Ecofalante exibe “cinema verde” e homenageia Sarah Maldoror, Jacques Perrin e “Koyaanisqatsi”
Por Maria do Rosário Caetano
A Mostra Ecofalante de Cinema, um dos mais importantes eventos audiovisuais de temática socioambiental das Américas, chega à sua décima-primeira edição, em formato híbrido, em mais de 30 cinemas e espaços culturais de São Paulo e on-line para todo o território brasileiro, a partir desta quarta-feira, 27 de julho. As atividades prosseguem até 17 de agosto.
Além de exibir filmes de grande valor ético e estético, a edição deste ano ficará na história por prestar tributo a dois nomes com imensos serviços prestados ao ‘cinema verde’: a franco-guadalupenho-angolana Sarah Maldoror e o francês Jacques Perrin. Ela uniu seu destino a três países: a Guadalupe de seu pai, a França que a viu nascer, crescer e apaixonar-se pelo cinema, e Angola, país africano onde tornou-se uma das primeiras mulheres do continente a dirigir um longa-metragem. O ponto alto da homenagem a Sarah constará da exibição de versão recém-restaurada em 4K de seu filme mais emblemático, “Sambizanga”, realizado há exatos 50 anos.
O Perrin que o Ecofalante vai homenagear não é príncipe de Catherine Deneuve em “Pele de Asno” (Demy), nem o lindo adolescente de “A Moça com a Valise” (Zurlini), nem o cineasta maduro de “Cinema Paradiso” (Tornatore). Mas sim o produtor ou diretor de documentários apaixonantes sobre o mundo natural, o cosmos, aves migratórias e imensas dimensões aquáticas. De Jacques Perrin serão mostrados “Microcosmos”, “As Estações”, “Oceanos” e “Migração Alada”, este último indicado ao Oscar.
A cerimônia de abertura (para convidados, nesta quarta-feira, à noite), acontecerá na Reserva Cultural, com exibição de “Animal”, obra inédita do diretor e escritor francês Cyril Dion, lançada no Festival de Cannes. Produções assinadas por ótimos diretores passarão pelas telas presenciais e on-line do Ecofalante: o afro-britânico Steve McQueen marcará presença com “Uprising” (realizado em parceria com James Rogan); Jéssica Kingdon, com “Ascensão”, Rintu Thomas, com “Escrevendo Com Fogo”, Saeed Taji Farouky, com “Mil Incêndios”, e Jacques Loeuille, com “Birds of America”, todos exibidos ou premiados em festivais internacionais.
Entre os brasileiros, quatro nomes se destacam: Vincent Carelli, do Vídeo nas Aldeias, com “Adeus, Capitão”, requiem para a complexa trajetória de Krohokrenhum, líder indígena Gavião; o inventivo Joel Pizzini, com “Ocupagem”; Petrus Cariry, com “A Praia do Fim do Mundo”; e Lucas Bambozzi, diretor do vigoroso “Lavra”, mergulho nas entranhas das montanhas de Minas, onde a mineração tem legado desolação e crateras de aspecto lunar. Sem falar nas mortes ocorridas em Mariana e Brumadinho.
No total serão exibidos no Ecofalante 107 filmes oriundos de 35 países, centrados em temas como Ativismo, Biodiversidade, Economia, Emergência Climática, Povos & Lugares e o Mundo do Trabalho. O cinema contemporâneo é o foco principal do Ecofalante, mas sua curadoria, atenta e forte, não descuida de um significativo núcleo histórico. Por isso, coloca o cinema do passado em diálogo com o cinema do presente. Caso da exibição que celebrará os 40 anos do clássico “Koyaanisqatsi”, do norte-americano Godfrey Reggio.
Quando foi lançado no Brasil, no começo dos anos 1980, “Koyaanisqatsi” tornou-se uma espécie de missa leiga. Assisti-lo era como elevar preces ao cosmos. Quando, no finalzinho da mesma década, Vladimir Carvalho filmou “Paisagem Natural”, parte do longa “Brasília, a Última Utopia”, os cinéfilos definiram seu mergulho na flora do cerrado como o “Goianisqatsi” candango. Ou seja, o paraibano-brasiliense estabelecia, em solo goiano, fino diálogo com o seminal filme estadunidense.
O Ecofalante mantém três competições: uma latino-americana de longas-metragens, que este ano reunirá 35 filmes (argentinos, brasileiros, chilenos, colombianos, cubanos e mexicanos), uma competição de curtas-metragens brasileiros e o Concurso Curta Ecofalante destinados a estudantes. As temáticas desta categoria estão relacionadas a pelo menos um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para tornar as cidades mais inclusivas e sustentáveis.
Competição Latino-Americana
. “A Mãe de Todas as Lutas” (Brasil-RJ), de Susanna Lira
. “A Opção Zero” (Cuba/Colômbia), de Marcel Beltrán
. “A Praia do Fim do Mundo” (Brasil-CE), de Petrus Cariry
. “Borom Taxi” (Argentina), de Andrés Guerberoff
. “Cruz” (México), de Teresa Camou Guerrero
. “Esqui” (Argentina), de Manque La Banca
. “Husek” (Argentina), de Daniela Seggiaro
. “Lavra” (Brasil-MG), de Lucas Bambozzi
. “Muribeca” (Brasil-PE), de Alcione Ferreira e Camilo Soares
. “Ninho” (Chile), de Josefina Pérez-García e Felipe Sigala
“O Bem Virá” (Brasil-PE), de Uilma Queiroz
. “Panorama” (Brasil-SP), de Alexandre Leco Wahrhaftig
. “Pobo ‘Tzu’ – Noite Branca” (México), de Tania Ximena e Yollotl Alvarado
. “Rolê – Histórias dos Rolezinhos” (Brasil-RJ), de Vladimir Seixas
. “Vai Acabar” (Argentina), de David Blaustein e Andrés Cedrón
Curtas-metragens latino-americanos
. “0,2 Miligramas de Ouro” (Brasil-RJ), de Diego Quindere de Carvalho
. “A Felicidade do Motociclista Não Cabe em seu Traje” (México), de Gabriel Herrera
. “A Montanha Lembra” (Argentina/México), de Delfina Carlota Vazquez
“Aurora – A Rua Que Queria Ser um Rio” (Brasil-SP), de Radhi Meron
. “Céu de Agosto” (Brasil-SP/Islândia), de Jasmin Tenucci
. “Chichiales” (México), de José López Arámburo
. “Curupira e a Máquina do Destino” (Brasil-AM/França), de Janaina Wagner
. “Flores da Planície” (México), de Mariana Xochiquétzal Rivera
. “Kaapora – O Chamado das Matas” (Brasil-BA), de Olinda Muniz Silva Wanderley
. “LOOP” (Argentina/Espanha), de Pablo Polledri
. “Mar Concreto” (Brasil-RJ), de Julia Naidin
. “Mensageiras da Amazônia: Jovens Munduruku Usam Drone e Celular para Resistir às Invasões” (Brasil-PA), de Joana Moncau, Elpida Nikou e Coletivo Audiovisual Munduruku Daje Kapap Eypi
. “Montanha Dourada” (Brasil-AP), de Cassandra Oliveira
. “NaturezaModerna” (Argentina/Colômbia), de Maia Gattás Vargas
. “O Elemento Tinta” (Brasil-SP) – Luiz Maudonnet e Iuri Salles
. “Ocupagem” (Brasil-SP), de Joel Pizzini
. “Portugal Pequeno” (Brasil-RJ), de Victor Quintanilha
. “Ser Feliz no Vão” (Brasil-RJ), de Lucas H. Rossi
. “Terra Nova” (Brasil-AM), de Diego Bauer
. “Two-Spirit” (Colômbia) – Mónica Taboada-Tapia
Concurso Curta Ecofalante (produções de alunos de ensino superior, ensino médio, cursos técnicos e cursos livres de cinema)
. “[O Vazio Que Atravessa]” (Brasil-SP), de Fernando Moreira
. “Como Respirar Fora d’Água” (Brasil-SP), de Júlia Fávero e Victoria Negreiros
. “Crescer Onde Nasce o Sol” (Brasil-PE), de Xulia Doxágui
. “Elos Positivos” (Brasil-SP), de Eduardo Oliveira
. “Lua, Mar” (Brasil-SP, 2021), de Agua
. “Meu Arado, Feminino” (Brasil-MG), de Marina Polidoro Marques
. “Não Me Chame Assim” (Brasil-SP), de Diego Migliorini
. “Neguinho” (Brasil-RJ), de Marçal Vianna
. “O Abebé Ancestral” (Brasil-BA), de Paulo Ferreira
. “O Andar de Cima” (Brasil-SP), de Tomás Fernandes da Silva
. “Okofá” (Brasil-SP), de Pedro Henrique Martins, Rafael Rodrigues, Daniela Caprine, Mariana Bispo e Thamires Case
. “Papa-Jerimum” (Brasil-RN, 2021), de Harcan Costa e Clara Leal
. “Quem Saiu Para Entrega?” (Brasil-SC) – Evaldo Cevinscki Neto, Leonardo Roque Machado e Paula Roberta de Souza
. “Tá Foda” (Brasil-RS), de Aline Golart, Denis Souza, Fernanda Maciel, Icaro Castello, Ligia Torres e Victoria Sugar
. “Yãy Tu Nunãhã Payexop: Encontro de Pajés” (Brasil-MG), de Sueli Maxakali
Retrospectiva Sarah Maldoror
Exibição de “Sambizanga” no ano de seu cinquentenário. O filme se faz acompanhar de retrospectiva de obras de Maldoror (1929-2020). Considerada “a mãe do cinema africano”, Sarah é reverenciada como exemplo de cinema militante e, ao mesmo tempo, dotada de traços singulares. Com 41 filmes realizados entre 1968 a 2009, incluindo quatro longas-metragens, sua carreira foi dedicada à valorização e promoção dos povos negros, em especial sua cultura, e aos acontecimentos de sua História. Afinal, ela entendia ser necessário “pesquisar filmes sobre a história africana, pois nossa história foi escrita por outros, não por nós”. “Sambizanga” (1972), foi restaurado em 2021 sob os auspícios da Film Foundation, cujo presidente de honra é Martin Scorsese, É esta versão, inédita no Brasil, que será exibida pelo Ecofalante. O filme, baseado na obra do escritor José Luandino Vieira, focaliza a figura de Domingos Xavier, operário angolano e ativista anticolonial que foi preso e torturado até à morte, em 1961, pela polícia política portuguesa. O longa é conduzido pela perspectiva de Maria, sua companheira. A Retrospectiva traz, também, quatro outros filmes: “Monangambé” (1968), sobre a luta de libertação da África lusófona, “Aimé Césaire, A Máscara das Palavras” (1976), retrato do poeta, humanista e cantor da negritude; “Uma Sobremesa para Constance” (1980), que utiliza-se da comédia como forma de combater estereótipos racistas, e “Retrato de uma Mulher Africana” (1985), reflexão sobre o papel da mulher africana na organização social, fundada sob ideais de solidariedade comunitária.
Homenagem a Jacques Perrin (1941-2022)
Serão exibidos quatro filmes do produtor-realizador, um dos nomes mais importantes do “cinema verde”: “As Estações” (2015), que refaz a história da floresta europeia desde o final da última era glacial até nossos dias; “Microcosmos” (1996), uma viagem pela natureza dos micro-organismos, “Oceanos” (2009), que revela diversos mistérios escondidos nas águas, hábitos de vida das criaturas marinhas e os perigos que as cercam. E “Migração Alada”.
“Koyaanisqatsi” (Goddfrey Reggio, EUA, 1982)
Marco do cinema socioambiental, lançado no Festival de Berlim, este no longa ensaistico-documental marca a estreia do norte-americano Godfrey Reggio. Ensaio visual que narra o impacto destrutivo do modo de vida moderno no meio ambiente. Trilha musical, assinada por Philip Glass.
Debates, masterclass e entrevistas
O Ecofalante contará com oito debates com ativistas, especialistas e outros convidados especiais para discutir as seis temáticas do Panorama Internacional Contemporâneo (ativismo, biodiversidade, economia, emergência climática, povos&lugares e trabalho), além da obra da cineasta Sarah Maldoror e da sessão especial Sociedade e Redes. A programação incluirá debates presenciais e online. Dia 3 de agosto, uma quarta-feira, a masterclass “Cinema de Impacto: Filmes para Mudar o Mundo”, ministrada pelo francês Jean-François Camilleri, produtor internacional de filmes como “A Marcha dos Pinguins” e “Oceanos”. Atividade, on-line e gratuita, que se propõe a discutir o chamado ‘cinema de impacto’ com produtores, realizadores, distribuidores e estudantes. Parceria do Ecofalante com a Spcine. Entrevistas exclusivas com realizadores e protagonistas dos filmes “Geração Z”, “Animal”, “Uma Vez Que Você Sabe”, “Lavra”, “Rolê – Histórias dos Rolezinhos”, “Demônios Invisíveis, “A Rota do Mármore”, “A Mãe de Todas as Lutas”, “A Praia do Fim do Mundo”, “O Bem Virá” e “Muribeca”, além de Jacques Cluzaud, co-realizador dos filmes de Jacques Perrin, e de Annouchka de Andrade, filha da diretora Sarah Maldoror.
Ecofalante Itinerante
O festival promove parte de sua programação em cidades do interior paulista como Piracicaba, de 2 a 20 de agosto, e Lorena, de 16 a 26 agosto, e também em Belo Horizonte, de 10 a 31 de agosto, e Porto Alegre, de 25 de agosto a 7 de setembro.
11ª Mostra Ecofalante de Cinema
Data: 27 de julho a 17 de agosto
Gratuito
Em formato híbrido
Acesso digital pelo site www.ecofalante.org.br
Presencial na Reserva Cultural, Circuito Spcine Lima Barreto (Centro Cultural São Paulo), Cinemateca Brasileira, Casas de Cultura,Oficinas Culturais, Centros Culturais, Fábricas de Cultura