Festival Aruanda premia Fausto Fawcett, “Cordelina”, Carlos Adriano e animação junina

Por Maria do Rosário Caetano, de João Pessoa

Quatro filmes triunfaram na noite de premiação — distributivista, identitária e excessivamente generosa — da décima-sétima edição do Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro: os documentários “Fausto Fawcett na Cabeça” (foto), de Victor Lopes (longa brasileiro), e “Tekoha”, de Carlos Adriano (curta), o híbrido “Cordelina”, de Jaime Guimarães (longa nordestino), e a animação “Era Uma Noite de São João”, de Bruna Velden (curta).

Os júris (brasileiro e nordestino) praticaram, sem constrangimento, verdadeira reforma agrária audiovisual. Havia prêmios (o Troféu Aruanda, homenagem ao cult movie de Linduarte Noronha) para distribuição em série. Se não bastassem as generosas categorias premiáveis, os dois júris ainda praticaram o “ex-aqueo” (prêmios divididos) e criaram diversas menções honrosas.

Quem chegou para a festa de premiação — na excelente e imensa sala Macro XE do Complexo Cinépolis Manaíra — vislumbrou, apavorado, mesa abarrotada com mais de 50 troféus. Além de longas e curtas da Mostra Brasileira e Sob o Céu Nordestino, havia dezenas de prêmios para filmes universitários, obras realizadas no interior paraibano, videoclipe, projetos de streaming, etc., etc. E os espectadores desconfiaram (plenos de razão) que a noite seria longa, muito longa (tem sido assim na quase totalidade dos festivais brasileiros).

Tudo começou, na noite derradeira, com tributo póstumo a Gal Costa (Jom Tob Azulay recebeu o troféu, que será encaminhado aos herdeiros da cantora baiana). E prosseguiu com homenagem (ao vivo e a cores) ao cantor e ator Tony Tornado, de 92 anos.

O astro black divertiu a plateia com suas brincadeiras e garantiu que seu genitor está “vivo e forte, pronto para festejar 116 anos”. Só lamentou não poder repetir ali os acrobáticos movimentos de sua performance no Festival da Canção, quando, na década de 1970, interpretou a lisérgica “BR-3”, de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar.

Finalmente chegara a hora da maior plateia dos sete dias de festival (a concorrência com a Copa do Mundo esvaziou muitas sessões) se preparar para assistir ao convidado da noite: o longa documental “Belchior – Apenas Um Coração Selvagem”, de Natália Dias e Camilo Cavalcanti. O público vibrou. E cantou junto alguns dos maiores sucessos do bardo cearense.

Começou, então, depois dos aplausos ao autor de “Alucinação” e “Como Nossos Pais”, a generosa distribuição de Troféus Aruanda. Eram tantos que a festa entrou pela madrugada. Mas, por sorte, os agradecimentos foram sintéticos. Não se verificou a ‘síndrome da falação retórica’ (desmedida e cansativa) que tomou conta do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, mês passado.

O diretor de “Calunga Maior”, Thiago Costa, e uma de suas atrizes, Laiz de Oyá, detentores do “troféu loquacidade” no festival candango, foram representados pela protagonista do belo curta paraibano, Mari Miguel. Vestida como uma deusa africana, a Naomi Campbell da Paraíba recebeu os cinco Troféus Aruanda conquistados pelo filme com elegância e concisos agradecimentos.

Os quatro longas e curtas que conquistaram os principais prêmios do Aruanda número 17 não fizeram “barba, cabelo e bigode”. Ou seja, não concentraram troféus. E isto aconteceu porque os dois júris queriam agradar ao máximo de competidores.

Na categoria longas brasileiros, o mais premiado (cinco troféus) foi o pernambucano “Propriedade”, de Daniel Bandeira. Mas, ao que se sabe, houve racha no júri (presidido por Joel Zito Araujo e composto com a atriz Marcélia Cartaxo e a professora californiana Kristal Robin Bivona). O fato do filme de Bandeira “demonizar” trabalhadores rurais (negros e mestiços) e colocar uma mulher branca e rica proprietária de terras (Malu Galli) como vítima de “bárbaros” causou muita controvérsia (e revolta) no Festival Aruanda. Mesmo assim, o filme conquistou cinco troféus, inclusive o de melhor diretor.

Um pequeno curta paraibano — a animação “Era uma Noite de São João”, de Bruna Velden — fez a tríplice coroa (melhor pelo Júri oficial, Crítica e Júri popular). Trata-se de uma singela homenagem ao amor dos nordestinos (paraibanos em especial) pelos festejos juninos. Com a pandemia, festas imensas (como a de Campina Grande) e pequenas foram canceladas.

O sintético filme promove festejo mágico, que reúne Sivuca, Jackson de Pandeiro e Kátia de França a personalidades como Augusto dos Anjos, José Lins do Rego, Zezita Matos, Marcélia Cartaxo, Fernando Teixeira, Luiz Carlos Vasconcelos, entre outros, para dançar nas janelas de seus lares, ao som de “Qui Nem Jiló”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Uma simplicidade que encanta e contagia.

Se não fossem as competições de curtas-metragens e a presença de Bárbara Cariry (com seus “Pequenos Guerreiros”) na mostra Sob o Céu Nordestino), o Fest Aruanda 2022 ficaria na história como uma festa masculina. Não dá para entender a ausência de filmes dirigidos por mulheres na competição principal. Sem apelar à política de gênero, faz-se necessário repetir que nomes femininos (muitos) estão na linha de frente de nossa produção cinematográfica. Para ficar num só exemplo: por que “Fogaréu”, da goiana Flávia Neves, ficou fora da competição? Trata-se de uma das obras mais vigorosas do cinema brasileiro desses trágicos tempos pandêmicos.

Um comentário sobre os vencedores na categoria atrizes e atores (protagonistas e coadjuvantes): o júri da mostra brasileira inventou a extravagante categoria de “ator-personalidade” (ou ator-personagem! Heim?!). O premiado como melhor ator do Aruanda foi o compositor e escritor Fausto Fawcett, do longa documental que leva seu nome. Mas, por sorte, uma atriz de talento único — Drica Moraes — foi laureada por seu excelente trabalho em “Pérola”, do global (como ela) Murilo Benício. Drica é uma grande atriz, que não vive de badalações, nem de beleza padrão. E não costuma frequentar festivais.

Outras láureas merecidíssimas foram atribuídas aos octogenários Zezita Mattos e Fernando Teixeira, maravilhosos em “Bia”, de Taciano Valério, e às jovens Odília Nunes, criadora da boneca cabeça-de-cabaça Cordelina, e Ana Flávia Cavalcanti, que interpreta com sutileza a médica-legista Rejane, de “Fim de Semana no Paraíso Selvagem”, de Severino (novo nome de Pedro Severian).

Marco Ricca, outro premiado (por “Paterno”), arrasa mais vez interpretando, com sutileza e intensidade, um homem atormentado. Depois do engenheiro de “O Invasor”, outro personagem marcante — um arquiteto, envolvido até a medula com a especulação imobiliário-predatória.

Louvável foi, também, o Troféu Aruanda atribuído a Tavinho Teixeira, cineasta e ator, que marcou presença em longas pernambucanos (“Propriedade” e “Paterno”) e dois curtas (“Sangue por Sangue” e “Não Existe Pôr do Sol”). Este último, corrosiva sátira protagonizada por alucinado terraplanista-motoqueiro, dá espaço nobre ao paraibano para que mostre sua versatilidade.

Confira os vencedores:

LONGA BRASILEIRO

. “Fausto Fawcett na Cabeça”, de Victor Lopes (RJ) – Melhor filme, ator-personalidade (Fausto Fawcett), Premio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema)

. “Propriedade”, de Daniel Bandeira (PE) – Melhor direção, fotografia (Pedro Sotero), direção de arte (Maíra Mesquita), figurino (Andrea Monteiro), som (Nicolau Domingues)

. “Pérola”, de Murilo Benício (RJ) – Melhor atriz (Drica Moraes), roteiro (Adriana Falcão, Marcelo Saback e Jô Abdu)

. “Lupicínio Rodrigues – Confissões de um Sofredor”, de Alfredo Manevy (SC-SP-RS) – Menção Especial do Júri, melhor montagem (Isabel Castro), trilha sonora (Lupicínio Rodrigues)

“Bia”, de Taciano Valério (PE-PB) – Melhor atriz coadjuvante (Zezita Mattos), melhor ator coadjuvante (Fernando Teixeira)

. “Andanças – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”, de Pedro Bronz (RJ) – Melhor filme pelo Júri Popular

LONGA NORDESTINO

. “Cordelina”, de Jaime Guimarães (PB) – Melhor filme, melhor atriz (Odília Nunes, ex-aqueo)

. “Manguebit”, de Jura Capela (PE) – Melhor direção, montagem (Rodrigo Lima e Grilo), trilha sonora, Júri Popular (ex-aqueo)

. “Paterno”, de Marcelo Lordello (PE) – Melhor ator (Marco Ricca), atriz coadjuvante (Rejane Faria), Prêmio da Crítica, Júri Popular

. “Fim de Semana no Paraíso”, de Pedro Severian, o Severino (PE) – Melhor atriz (Ana Flávia Cavalcanti (ex-aqueo), fotografia (Beto Martins), som (Nicolau Domingues, A3pS e Rafael Travassos), Júri Popular (ex-aqueo)

. “Pequenos Guerreiros”, de Bárbara Cariry (CE) – Melhor roteiro (Bárbara e Rosemberg Cariry), ator coadjuvante (Bruno Goya), direção de arte (Sergio Silveira), figurino (Carol Azevedo)

CURTA BRASILEIRO

. “Tekoha”, de Carlos Adriano (SP) – Melhor filme

. “Socorro”, de Susanna Lira (RJ) – Melhor direção), atriz-personalidade (Socorro), montagem (Ítalo Rocha, ex-aqueo)

. “Sangue por Sangue”, de Ian Abé e Rodolpho de Barros – Melhor ator (Servílio de Holanda, ex-aqueo), montagem (Abé e Rodolpho, ex-aqueo), direção de arte (Johnny Lopes e Thiago Trapo), som (Gian Orsini e Bruno Alves), Menção Especial do Júri

. “Mergulho”, de Marton Oympio e Anderson Jesus (SP) – Melhor ator (William Costa, ex-aqueo), Júri Popular

. “ Tiro de Misericórdia”, de Augusto Barros – Melhor fotografia (Lucas Barbi)

. “Desejo e Necessidade”, de Milso Roberto (PB) – Melhor trilha sonora (Quinteto da Paraíba), figurino (assinado pelo elenco)

. “Saindo Com Estranhos da Internet”, de Eduardo Wahshatfig (SP) – Melhor roteiro (Eduardo Wahshatfig)

. “Carta para Glauber”, de Gregory Baltz – Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema)

CURTA PARAIBANO

. “Era Uma Noite de São João”, de Bruna Velden – Melhor filme, Prêmio da Crítica, roteiro (Bruna Velden), trilha sonora (CH Malves)

. “Calunga Maior”, de Thiago Costa – Melhor direção, atriz (“todo o elenco cis e trans”), fotografia (Luiz Barbosa), montagem (Edson Lemos Akatoy), som (Juca Gonzaga)

. “Não Existe Por do Sol”, de Janaína Lacerda – Melhor ator (Tavinho Teixeira)

. “Aratu”, de Firmino de Almeida – Melhor direção de arte (Clara Farias)

. “Rendeiros”, de Romero Sousa – Melhor figurino (Romero Sousa)

. “Anjos Cingidos”, de Laercio Filho e Maria Tereza Azevedo – Menção honrosa

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