Fest Aruanda homenageia Othon Bastos, Cristina Amaral e W.J. Solha

Por Maria do Rosário Caetano

O Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro inaugura, na noite dessa quinta-feira, 9 de dezembro, sua décima-sexta edição, em João Pessoa, capital da Paraíba. O evento, que vai homenagear os atores Othon Bastos e W.J. Solha e a montadora Cristina Amaral, exibirá –até o dia 15, de forma presencial e (em parte) on-line – 60 filmes. Trinta deles estão distribuídos em quatro mostras competitivas: duas de alcance nacional (longas e curtas brasileiros), e duas regionais (Sob o Céu Nordestino – curtas e longas). Os outros 30 títulos compõem mostras especiais.

Na competição brasileira, não há nenhum filme 100% inédito. Um dos concorrentes – a animação “Bob Cuspe – Nós Não Gostamos de Gente”, de Cesar Cabral, se por um lado é pré-finalista ao Oscar de melhor longa-metragem, já foi lançado no circuito comercial. Mas os outros cinco candidatos, embora já exibidos em diversas competições (ou em caráter hors concours), seguem inéditos no circuito comercial. São eles: os paulistanos “A Viagem de Pedro”, de Laís Bodanzky, e “A Felicidade das Coisas”, de Thais Fujinaga, o carioca “Capitu e o Capítulo”, de Júlio Bressane, o pernambucano (em parceria com a França) “Salamandra”, de Alex Carvalho, e o matogrossense-carioca “Madalena”, de Madiano Marchetti.

A mostra Sob o Céu Nordestino – que em 2018 chegou a ofuscar a competição nacional com cinco longas paraibanos, entre eles o surpreendente “Trago seu Amor de Volta, Mesmo que Ele Não Queira” – esse ano revela que a produção do estado sofreu duro revés. Dos quatro longas selecionados, só um – “Miami-Cuba”, de Caroline Oliveira – é produção paraibana. O destaque coube ao Ceará, com “A Praia do Fim do Mundo”, do cineasta e diretor de fotografia Petrus Cariry, e ao documentário “Transversais”, de Emerson Maranhão. Completa a lista o longa “Fendas” (RN), de Carlos Segundo, exibido três anos atrás na Mostra de Cinema de São Miguel do Gostoso.

Dois cineastas da região – Petrus Cariry e o paulista-potiguar Carlos Segundo – marcam presença duplicada (e merecida) no festival paraibano. Petrus concorre também na mostra nacional de curtas com “Foi um Tempo de Poesia”, relato rememorativo de suas saudades do padrinho, o poeta e cantador Patativa do Assaré (1909-2002). Já Carlos Segundo comparece com uma surpreendente ficção científica do Terceiro Mundo, “Sideral”, realizada em parceria com a França, e filmada integralmente na Base Aérea de Natal, em Parnamirim e Ceará-Mirim. O filme foi selecionado, entre mais de 3 mil inscritos, como um dos dez finalistas de Cannes 2021, na categoria curta-metragem.

Em debate no Cine Ceará, no qual recebeu dois prêmios, Carlos Segundo, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, avisou que os grandes festivais brasileiros – citou textualmente o de Brasília – nunca selecionaram um de seus muitos filmes, embora muitos deles tenham sido apresentados em festivais internacionais como Chicago, Clermont-Ferrand e Cannes.

Ao contrário do Festival do Rio, que lotou suas duas mostras dedicadas ao curta-metragem com produções flumineses, o festival paraibano mostrou-se atento a todos os Brasis (menos ao Rio!). Há filmes da Bahia (“Entre Muros”, de Gleisson Mota, e “Coleção Preciosa”, de Rayssa Coelho e Filipe Gama), do Piauí (“Hortelã”, de Thiago Furtado), de Brasília (“Ela Tem Saudades”, de João Campos), de São Paulo (“A Rua que Queria Ser um Rio”, de Radhi Meron, e “Inventário do Corpo”, de Alini Guimarães e Jonathan Bao), outro potiguar (“Yabá”, de Rodrigo Sena) e três paraibanos (“Animais na Pista”, de Otto Cabral, “Cabidela’s Bar”, de Tadeu Brito, e “O Pato”, de Antônio Galdino).

“Capitu e o Capítulo”, de Júlio Bressane

Os cariocas podem argumentar que os paraibanos transformaram a mostra Sob o Céu Nordestino (com oito títulos) em vitrine exclusiva da produção do estado. No que estariam certos. Eis os títulos escolhidos: “Tecendo Histórias”, de Diego Pontes, “Adarrum”, de Thomas de Freitas, “Flor de Quintal”, de Marcicleide Ramos, “Noite de Sítio”, de Lucas Machado, “Terra Vermelha”, de Allan Marcus e Leonardo Gonçalves, “Incúria”, de Tiago A. Neves, “O que os Machos Querem”, de Ana Diniz, e “Boyzin”, de R.B. Lima. Todos produzidos na capital (João Pessoa) e cidades do interior do estado.

Na noite de encerramento (e entrega dos Troféus Aruanda) do festival, serão exibidos dois filmes – o curta ficcional “Aluísio, o Silêncio e o Mar”, que marca a estreia do ator Luiz Carlos Vasconcelos, o Lampião de “Baile Perfumado” e o “Velho”, de “Marighella, na direção cinematográfica, e o longa documental “Ney, à Flor da Pele”, de Felipe Nepomuceno, sobre o cantor (e ator) Ney Matogrosso.

Os três homenageados desse ano pelo Fest Aruanda têm imensa folha de serviços prestados ao audiovisual brasileiro. O baiano Othon Bastos, de 88 anos, é um verdadeiro patrimônio de nossos palcos, telas e telinhas. Já começou causando furor, ao encarnar Corisco, o rebelde cangaceiro glauberiano, em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Virou cartaz do filme, que foi a Cannes, junto com “Vidas Secas”. Com Júlio Bressane estabeleceu ponte paraibana ao protagonizar “Os Sermões”, encarnado em Padre Antônio Vieira. Filmou no belíssimo Lajedo do Pai Mateus, em Cabaceiras, a Roliúde Nordestina.

Cristina Amaral, de 67 anos, um dos nomes estelares de nossa montagem cinematográfica, foi parceira inseparável de dois grande cineastas paulistas – Carlão Reichenbach (1945-2012) e Andrea Tonacci (1944-2016). Este, além de parceiro profissional, foi seu companheiro afetivo. E segue como a montadora preferida do baiano Edgard Navarro (“Abaixo a Gravidade”). Ligada a um cinema de risco, Cristininha, como os amigos a chamam, verá com o público um de seus trabalhos realizados com o amigo Carlão, “Garotas do ABC”, parte de inacabada pentalogia que radiografaria poeticamente a gente da região metalúrgica paulista. Só dois títulos ficaram prontos (além de “Garotas do ABC”, o “Falsa Loura”).

W.J. Solha, de 80 anos, é sorocabano, portanto, um caipira paulista, tio da atriz, também sorocabana, Eliane Giardini. E tio “por afinidade”, de Paulo Betti. Mas tornou-se tão paraibano quanto as praias do Tambaú. É que o jovem funcionário do Banco do Brasil foi transferido para agência da instituição em Pombal-PB. Metido com literatura e cinema, envolveu-se em empreitada de risco. Produzir o único longa ficcional de Linduarte Noronha (1930-2012) – “Salário da Morte” (1971). Financeiramente, o projeto resultou em desastre. Dívidas e dívidas o atormentaram por longo tempo. Solha passou, então, a dedicar-se a seus outros ofícios: a literatura, o teatro e a pintura. Até tornar-se, na maturidade, ator de títulos de grande impacto – “A Canga”, de Marcus Vilar, “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça, e “Bom Dia, Verônica”, de Marcelo Gomes. Todos os homenageados participarão de debates com o público.

Em caráter in memoriam, o Aruanda homenageará o maestro e compositor paraibano-carioca José Siqueira (1907-1985), com a exibição do longa documental “Toada para José Siqueira”, de Eduardo Consonni e Rodrigo T. Marques. E, também, evocará a memória do cineasta e montador paraibano Ely Marques, que partiu no auge de sua juventude, este ano, vítima de Covid-19. Dele, o público assistirá ao curta “DNA-M: Deus Não Acredita em Máquinas”.

De forma presencial, o festival promoverá sessões de lançamento de livros sobre o paraibano Paulo Pontes (parceiro de Chico Buarque em “Gota d’Água”), sobre Ney Matogrosso e sobre a Ancine (Agência Nacional de Cinema).

O livro que biografa o dramaturgo – “Paulo Pontes: A Arte das Coisas Sabidas” – traz a assinatura de Paulo Vieira (Editora União-Funesc). A biografia de Ney Matogrosso foi escrita pelo jornalista Júlio Maria (Companhia das Letras). Marcelo Ikeda, crítico e professor universitário, assina “Utopia da Autossustentabilidade – Impasses, Desafios e Conquistas da Ancine” (Editora Sulina).

O Aruandinha, segmento do festival dedicado ao público infanto-juvenil, exibirá “O Menino no Espelho”, do mineiro Guilherme Fiúza Zenha, baseado em Fernando Sabino, e “As Aventuras do Avião Vermelho”, do gaúcho Frederico Pinto, que ministrará oficina sobre Cinema de Animação. Afinal, foi essa a linguagem que ele utilizou ao recriar o mais famoso livro infantil de Erico Veríssimo.

XVI Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro
Data:
9 a 15 de dezembro, em João Pessoa, na Paraíba
Edição presencial, na Rede Cinépolis (Manaíra Shopping) e on-line (com debates e alguns filmes na plataforma AruandaPlay)
Com oficinas, lançamento de livros e homenagens especiais
Mais informações: www.festaruanda.com.br

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