhor diretor
. Thomas Vinterberg (Druk)
. Chloé Zhao (Nomadland)
. Emerald Fennell (Bela Vingança)
. Lee Isaac Chung (Minari)
. David Fincher (Mank)
Melhor atriz
. Viola Davis (A Voz Suprema do Blues)
. Andra Day (Estados Unidos x Billie Holiday)
. Frances McDormand (Nomadland)
. Carey Mulligan (Bela Vingança)
. Vanessa Kirby (Piece of a Woman)
Melhor ator
. Chadwick Boseman (A Voz Suprema do Blues)
. Riz Ahmed (O Som do Silêncio)
. Anthony Hopkins (Meu Pai)
. Steve Yeun (Minari)
. Gary Oldman (Mank)
Melhor atriz coadjuvante
. Olivia Colman (Meu Pai)
. Glenn Close (Era Uma Vez Um Sonho)
. Yuh-Jung Youn (Minari)
. Amanda Seyfrid (Mank)
. Maria Balakova (Borat: Fita de Cinema Seguinte)
Melhor ator coadjuvante
. Daniel Kaluuya (Judas e o Messias Negro)
. Lateikh Stanfiel (Judas e o Messias Negro)
. Paul Ricci (O Som do Silêncio)
. Lesli Odom Jr (Uma Noite em Miami)
. Sacha Baron Cohen (Os 7 de Chicago)
Melhor roteiro adaptado
. Nomadland
. O Tigre Branco
. Meu Pai
. Uma Noite em Miami
. Borat: Fita de Cinema Seguinte
Melhor roteiro original
. Judas e o Messias Negro
. O Som do Silêncio
. Minari
. Os 7 de Chicago
. Bela Vingança
Melhor fotografia
. Relatos do Mundo
. Nomadland
. Judas e o Messias Negro
. Os 7 de Chicago
. Mank
Melhor montagem/edição
. Nomadland
. Meu Pai
. Bela Vingança
. O Som do Silêncio
. Os 7 de Chicago
Melhor canção original
. Io Si (Rosa e Momo)
. Husa’vik (Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars)
. Fight for You (Judas e o Messias Negro)
. Speak Now (Uma Noite em Miami)
. Hear my Voice (Os 7 de Chicago)
Melhor trilha sonora
. Soul
. Destacamento Blood
. Mank
. Minari
. Relatos do Mundo
Melhor figurino
. Pinóquio (Itália)
. A Voz Suprema do Blues (EUA)
. Mulan (EUA)
. Mank (EUA)
. Emma (Reino Unido/EUA)
Melhor maquiagem e cabelo
. Pinóquio (Itália)
. Mank (EUA)
. Era Uma Vez um Sonho (EUA)
. A Voz Suprema do Blues (EUA)
. Emma (Reino Unido/EUA)
Melhor design de produção
. A Voz Suprema do Blues
. Relatos do Mundo
. Meu Pai
. Mank
. Tenet
Melhores efeitos visuais
. Problemas Monstruosos
. O Grande Ivan
. O Céu da Meia-Noite
. Mulan
. Tenet
Melhor som
. O Som do Silêncio
. Soul
. Relatos do Mundo
. Mank
. Greyhound: Na Mira do Inimigo
Melhor documentário curta
. Collete
. A Concert is a Conversation
. Do Not Split
. Hunger Ward
. A Love Sonf for Natasha
Melhor curta (live action)
. Felling Through
. The Letter Room
. The Present
. Two Distant Strangers
. White Eyes
Melhor curta de animação
. Burrow
. Genius Loci
. Opera
. Yes People
. If Anything Happens I Love You