Fernando Duarte, diretor de fotografia do Cinema Novo, será velado no Cine Brasília
Foto: Liloye Boubli e Fernando Duarte
Por Maria do Rosário Caetano
O corpo do diretor de fotografia e documentarista Fernando Duarte, que morreu aos 88 anos, na última quarta-feira, 25 de janeiro, será velado nesta sexta-feira, no Cine Brasília, e enterrado no Campo da Esperança.
Um dos nomes da linha de frente do Cinema Novo, o carioca Fernando Duarte radicou-se em Brasília na década de 1980, depois de apaixonar-se pela cidade, mas não podendo, naquele momento, tornar-se um candango adotivo. O fotógrafo chegara à capital federal, pela primeira vez, para filmar, com o cineasta Maurício Gomes Leite, o godardiano “Vida Provisória” (1968/69), protagonizado por Paulo José. Apaixonou-se de tal maneira pela cidade niemárica, que aceitou, com entusiasmo, voltar no ano seguinte para nela residir. Junto com o paraibano Vladimir Carvalho participou da recriação do curso de Cinema da UnB (Universidade de Brasília), que fôra extinto numa das mais graves crises político-pedagógicas da história da instituição.
Com o triunfo do golpe militar de 1964, a jovem UnB, criada dois antes antes pelo Governo João Goulart, viu o projeto inovador de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro ser questionado e desmontado pelos militares.
No ano seguinte, pedido de demissão coletiva de mais de 200 professores, entre eles Oscar Niemeyer, Nelson Pereira dos Santos, Paulo Emilio Salles Gomes e Jean-Claude Bernardet, teve como uma de suas consequências a extinção do nascente e vibrante curso de cinema criado por Pompeu de Souza.
Quatro anos depois, Fernando Duarte e outros professores se empenhariam na recriação do curso, que, mais uma vez, teria vida curta. Nova interrupção resultou na transferência dos alunos (entre eles Tizuka Yamasaki e Miguel Freire) para a UFF (Universidade Federal Fluminense). Mesmo assim, nos poucos anos em que esteve na UnB, Duarte fotografou (e codirigiu com Vladimir Carvalho) o belíssimo curta-metragem “Vestibular 70”, mergulho nas angústias de jovens submetidos ao vestibular da UnB (e ao frio dos subsolos do Instituto Central de Ciências, o popular Minhocão). Fernando Duarte voltaria aos quadros da UnB para lecionar Fotografia no curso de Cinema, aí sim, sem maiores transtornos ou interrupções.
A carreira cinematográfica do jovem Fernando Duarte começou no CPC-UNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes), no comecinho dos anos 1960. Em 1962, seu nome apareceria nos créditos de “Cinco Vezes Favela”, longa em episódios produzido pela UNE. Dali a um ano, ele partiria para o Nordeste, junto com o amigo Eduardo Coutinho (1933-2014) para viver uma de suas mais incríveis aventuras: as filmagens de outra produção da UNE, a ficção “Cabra Marcado para Morrer”.
Sob a direção do cepecista Coutinho, Duarte filmou a dramatização da vida de Dona Elizabeth, viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, seus filhos e camponeses da Liga paraibana de Sapé. Só que o triunfo do golpe militar de 1964 interrompeu as filmagens, todas como empreendimento de “grupo de comunistas a soldo de Cuba”.
Livro técnico — o russo “La Iluminación Cinematográfica”, de A. Golovnia, traduzido para o espanhol — consultado pela equipe e, em especial, pelo diretor de fotografia, Fernando Duarte, foi tomado como material subversivo. E apreendido pelas polícia.
Os negativos que traziam a parte inicial do projeto ficcional de Eduardo Coutinho foram escondidos e milagrosamente salvos. E assim permaneceram até que, na década de 1980, Coutinho, com Zelito Viana na retaguarda, o retomou na versão que o consagraria: como um longa documental (aí, com fotografia de Edgard Moura).
Depois da frustrada experiência do “Cabra Marcado para Morrer”, o carioca Duarte retornou ao Rio e iniciou sólida carreira como diretor de fotografia. Seu primeiro longa foi “Ganga Zumba, Rei dos Palmares (Carlos Diegues, 1965). Nasciam as características básicas de seu projeto estético – fotografar com luz natural sempre que pudesse. E explorar fortes contrastes.
Com Glauber Rocha, o profeta do Cinema Novo, Fernando Duarte realizou o média-metragem “Maranhão 66”, encomenda do então jovem governador nordestino José Sarney. O resultado trazia tantas misérias e mazelas da gente pobre do Maranhão, que o filme foi “guardado”. Mas trechos dele seriam usados em “Terra em Transe” (1967).
A trajetória de Fernando Duarte somaria dezenas de filmes de curta, média e longa-metragem, além de séries para TV. Outra de suas mais notáveis aventuras aconteceu em fevereiro de 1974, em Los Angeles, EUA, onde comandou, a pedido de Jom Tob Azulay, o diplomata e cineasta Jomico, o registro imagético da gravação do disco “Elis & Tom”.
O material, captado em 16 milímetros, carrega rara beleza e renasce agora no longa documental de Roberto Oliveira (com Jomico na codireção). O filme — “Elis & Tom – Só Tinha que Ser com Você” —, ainda inédito, ganhou o Prêmio da Crítica na 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e tem estreia prevista para este ano.
No começo dos anos 1980, Fernando Duarte radicou-se, desta vez para ficar, em Brasília. Realizou dezenas de trabalhos na cidade, muitos deles em parceria com a cineasta, montadora e sua companheira Liloye Boubli. Um deles – a segunda temporada da série “Presença de Villa-Lobos” – chegará à TV ainda este ano. A primeira temporada foi mostrada no Canal Curta! e está disponível do CurtaPlay (streaming).
Quem quiser conhecer, em detalhes, a trajetória de Fernando Duarte deve ler o livro “Um Mestre da Luz Tropical”, publicado em 2011 pela Cinemateca Brasileira. E assistir aos documentários “Iluminados”, de Cristina Leal (2008), e “Fernando Duarte”, na série dedicada por Betse de Paula e Jacques Cheuiche aos grandes nomes da fotografia cinematográfica brasileira.
Em 2004, a ABC (Associação Brasileira de Cinematografia) entregou a Fernando Duarte seu troféu de honra, láurea de reconhecimento a grandes nomes dedicados ao ofício da captação de imagens para cinema.
FILMOGRAFIA
Como diretor:
1970 – “Vestibular 70” (com Vladimir Carvalho)
Como diretor de fotografia:
1964 – “Cabra Marcado Para Morrer” (versão ficcional não-concluída por causa do Golpe de 1964)
1965 – “Ganga Zumba, Reis dos Palmares” (Carlos Diegues)
1968/69 – “Vida Provisória” (Maurício Gomes Leite)
1976 – “Os Doces Bárbaros” (Jom Tob Azulay)
1977 – “Barra Pesada” (Reginaldo Faria)
1981 – “Luz del Fuego” (David Neves), que lhe rendeu o Kikito de Melhor Fotografia no Festival de Gramado
1986 – “A Dança dos Bonecos” (Helvécio Ratton)
1987 – “Terra para Rose” (Tetê Moraes)
1994 – “A Terceira Margem do Rio” (Nelson Pereira dos Santos), em parceria com Gilberto Azevedo
1995 – “Conterrâneos Velhos de Guerra” (Vladimir Carvalho), com outros diretores de fotografia
2003 – “Glauber, o Filme – Labirinto do Brasil” (Sílvio Tendler)
2006 – “O Amigo Invisível” (Maria Letícia)
Participações como personagem:
2008 -“Iluminados”, longa documental de Cristina Leal
2016/2017 – Série “Fotógrafos”, de Betse de Paula e Jacques Cheuiche – episódio “Fernando Duarte”
Curtas e médias de Liloye Boubli, com fotografia de Fernando Duarte:
2004 – “Rosebud” – CJW Produções
2008 – “Maracatus” – LBBoubli Produções
Longas documentais:
2001 – “Ballet Bolshoi, 2 Séculos de História”, Abriu o festival no Lincoln Center em NY – LBBoubli Produções
2014 – “Brasileiríssimo”- Barrenechea Produções
Séries documentais (com a produtora Visom Digital):
2013 – “Villa Lobos e os Quartetos de Cordas” (para TV Escola)
2014 – “Presença de Villa-Lobos na Música Brasileira” – canais Curta! , Arte 1 e Film&Arts e VOD Stingray (Canadá para mundo)
2016 – “Na Fita, a Música Brasileira e o Cinema”- para o canal Turner/TNT
2021/2023 – “Presença de Villa-Lobos na Música Brasileira” (segunda temporada ). Estreia esse ano. Co-produção canal Film&Arts