Tarcísio Meira

Por Maria do Rosário Caetano

O ator Tarcísio Meira, que morreu, vítima de Covid-19, aos 85 anos, nessa quinta-feira, 12 de agosto, construiu sua imensa fama na TV ao interpretar heróis viris como João Coragem, o garimpeiro-protagonista de “Irmãos Coragem”.

Nunca é demais lembrar-se que esse folhetim, em ritmo de western, colocou a Rede Globo dentro de milhões de lares brasileiros. E transformou-se em referência na história de nossa teledramaturgia. Inclusive por seduzir público masculino (e não apenas moças e senhoras) ao misturar garimpo, ambição, dupla personalidade e futebol.

Tarcísio Meira formou, com a esposa da vida inteira, a atriz Glória Menezes, gaúcha de 86 anos, um dos mais queridos casais da TV brasileira, a ponto de ganharem programa próprio, no horário nobre da Globo – “Glória & Tarcísio”. E de, juntos, protagonizarem muitas novelas támbém em horários nobres.

No cinema, Tarcísio, nascido em 1935, no seio de família de fazendeiros paulistas, teria carreira apagada se não tivesse atuado em “A Idade da Terra” (1981), de Glauber Rocha, em “Amor Estranho Amor” (82) e “Eu” (89), ambos de Walter Hugo Khouri, e “Eu t       e Amo”, de Arnaldo Jabor (84).

O filme de Glauber – um épico em três tempos (o Brasil Colônia, filmado na Bahia, o Império, no Rio, e a República, em Brasília) – teve longa e tumultada produção. Além de adotar, como era do gosto do realizador baiano, procedimentos artísticos nada convencionais. Glauber engendrou longa-metragem experimental, de quase três horas, situado a anos luz das telenovelas e dramas cívico-aventureiros protagonizados pelo galã televisivo.

Em Veneza, já que fora selecionado à disputa do Leão de Ouro, Glauber se viu derrotado por dobradinha norte-americana – “Atlantic City”, dirigido pelo francês Louis Malle, e “Glória”, de John Cassavets. Enfureceu-se e protagonizou performance demolidora. Xingou júri e premiados, munido de fúria santa e embalado por sua verve costumeira.

Outro filme com Tarcísio Meira no elenco principal causou controvérsia e acabou na barra dos tribunais: “Amor Estranho Amor”. A estrela do filme é Vera Fischer, mas quem deu o que falar foi Xuxa Meneghell. Algum tempo depois de desempenhar o papel de iniciadora sexual de um adolescente, a loura platinada faria carreira como apresentadora infantil, primeiro na TV Manchete, depois na Globo. Aí, para impedir a difusão do “escandaloso” filme em vídeo e DVD, ela fez acordo judicial com o produtor Aníbal Massaíni para tirar a obra de circulação. Nesse longa de Walter Hugo Khouri, Tarcísio Meira interpreta Osmar, político influente, que mantém relação estreita com Ana (Vera Fischer), a principal atração de bordel granfino, situado em bela mansão paulistana. Isto, às vésperas da Revolução de 1930.

No belo “Eu te Amo”, de Arnaldo Jabor, fotografado por Murilo Salles, a mesma dupla – Tarcísio, na pele de Ulisses, um piloto aeronáutico, e Vera, como Bárbara, médica cardiologista – aparece na história em que os protagonistas são Maria (uma prostituta de luxo?) e Paulo, um empresário em crise, interpretados por Sônia Braga e Paulo César Peréio. O filme alcançou imenso sucesso de público, vendendo mais de 4 milhões de ingressos.

O cinema nunca foi o veio principal da carreira de Tarcísio Meira, mas o ator pôde experimentar o prazer do sucesso no circuito exibidor desde sua estreia, em “Casinha Pequenina” (1963). O folhetim caipira protagonizado por Amacio Mazzaropi foi campeão de bilheteria nas grandes cidades e interior. O “Jeca Tatu” sempre mobilizava, com seus filmes ingênuos e engraçados, verdadeiras multidões. E “Casinha Pequenina”, vitrine e passaporte de Tarcísio, vendeu mais de 10 milhões de tíquetes – isso num tempo em que o cinema era mesmo a maior diversão, pois a TV só viria a tornar-se hegemônica nos tempos de “Irmãos Coragem” (década de 1970).

Outro êxito de bilheteria, com Tarcísio no papel principal, foi o folhetim cívico-televisivo “Independência ou Morte” (1972), de Carlos Coimbra, usado como peça de propaganda pela ditadura, então sob o comando do General Emilio Garrastazzu Médici. Corria o ano dos festejos do Sesquicentenário da Independência. E enquanto filmes como “Toda Nudez Será Catigada”, de Arnaldo Jabor, eram interditados, o longa de Coimbra, produzido pela Cinedistri da família Massaíni, usava seu elenco popularizado pela TV, para apresentar, segundo moldes de compêndios escolares, a história de Dom Pedro I. Um imperador luso-brasileiro que – apressado para rever sua amante, Domitila de Castro, a Marquesa de Santos (Glória Menezes), no litoral – bradava “Independência ou Morte”, às margens do riacho do Ipiranga. O filme vendeu quase 3 milhões de ingressos (exatos 2.957.083).

Mais um sucesso com Tarcísio no elenco, “O Cangaceiro Trapalhão” (Daniel Filho, 1983): 4 milhões de ingressos. Mas o mérito, claro, era de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, o quarteto atrapalhado.

Tarcísio atuou em outras produções que tiveram alguma repercussão nas bilheterias, mas que não saíram do campo do “bom artesanato”: “Quelé do Pajeú”, um nordestern de Anselmo Duarte (1970), “Confissões do Frei Abóbora” (Braz Chediak, 1972), “O Marginal” (Carlos Manga, 1974), “O Caçador de Esmeraldas”, de Carlos Coimbra (1979), outro drama histórico folhetinesco, e em “República dos Assassinos (Miguel Faria Jr, 1979), produção mais ambiciosa que as anteriores. O cineasta construiu um thriller policial baseado em livro homônimo de Aguinaldo Silva, com Chico Buarque e Francis Hime na trilha sonora.

No momento em que adaptar obra de Nelson Rodrigues virou moda, Tarcísio, com sua imagem viril, foi convocado para duas produções: “O Beijo no Asfalto”, de Bruno Barreto (1981), e “O Boca de Ouro”, de Walter Avancini (1990). Dois filmes corretos e de sucesso mediano.

Depois de hiato de 21 anos, o eterno “João Coragem” voltou ao cinema para protagonizar, com o jovem comediante Gregório Duvivier, o longa “Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo!”, de Hugo Carvana (2011). O filme tinha tudo para dar certo, mas não deu. Os Velasco (Ramon, o pai, e Lalau, seu filho) mambembam pelo país, com seu espetáculo de variedades. Quando o rapaz conhece a jornalista Flora (Flávia Alessandra), ela o convence a ir para o Rio, onde incorporaria um guru indiano. O que se anunciava como um road movie cômico sofreria mudança de registro, pois um crime envolvendo candidata a senadora (Ângela Vieira) transformaria o jovem Lalau no principal suspeito. O filme não fez sucesso comercial.

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