Belas Artes à la Carte reúne filmes de Billy Wilder, inéditos da Macedônia e longas de Sylvio Back

Por Maria do Rosário Caetano

O serviço de streaming da Distribuidora Pandora, responsável pelo circuito Belas Artes – composto de seis salas na Rua da Consolação paulistana – tem feito o que pode para chamar atenção do público interessado em filmes de arte ou ensaio.

Nessa semana, o Belas Artes à la Carte, gerido pelo exibidor e cineasta André Sturm, recorre a nome estelar, Billy Wilder, diretor do clássico “Crepúsculo dos Deuses” e de um dos mais engenhosos “noir” da história do cinema, “Pacto de Sangue”. Recorre, também, a filmes inéditos da Macedônia do Norte, país resultante da divisão da Iugoslávia, obrigado a acrescentar o ponto cardeal a seu nome para dirimir conflito com região da Grécia. Dessa quinta-feira, 10, até dia 23 de março, serão exibidos três longas-metragens, um média e três curtas no Festival Volta ao Mundo: Macedônia do Norte.

Só para refrescar a memória de cinéfilos soterrados pela avalanche audiovisual que domina nosso tempo, são macedônios os filmes “Honeyland”, sobre cativante apicultora que, recentemente, concorreu ao Oscar de melhor documentário e melhor filme estrangeiro, e “Depois da Chuva”, de Milcho Manchevski, Leão de Ouro no Festival de Veneza, em 1994. Hoje, com 62 anos, Manchevsky, que nunca mais acertou a mão, participa do festival, destinado aos assinantes do À la Carte, com “Willow”.

No terreno da produção brasileira, o Belas Artes festeja 60 anos de carreira do cineasta, poeta, roteirista, escritor e produtor catarinense Sylvio Back, que completará 85 anos em julho próximo. Por isso, onze dos seus filmes serão disponibilizados no cardápio do À la Carte. Os primeiros a chegarem ao streaming foram os ficcionais “Lost Zweig” e “Aleluia Gretchen”. “Cruz e Souza – O Poeta do Desterro” será disponibilizado nessa quinta-feira, 10.

Depois virão “Guerra dos Pelados”, dia 24, e o documentário “Revolução de 30”, dia 31. Na sequência, serão lançados “Guerra do Brasil – Toda Verdade Sobre a Guerra do Paraguai” , “O Contestado – Restos Mortais”, “Yndio do Brasil”, “República Guarani”, “O Universo Graciliano” e “Rádio Auriverde”, todos documentários.

André Sturm, que comanda o Belas Artes à la Carte, conta que “todas as semanas são incluídos cinco novos títulos no cardápio de nosso serviço de streaming”. Como “em alguns momentos vence algum contrato e temos que retirar 10 ou 20 filmes de uma só vez”, o assinante sempre estará recebendo novos títulos e mostras.

"Willow", de Milcho Manchevski

“Atualmente” – contabiliza – “dispomos de uns 400 títulos. Temos filmes de todas as décadas, a partir de 1910, portanto, desde a fase muda”. Estão na lista de ofertas do à la Carte, “os mais importantes movimentos artísticos do cinema mundial – Expressionismo Alemão, Revolucionário Russo e Construtivismo, Romantismo Francês, Nouvelle Vague, Cinema Novo e, também, ‘sub gêneros’ como comédias italianas, terror ‘giallo’, entre outros”.

André Sturm, de 55 anos, dedicado à exibição cinematográfica desde os tempo de estudante no Cineclube da FGV (Fundação Getúlio Vargas), diz ser difícil destacar os tesouros do À la Carte. “São muitos. Pelo meu gosto pessoal os filmes do Expressionismo Alemão seriam nosso maior destaque por serem raros e eternos. Também destaco filmes dos anos 70, uma década incrível e cujas produções ficaram meio esquecidas”. Como  “Pato com Laranja”, de Luciano Salce (com Ugo Tognazzi e Monica Vitti), “Entre as Linhas do Jornal”, de Joan Micklin Silver, e “O Amigo Americano”, de Wim Wenders.

“Fazemos questão” – garante Sturm – “de oferecer filmes de todos os países que tenham cinematografias importantes. Isso é uma obsessão. Temos, atualmente, filmes de 42 cinematografias de todos os cantos do mundo. E estamos negociando filmes de países como Cazaquistão, Estônia, Myiamar e outros. Temos filmes da Bulgária, Macedônia do Norte, Singapura, algo pouco provável de encontrar em outras plataformas”.

Diretor de dois longas-metragens (“Sonhos Tropicais”, de 2001, e “Bodas de Papel”, 2008), Sturm garante nunca esquecer de programar filmes brasileiros. “Todas as semanas, entre as cinco novidades programadas, pelo menos uma é brasileira. Temos buscado trazer filmografias completas (ou quase) de nossos realizadores. Já disponibilizamos a obra de Domingos de Oliveira (incompleta), Zelito Viana, Paulo Thiago, Sylvio Back, entre outros”. E, também, “filmes importantes e variados como ‘Anahy de las Misiones’, de Sérgio Silva, ‘Verônica’, de Maurício Faria, ‘Fogo e Paixão’, de Isay Weinfeld e Marcio Kogan, entre muitos outros”.

Sturm reconhece que a representação hispano-americana se faz sentir “principalmente com filmes argentinos” e segue “modesta” com os outros países do subcontinente. Mas, por acreditar que o streaming não deixa de ser uma espécie de cinemateca que nos permite desfrutar da história do cinema, o programador do Belas Artes recorre a outra comparação: “penso sempre naquelas ótimas locadoras, que ofertavam centenas de filmes, para que o público escolhesse. Um lugar onde se podia encontrar produções incríveis do passado e do presente”. E arremata: “temos buscado, também, trazer filmes recentes que não encontraram espaço nas salas de cinemas, mas que mereciam”. Agora, “eles têm uma nova vitrine” para que sejam fruídos como merecem.

 

MOSTRA BILLY WILDER – Roteirista e Diretor – Um dos mais importantes e bem-sucedidos nomes do cinema holywoodiano, Wilder nasceu em 1906, num estranho lugar chamado Sucha Beskidzka, parte do Império Austro-Húngaro (hoje, parte do território polonês). Filho de mãe e pai judeus, este, gerente de hotel, o pequeno Wilder logo foi parar em Viena. Iniciou-se profissionalmente no jornalismo, como repórter (inclusive policial). Um dia, marcou “consulta” com seu mais famoso conterrâneo, Sigmund Freud (1856-1939). Dentro do consultório, revelou a natureza de sua “consulta”: queria entrevistar o psicanalista. “Você é jornalista?” – teria perguntado Freud. – “Sim”, respondeu. “Pois retire-se daqui imediatamente”. Verdade ou mentira? Como saber, se Wilder era uma das mentes mais inventivas da história do jornalismo e da ficção cinematográfica, capaz de encerrar um filme (“Quanto Mais Quente Melhor”) com frase nonsense “Ninguém é perfeito”. E, depois, transportá-la para a lápide de seu túmulo, na qual se lê: “Sou um escritor, mas então, ‘Ninguém é Perfeito’”.

Do jornalismo ao cinema foi um passo. Em 1929, aos 23 anos, integrava a equipe do belo “Gente de Domingo”, ao lado dos diretores Robert Siomark e Edgar G. Ulmer. Até a ascensão de Hitler (e seu exílio na França, em 1933), o jovem vienense participaria de onze filmes como roteirista. Em Paris, dirigiria seu primeiro longa, “Mauvaise Graine”, com Danielle Darrieux. Partiria logo para os EUA, onde viveria até sua morte, com bem vividos 95 anos, rico, consagrado, com estatuetas (Oscar honorário por sua trajetória, inclusive) na estante e fãs espalhados pelo mundo inteiro.

Quem assistiu ao documentário (disponível na Globoplay) “Billy Wilder – Ninguém é Perfeito”, de 54 minutos, soube que o escritor e roteirista judeu, de expressão germânica, mal conhecia o inglês quando desembarcou em Hollywood. Por isso, formou dupla com Charles Brackett (1892-1969), escritor e produtor, com quem criaria 13 roteiros (até “Crepúsculo dos Deuses”). A dupla não tinha grandes afinidades políticas, mas se entendia às mil maravilhas na hora de engendrar roteiros divertidos e marcados pela ironia.

O Belas Artes à la Carte, que já conta com dois filmes que têm Billy Wilder nos créditos – “Pacto de Sangue”, que ele escreveu e dirigiu, e “Ninotchka”, que roteirizou para Ernst Lubitsch – vai disponibilizar mais sete títulos nas próximas semanas.

O primeiro deles será “Cinco Covas no Egito”, segunda produção norte-americana dirigida por Wilder, realizada em 1943. Trata-se de suspense de guerra, escrito com Brackett, a partir de peça teatral. No elenco, outro grande exilado vindo do cinema alemão, Eric von Stroheim. E, também, Anne Baxter e Franchot Tone. O filme estará em catálogo a partir dessa quinta-feira, 10 de março.

Impressionante notar que no filme seguinte, o “noir” “Pacto de Sangue”, o quarto longa de Wilder (contando com a estreia francesa), já se sentia sua maestria e genialidade. O filme, baseado em romance de James M. Cain (o mesmo de “O Destino Bate à sua Porta”, que Visconti filmara três anos antes – “Ossessione”), constitui-se em um dos momentos mais luminosos do gênero. O roteiro é uma joia esculpida por Wilder, em parceria com Raymond Chandler. O título original (“Dupla Indenização”) e a trama perfeita (e aliciadora) encontram no detetive Fred MacMurray, na loura inocente-manipuladora (apesar da exótica franja) Barbara Stanwyck e no dedutivo-experiente Edward G. Robinson um trio imbatível.

Na quinta-feira, 17, o drama (sobre alcoolismo) “Farrapo Humano” (também de 1945) agrega-se à programação do À la Carte. Apesar de ter rendido a Wilder o Oscar de direção e a seu protagonista Ray Milland, o Oscar e a Palma de Ouro de melhor ator (Hollywood não resiste a intérpretes de papeis extremados), o filme não está entre os grandes momentos do cineasta. Outro roteiro escrito com Brackett.

No dia 24, aí sim, chegará a vez da obra-prima wilderiana: “Crepúsculo dos Deuses”, de 1950. Um dos maiores filmes da história do cinema. Passados 70 anos de sua realização, ele segue fertilizando imaginários. Basta lembrar o recente “Cine Marrocos”, quarto documentário do brasileiro Ricardo Calil.

O filme é narrado por um machadiano defunto-autor. Ou melhor, por um defunto-roteirista (Willian Holden, soberbo). Em agruras financeiras, ele vai parar na mansão de uma veterana atriz, outrora uma diva, Norma Desmond (Gloria Swanson), assistida por um mordomo, outrora diretor de cinema e marido dela (Eric von Stroheim). Ela deseja voltar à glória cinematográfica. Quer ter o rapaz como amante e roteirista responsável pelos retoques no roteiro de “Salomé”, o filme que há de resgatar sua carreira. Com esta trama, escrita por Wilder junto com Brackett e D.M. Marshman, o diretor austríaco-estadunidense erguerá um dos mais crueis retratos da Hollywood construída de efêmeros sonhos e terríveis pesadelos.

Billy Wilder, que foi repórter, conhecia muito bem as entranhas de um jornal. Em 1974, realizaria uma pequena obra-prima sobre o assunto – “A Primeira Página” (“The Front Page”), corrosivo retrato do jornalismo sensacionalista, protagonizado por Jack Lemmon e Walter Matthau. História, aliás, filmada outras vezes, pois baseada em delicioso sucesso teatral de Ben Hechet e Charles MacArthur. Em 1931, por Lewis Milestone, e em 1940, por Howard Hawks (“His Girl Friday”), com Rosalind Russel e Gary Grant. Hawks preferiu ter uma mulher-repórter em seu filme. Wilder foi mais fiel à peça. E ainda mais corrosivo.

Mas “A Primeira Página”, por enquanto, não está no catálogo do À la Carte. O filme que chega ao streaming de Sturm, no dia 31 de março, é “Montanha do Sete Abutres”, outra crítica, que se pretende feroz, ao sensacionalismo da imprensa. No caso, o protagonista é um repórter fracassado, vivido por Kirk Douglas, que vindo de Nova York desembarca no Novo México, onde um homem foi soterrado numa caverna. O jornalista vê no fato a chance de reavivar sua carreira. Ao invés de torcer pelo resgate, o repórter aposta em seu retardamento, para tirar proveito da situação. O filme, lançado em seguida a “Crepúsculo dos Deuses”, é apelativo e desmedido. Não está entre os grandes momentos do cineasta.

Três filmes que tiveram Billy Wilder apenas como roteirista chegam para fazer companhia a “Ninotchka” (Lubitsch, 1939): “A Oitava Esposa do Barba Azul” (já disponível), “Bola de Fogo” e “Levanta-te meu Amor” (este dois chegam ao streaming em abril).

“A Oitava Esposa do Barba Azul” (Lubitsch, 1938) pode nos induzir a pensar em um filme de horror. Ou seja, na história do francês Charles Perrault, sobre um Conde horroroso que matava suas mulheres (foram seis) até casar-se com jovem curiosa. Mas não se trata de nada disso. E sim de mais uma comédia sofisticada de Lubitsch, com desfile de figurinos e ambientes luxuosíssimos.

Gary Cooper é um homem norte-americano, muito rico, que chega à Riviera Francesa. Lá conhece uma linda jovem (Claudette Colbert), filha de um conde arruinado. Eles se apaixonam, mas ela descobre que o ricaço já se divorciou sete vezes. Resolve então dar uma de “megera indomada”, e dobrar o conquistador. Wilder e Brackett constroem trama leve à qual Lubitsh dará seu toque inconfundível. Diversão sedutora.

“Bola de Fogo” (Howard Hawks, 1941) reúne Cary Grant e Barbara Stanwyck, numa história que une um pesquisador de enciclopédia a uma dançarina de cabaré. Ele, Bertram Potts, integra equipe de oito sóbrios professores responsáveis pela elaboração de verbetes e recebe a incumbência, por ser o mais jovem, de catalogar gírias populares. Ao deparar-se com dançarina de boate (Stanwyck), ele disporá de inesgotável fonte para sua pesquisa vocabular. E para outras coisas também. Umas das fontes distantes do filme, cujo roteiro Wilder escreveu com Charles Brackett, foi o conto Branca de Neve.

“Levanta-te meu Amor”, de Mitchell Leisen, foi realizado em 1940, com Claudette Colbert e Ray Milland. O roteiro, ambientado em tempo de Guerra (primeiro, a Guerra Civil Espanhola, depois a Segunda Guerra Mundial) foi escrito pela dupla Wilder e Brackett, com ajuda de Hans Théry, no calor da hora, ou seja, aguardando o desfecho de novas invasões nazistas que se processavam em solo europeu.

Billy Wilder, que estrearia como diretor estadunidense pouco tempo depois (com “A Incrível Suzana”, 1942, com Ray Milland e Ginger Rogers à frente do elenco), não se entendeu bem com o diretor Mitchell Leisen. A trama começa nos estertores da Guerra Civil Espanhola, quando Tom Martin (Ray Milland) é libertado de execução por interferência de mulher que se apresenta como sua esposa (na verdade, trata-se da jornalista Augusta Nash, em busca de uma boa reportagem). Descoberto o estratagema, a dupla foge para Paris, onde se apaixona. Hitler invade a Polônia. O casal tenta regressar aos EUA. Não consegue. Ele junta-se à Real Força Aérea britânica, ela torna-se correspondente de guerra. Paris cai sob domínio nazista. O casal decide conclamar os norte-americanos a unirem-se aos Aliados e lutar contra o Eixo nazifacista.

 

CINEMA DA MACEDÔNIA DO NORTE – O Festival Volta ao Mundo: Macedônia do Norte, de 10 a 23 de março, compõe-se com sete filmes produzidos entre 2017 e 2020, todos inéditos no Brasil. Além de “Willow”, de Milcho Manchevski, premiado em alguns festivais de segunda linha, serão exibidos os longas “O Ingrediente Secreto”, comédia de Gjorce Stavreski, e “O Efeito Felicidade”, de Borjam Zafirovski, melhor filme no Balkan Film Food Festival. Completam a programação o média documental “Consumo Contemporâneo”, de Ana Aleksovska, e os curtas “Sticker”, de Georgi M. Unkovski, selecionado para 70 festivais, “Snake”, de Andrej I. Volkashin (premiado no Festival Queer de Melinka), e “Todos Nós Vamos Morrer”, documentário de Sashko Potter Micevski).

 

"Lost Zweig", de Sylvio Back

MOSTRA SYLVIO BACK

. “Lost Zweig” (2014), falado em inglês. Adaptação do livro “Morte no Paraíso: A Tragédia de Stefan Zweig”, de Alberto Dines. Com Rüdiger Vogler, Ruth Rieser, Ney Piacentini, Claudia Netto, Kiko Mascarenhas, Danielo Dantas, Ana Carbatti, Denise Weinberg, Soraya Ravenle, Ary Coslov, Olidlon Wagner e Bruce Gomlevsky.

. “Aleluia Gretchen” (1976). Com Lilian Lemmertz, Carlos Vereza, Selma Egrei, Míriam Pires, Kate Hansen e Sérgio Hingst.

. “Cruz e Souza – O Poeta do Desterro” (1998) – Trajetória poética de João da Cruz e Sousa (1861-1898), retratando suas paixões e seu trágico fim. Com Kadu Karneiro, Maria Ceiça, Léa Garcia e Guilherme Weber.

. “Guerra dos Pelados” (1970). Baseado em episódio histórico da Guerra do Contestado (1912-1916), em Santa Catarina. Com Otávio Augusto, Stênio Garcia, John Herbert e Zózimo Bulbul.

. “Revolução de 30” (1980), documentário.

. Lançamentos do mês de abril: “Guerra do Brasil – Toda Verdade Sobre a Guerra do Paraguai” (1987), “O Contestado – Restos Mortais” (2010), “Yndio do Brasil” (1995), “República Guarani” (1981), “O Universo Graciliano” (2014) e “Rádio Auriverde” (1990), todos documentários.

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