Luiza Maranhão pelo olhar de Walter Carvalho
Por Maria do Rosário Caetano
O fotógrafo e cineasta Walter Carvalho, autor de milhares de imagens geradas em 50 anos de vida profissional, localizou em seus arquivos registros que são para ele motivo de orgulho e emoção. Afinal, tais imagens ajudam a eternizar a trajetória da atriz Luiza Maranhão, hoje com 80 anos e reclusa em Roma, na Itália.
A estrela de “Barravento”, “A Grande Feira”, “Assalto ao Trem Pagador”, “Ganga Zumba” e “Chico Rei”, conhecida como a “Sophia Loren negra”, deixou o Brasil e seu ofício de atriz para dedicar-se, no exterior, à carreira de cantora.
Em meados dos anos 1970, Walter Carvalho foi convidado pelo jovem potiguar Augusto Ribeiro Jr (1949-1995) a assinar a direção de fotografia de “Boi de Prata”, seu primeiro (e último, devido à sua morte precoce) longa-metragem. No elenco, no papel de Maria dos Remédios, uma curandeira cigana, estaria Luiza Maranhão. O paraibano Walter, que estreava como diretor de fotografia em longa-metragem ficcional, deixou o Rio de Janeiro, onde se radicara, e tomou o rumo do Sertão do Seridó, no Rio Grande do Norte.
Ele relembra a experiência: “’Boi de Prata’ foi feito com poucos recursos, tínhamos que inventar soluções que se mostrassem possíveis, viáveis. Como pintar um boi com a cor prateada para que ele brilhasse? Não dispunhamos de produtos especiais. O diretor de arte fez o que pôde. Passou cola no boi e jogou um pó prateado. Resumindo, o que sei é que conseguimos superar todas as dificuldades e concluir o filme”.
Admirador de Luiza Maranhão, que conhecera nos filmes do Cinema Novo, o irmão mais novo de Vladimir Carvalho aproveitou para registrá-la, com as roupas de Maria dos Remédios, em fotos que preservou e guardou com imenso zelo. A Revista de CINEMA publica sete delas aqui.
Walter Carvalho, que dali em diante tornar-se-ia um dos maiores fotógrafos do cinema brasileiro – parceiro de Walter Salles (“Central do Brasil”), Luiz Fernando Carvalho (“Lavoura Arcaica”), Karim Aïnouz (“Madame Satã”) e Cláudio Assis (“Amarelo Manga”, “Baixio das Bestas” e “Febre do Rato”) –, passou a dedicar-se, também, à direção cinematográfica. Primeiro, como codiretor de “Janela da Alma” (João Jardim), depois de “Cazuza, o Tempo Não Pára” (Sandra Werneck). Em versão solo, dirigiu diversos longas documentais e ficcionais, entre eles, “Raul, o Início, o Fim e o Meio”, “Budapeste”, “Brincante” e “Um Filme de Cinema”. Hoje, está dedicado a séries e telenovelas na Rede Globo.
Luiza Maranhão, conhecida como a mais “baiana” das atrizes gaúchas, nasceu em Porto Alegre, em 1940, e começou sua trajetória artística como cantora. Depois tornou-se, além de atriz de cinema e TV, modelo internacional. Desfilou para Pierre Cardin, entre outros estilistas. Seus primeiros filmes – “Barravento”, de Glauber Rocha, e “A Grande Feira”, de Roberto Pires – foram realizados na Bahia. No Rio de Janeiro, atuaria, entre outros, em “Assalto ao Trem Pagador”, de Roberto Farias (1932 -2018). O curioso, nesse filme de grande sucesso comercial e artístico, foi a inversão realizada pelo cineasta. Ele deu a Luiza, de corpo escultural e beleza aliciante, o papel de comportada esposa e mãe dos filhos de Tião Medonho (Eléazar Gomes). O papel da amante do homem que liderou o assalto ao trem pagador, coube a Ruth de Sousa (1921-2019), cuja figura simbolizava bondade e candura.
Roberto Farias, diretor do “Trem Pagador”, lançado em 1962, e até hoje considerado o melhor filme policial brasileiro, explicou-me sua opção, que poderia não ter dado certo (Luiza tinha 21 anos e Ruth, 40), mas deu. Embora parte do público ainda pense que coube a Luiza interpretar a amante e Ruth a esposa e mãe dos filhos de Tião Medonho:
– Luiza Maranhão era uma deusa negra, linda, ainda no início da carreira, quando a vi no primeiro filme do Glauber, “Barravento”. Seu porte e a expressão de seus olhos foram definitivos para a escolha da atriz que faria o papel da mulher de Tião Medonho. Eu não poderia ter encontrado outra com aquela beleza, aquela dignidade. Quem viu o filme, não a esquece. Sua personagem fala muito pouco, mesmo assim, ela emprestou ao papel uma carga dramática inesquecível. Sua revolta destruindo o guarda-roupa, onde estava escondido o produto do roubo, é um dos pontos altos do filme. A agressividade e o abandono da sociedade deixando-a isolada naquela estrada poeirenta protegendo seus filhos fecham o filme com uma imagem de intensa força dramática.
Luiz Paulino dos Santos (1932-2017), diretor de “Crueldade Mortal” (1976) e ator em “O Homem que Não Dormia” (Edgard Navarro, 2012), foi o descobridor de Luiza Maranhão. Responsável, em sua Bahia natal, pelo projeto “Barravento”, coube a ele escolher o elenco. Só depois, e por intrincadas razões, foi substituído por Glauber Rocha (1939-1981). O novo diretor reestruturou o roteiro e a concepção artística do filme, mas manteve Luiza Maranhão no papel de Cota. Paulino relembrou o momento da escolha da atriz:
– Uma coisa que não se pôde negar é que a maravilhosa Luiza Maranhão nasceu dos meus olhos para o cinema. Na Bahia do meu tempo, todos os caminhos davam na Rua Chile, por onde eu estava descendo rumo à Praça Castro Alves e assim, quando já estava passando em frente ao Palace Hotel, notei que na vitrine havia fotografia de uma cantora negra, de uma beleza muito especial. A fotografia era a propaganda do show do cantor Blackout, o General da Banda, acompanhado pela referida Luiza, como cantora. Naquele instante, descobri que estava diante da atriz perfeita para o personagem Cota, de “Barravento”, filme para o qual eu já tinha escolhido e preparado quase todo o elenco. Entusiasmado, fui até a pensão de Dona Lúcia Rocha, nos Barris, e contei ao Glauber, que estava almoçando, que tinha encontrado a pessoa que faria a Cota. Ele largou o prato de lado e me acompanhou até o Palace. Assim que viu a foto da Luiza, comentou eufórico: “Paulino, não podia ser outra!”. Entramos no hall do hotel e quando vimos a figura da Luiza em carne e osso, afirmamos ao mesmo tempo: ‘É perfeita!’. O resto é história.