“Na Fronteira da Imagem” desenha perfil politizado do novo cinema latino-americano

Foto: Jorge Durán com Maya Dá-Rin

Por Maria do Rosário Caetano

O cineasta Jorge Durán, que iniciou-se no cinema pelas mãos de Costa-Gavras em “Estado de Sítio”, rodado no Chile de Allende, e escreveu o roteiro de “Pixote, a Lei do Mais Fraco”, resolveu estabelecer série de conversas intitulada “Na Fronteira da Imagem” com jovens (e nem tão jovens assim!) cineastas latino-americanos. Treze no total. Todos na faixa dos 30 aos 45 anos. Para assistir a tais conversas, basta sintonizar o Canal Brasil, toda terça-feira, às 21h30. Nesta terça, sete de março, a convidada é a realizadora chilena Dominga Sotomayor. Quem quiser acessar a série inteira poderá fazê-lo no streaming (Globoplay).

O veterano diretor de “A Cor do seu Destino”, filme que uniu tematicamente Brasil e Chile, grande vencedor do Festival de Brasília, e dos brasileiríssimos “Proibido Proibir” e “Não se Pode Viver sem Amor”, acabou não aguentando as saudades de seu país de origem. Levou o ator Daniel Oliveira para o Deserto do Atacama e lá filmou o noir “Romance Policial”.

Não tem jeito mesmo. Ele é metade Brasil (vive no Rio de Janeiro desde o golpe que derrubou Allende), metade Chile. Provisão não consegue esquecer sua América Hispânica. Nem desgarrar-se da América Lusitana. Tanto que cinco dos 13 entrevistados de “Na Fronteira da Imagem”, produção de sua Deserto Filmes, são hispano-americanos: o colombiano Ciro Guerra (dos formidáveis “O Abraço da Serpente” e “Pássaros de Verão”, este em parceria com Cristina Gallego), os argentinos Benjamín Naishat e Maria Alché, a mexicana Betzabé García e a chilena Domingas Sotomayor.

Os brasileiros são Maya Dá-Rin, Beatriz Seigner, André Novais Oliveira, Ary Rosa e Glenda Nicácio, Déo Cardoso, Emílio Domingos, Fábio Meira e Fellipe Gamarano Barbosa, este o convidado da conversa que abriu a série. Aliás, com um programa de imensas qualidades, que merece ser visto e revisto.

Fellipe tem história singular. Nasceu numa família rica, no Rio de Janeiro. O pai, ligado ao mercado financeiro, morava numa bela casa, com a família, daquelas que vemos em comerciais de margarina. O rapaz foi estudar Cinema nos EUA. De chofre, o politizado Durán, marcado pelas agruras do golpe que derrubou Allende em 1973, pergunta ao brasileiro: por que você não escolheu estudar na Europa, América Latina ou mesmo no Brasil?

As perguntas serão sempre inesperadas. E Fellipe, que estava nos EUA no dia em que houve o atentado às Torres Gêmeas e subiu ao terraço do edifício onde morava para assistir ao desabamento da segunda delas, também dá respostas instigantes. Fala com inteligência e inquietação de quatro de seus filmes: um curta escolar sobre as dificuldades de imigrante árabe nos EUA em tempo de Guerra ao Terror, de documentário realizado com a extrovertida “Laura” e dos ficcionais  “Casa Grande” e “Gabriel e a Montanha” (ambos muito bons). Fica de fora o terceiro, “Domingo”, que ele dirigiu com sua companheira por nove anos (não são mais um casal), Clara Linhardt.

Quem assistir à série vai deparar-se com perguntas instigantes, imagens esmeradas de Pedro Urano e Luis Abramo, cenários diversificados (nas cidades onde residem os interlocutores) e pauta que abarca o cinema contemporâneo, suas proposições estéticas e políticas, inclusive possíveis relações criativas com os países vizinhos (os latino-americanos).

Abaixo, um resumo da carreira de cada cineasta que conversou com Durán. Em alguns casos (principalmente de realizadoras e realizadores brasileiros, não foi possível encontrar data de nascimento).

. Dominga Sotomayor, 38 anos (Episódio 2, nessa terça-feira, 7 de março) – Realizadora chilena dedicada a “filmes sobre amadurecimento”. Em 2018, tornou-se a primeira mulher a ganhar o Leopardo de melhor direção no Festival de Locarno (com “Tarde Demais para Morrer Jovem”). Ela foi entrevistada em Santiago do Chile durante os grandes protestos que sacudiram a capital chilena. A cineasta abriu a casa de sua mãe para um chá da tarde com seu conterrâneo Durán.

. André Novais de Oliveira, 39 anos (Episódio 3, dia 14 de março) – O realizador mineiro, nascido em Contagem, participou do Festival de Cannes com seu curta ‘Pouco Mais de um Mês’. Sócio-fundador da Filmes de Plástico, dirigiu os longas “Ela Volta na Quinta” e “Temporada”, este o vencedor do Festival de Brasília de 2018. A entrevista ocorreu nas ruas de Contagem, locação de seus curtas e longas-metragens.

. Beatriz Seigner (Episódio 4, dia 21 de março) – Roteirista e diretora dos longas “Bollywood Dream – O Sonho Bollywoodiano” (2009), do documentário “Entre Nós, Um Segredo”, filmado com griôs (contadores de histórias) da África Ocidental, e de “Los Silencios” (2019). Este filme uniu atores e equipe brasileiros e colombianos. A conversa entre Durán e Beatriz se dá na capital paulista, com os dois andando pelas ruas e pelo Parque do Ibirapuera.

. Ary Rosa e Glenda Nicácio (Episódio 5, dia 28) – A dupla de cineastas, ambos mineiros e radicados na baiana Cachoeira, recebeu Durán nessa bela cidade do Recôncavo baiano, banhada pelo Rio Paraguaçu. Glenda e Ary foram alunos (e hoje são professores) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Fundaram a produtora Rosza Filmes e realizaram o longa-metragem ‘Café com Canela’ (2015), que teve ótima repercussão. Seguiram-se “Ilha”, “Até o Fim”, “Voltei!” e “Na Rédea Curta”.

. Betzabé García, nascida no México, em 1990 (Episódio 6, dia 4 de abril) – Cineasta e produtora, Betzabé, de 33 anos, começou sua carreira dirigindo curtas. Em 2015, seu longa documental “Kings of Nowhere” conquistou o prêmio SX: Global (no SXSW Festival) e venceu o Festival Internacional de Documentários de Morelia. Ela realizou, também, “Unsilenced” (2016), pequeno documentário que integra a série Op-Docs, do New York Times, indicada ao Emmy Award. Betzabé recebeu Jorge Durán no povoado de Tepoztlán, nas cercanias da imensa Cidade do México.

. Benjamín Naishtat, 37 anos (Episódio 7, dia 11 de abril) – O roteirista e diretor argentino causou sensação no circuito de arte brasileiro com o belo e atmosférico “Vermelho Sol” (2019), em cujo elenco brilham dois astros hispânicos (Dario Grandinetti e Alfredo Castro). Ele dirigiu, também, “Bem Perto de Buenos Aires” (2014), e “El Movimiento” (2015). Benjamín recebeu Durán em sua casa, em Buenos Aires, para conversarem sobre linguagem cinematográfica e suas experiências de coprodução com o Brasil e outros países.

. Fábio Meira, 43 anos (Episódio 8, dia 18 de abril) – O goiano Fábio Meira recebe Jorge Durán na bela cidade histórica de Pirenópolis, localizada a 150 km de Brasília. Lá, ele filmou seu longa-metragem “As Duas Irenes” (2017). O cineasta, nascido em Goiânia, iniciou-se no cinema como assistente de Ruy Guerra em “O Veneno da Madrugada”. Dirigiu o curta “Dolores” (2005) e mudou-se para Cuba para estudar na Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de Los Baños. Frequentou Oficinas de Escrita com Gabriel García Márquez e Abbas Kiarostami. Depois, tornou-se professor na instituição. Foi assistente do espanhol Fernando Trueba.

. Ciro Guerra, 42 anos (Episódio 9, dia 25 de abril) – O nome mais estelar entre os 13 reunidos por Jorge Durán para a série “Na Fronteira da Imagem”. Em 2016, foi indicado ao Oscar de melhor filme internacional por seu belíssimo “O Abraço da Serpente”, que participou de alguns dos mais importantes festivais do mundo e venceu os Prêmios Platino. Depois causou sensação com “Pássaros de Verão”, dirigido em parceria com Cristina Gallego. Mais um filme exibido no circuito de grandes festivais internacionais e motivo de crítica consagradora no New York Times. Nascido em Río de Oro, na Colômbia, em seis de fevereiro de 1981, Ciro vive, há três anos, no México, onde estrutura novas produções (caso de “À Espera dos Bárbaros”). Foi na capital mexicana que ele recebeu Jorge Durán.

. Emílio Domingos (Episódio 10, dia 2 de maio) – O carioca Emílio é antropólogo, pesquisador, roteirista, cineasta e produtor. Graduou-se em Ciências Sociais pela UFRJ com ênfase em Antropologia Visual, Cultura Urbana e Juventude. É mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da UFF, curador e mediador do Documenta-se Cineclube. Dirigiu os documentários “A Batalha do Passinho”, “Deixa na Régua” e “Favela é Moda”. Emílio é um dos novos integrantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, responsável pelo Oscar. Ele recebeu Jorge Durán na zona portuária do Rio, pois o local costuma ser cenário de seus filmes.

. María Alché, 39 anos (Episódio 11, dia 9 de maio) – Atriz, roteirista, produtora e diretora, a argentina desenvolve trabalhos também na área das Artes Visuais. Seu longa-metragem “Família Submersa” (2018), protagonizado por Mercedes Morán, rendeu-lhe o prêmio de “diretora emergente” em Locarno. Nunca é demais lembrar que as duas (a adolescente María Alché e a experiente Mercedes) trabalharam juntas, como protagonistas de “A Menina Santa” (Lucrécia Martel, 2004). A cineasta recebeu Jorge Durán em sua casa, em Buenos Aires, para falar de sua trajetória e percepção do cinema latino-americano.

. Déo Cardoso, 46 anos (Episódio 12, dia 16 de maio) – O diretor e roteirista cearense nasceu, na verdade, nos EUA (na cidade de Madison). Ao radicar-se em Fortaleza, formou-se em Dramaturgia pelo Instituto Dragão do Mar. Fez mestrado na Escola de Cinema da Ohio University. O roteiro de seu curta “Port of Rafts” (2005) fez jus ao Billman Fine Arts Award. Realizou o longa “Cabeça de Nêgo”. Déo recebeu Jorge Durán no Instituto Dragão do Mar, centro cultural de grande importância da capital cearense.

. Maya Da-Rin, 44 anos (Episódio 13, dia 23 de maio) – A carioca Maya, filha dos cineastas Sandra Werneck e Silvio Da-Rin, é diretora, roteirista, produtora e artista visual. Ela formou-se na PUC-Rio e estudou na Sorbonne Nouvelle (Paris III). Em 2009, realizou “Terras” e, em 2019, com “A Febre”, ganhou o prêmio Fipresci, em Locarno. No mesmo festival, seu ator-protagonista, o indígena Regis Myrupu, foi laureado com o prêmio de melhor intérprete pelo júri oficial. O filme venceu o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Maya conversou com Durán no Aterro do Flamengo e na Cinemateca do MAM.

. Episódio Um (já exibido, pode ser visto no streaming Globoplay ) – Fellipe Barbosa, 42 anos, diretor, roteirista e montador carioca. Dirigiu o curta “Beijo de Sa”, premiado no Cine PE e Festival do Rio, o documentário “Laura” e os longas “Casa Grande” (2024), Prêmio Especial do Júri no Festival de Paulínia, e “Gabriel e a Montanha” (2017), filmado na África. Com Clara Linhart, dirigiu “Domingo” (2019).

 

Na Fronteira da Imagem
Série em 13 episódios, 28 a 30′ (cada episódio)
Direção: Jorge Durán
Fotografia: Pedro Urano e Luis Abramo
Produção: Deserto Filmes
Exibição: Canal Brasil, às terças-feiras, às 21h30, e na íntegra na Globoplay (streaming)

 

FILMOGRAFIA
Jorge Durán Parra (Santiago do Chile, 05/08/1942)

Como diretor:

1986 – “A Cor do Seu Destino”
2006 – “Proibido Proibir”
2010- “Não se Pode Viver Sem Amor”
2014 – “Romance Policial”
2021 – “Pelas Ruas do Rio” (telefilme)
“Territórios” (websérie)

Como roteirista ou co-roteirista (cinema):

1975 – “Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia”, Hector Babenco
1980- “Gaijin – Caminhos da Liberdade”, Tizuka Yamasaki
1981 – “Pixote, A Lei do Mais Fraco”, Hector Babenco
1985 – “Nunca Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles
1989 – “Doida Demais”, Sérgio Rezende
1996 – “Como Nascem os Anjos”, Murilo Salles.
1996 – “Quem Matou Pixote?”, José Joffily

Roteirista na TV Globo:

. “Carga Pesada”
. “A Justiceira”
. “Mulher”

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