Paris festeja “Saravah”, Elis & Tom, Beth Carvalho, Belchior e Letrux
Por Maria do Rosário Caetano
O Festival do Cinema Brasileiro de Paris transformará sua 25ª edição, que começa nessa terça-feira, 4 de abril, na capital francesa, em reduto de melômanos. Claro que os cinéfilos continuarão bem-vindos. Mas a música é que estabelecerá régua e compasso.
Em cada cantinho do charmoso Cine L’Arlequin se fará ouvir a mais genuína MPB. Aliás, um cinema que um dia pertenceu a verdadeiro patrimônio do audiovisual francês, o hilário Jacques Tati, tio de todos nós e autor de filmes memoráveis como “Mon Oncle”, “Monsieur Hulot”, “PlayTime” e “Jour de Fête”.
O Festival Brasileiro de Paris prosseguirá por oito dias (até 11 de abril), com a apresentação de 28 filmes, produções novíssimas ou clássicas. Caso de “Saravah” (foto), o magnífico documentário do cantor e ator Pierre Barouh, realizado em 1969, tendo Baden Powell como mestre de cerimônia do sedutor coadjuvante de “Um Homem, Uma Mulher” (Claude Lelouch, Palma de Ouro e Oscar, nos idos de 1964, 65). Sim, Barouh era o marido da personagem de Anouk Aimée, que, viúva, conhecia outro viúvo, Jean-Louis Trintgnant, para, ao som de Sa-ba-dá-ba-dá, iniciar trilogia para a qual a crítica torceria o nariz, e pela qual o público morreria de amores.
Pois, passados mais de 50 anos, o CNC (Centro Nacional do Cinema e da Imagem Animada, de Paris) restaurou, em 4K, as estonteantes imagens de Baden e Pierre Barouh cantando clássicos da Bossa Nova ou zanzando pelo Rio atrás dos mocinhos Paulinho da Viola e Maria Bethânia, ou (valha nos São João Gilberto!) fazendo “samba” com os octogenários São Pixinguinha e São João da Bahiana.
Ah, “Saravah” é o nome da versão francesa do “Samba da Benção”, a seminal parceria de Baden & Vinícius, o mais famoso dos afro-samba da dupla, que acabou não entrando no genial elepê gravado em 1966.
Além de “Saravah”, a MPB passará pela tela de L’Arlequin com outros títulos imperdíveis. A começar por “Elis & Tom – Só tinha de Ser com Você”, de Roberto Oliveira (codireção de Jom Tob Azulay). Trata-se de outra raridade caída dos céus internacionais. No caso de Los Angeles. Dos anjos californianos. Foi lá que uma trupe de afoitos brasileiros documentou a gravação do disco “Elis & Tom”, nos começos da década de 1970. Elis Regina estava no auge. Tom Jobim era o maestro soberano.
Será que os dois bicudos iam beijar-se? A esquerda andava meio agastada com ela, que cantara nas Olimpíadas do Exército. E Elis apareceu em Los Angeles com um marido-maestro, chamado César Camargo Mariano, achando que podia fazer arranjos para Tom Jobim, sim Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim!, gravar. Será que aquele cara não se enxergava???
Pois foi dessa fogueira de vaidades, loucuras, equívocos, talentos e da câmara (em 16 milímetros e precisa) de Fernando Duarte (1937-2023), que nasceu um filme maravilhoso, imperdível, que a crítica cinematográfica viu e premiou na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2022. Um filme para se assistir em estado de graça. É o que os parisienses farão. Com certeza.
E tem mais: as memórias da sambista Beth Carvalho (tomara que o filme seja exibido antes de “Elis & Tom”, pois o contraste dos registros em VHS das “Andanças” da festeira carioca sofrem se exibidos depois das imagens captadas por Fernando Duarte), as ideias musicais-poético-filosóficas do cearense Belchior, o humor cheio de vibração de Jair Rodrigues e as aventuras buarqueano-gilbertianas de Miúcha.
E tem mais (ainda): a cantora Letrux, que fará o show na noite de encerramento do festival, será vista no média-metragem “Viver é um Frenesi”, de Marcio Debellian. Leticia Novaes, seu nome de batismo, é vista no ano de 2020, em plena pandemia, na casa de sua família no litoral do Rio.
Há música na origem de “Eduardo e Mônica”, de René Sampaio, drama nascido da canção de mesmo nome do bardo Renato Russo, protagonizado por Gabriel Leone e Alice Braga. Dessa vez, até filme sobre futebol dialoga com a música. Caso do documentário “Democracia em Preto e Branco” (Pedro Asbeg, 2014), que será apresentado pelo ex-jogador Raí, brasileiro que mantém relação orgânica com a França, pois jogou no Paris Saint-Germain (PSG).
Asbeg misturou futebol, política e rock’n roll. Em tempos de “Diretas Já”, a turma da Democracia Corinthiana, liderada por Sócrates (irmão de Raí), Casagrande e Wladimir, com o presidente Adilson Monteiro na retaguarda, curtia música adoidado. Casagrande não perdia um show de rock. Vivia nas plateias de Rita Lee. E Sócrates nos embalos da MPB.
“Pela primeira vez” – explica Katia Adler, criadora e diretora do Festival Brasileiro em Paris – “o evento exibirá produções concebidas originalmente para o streaming, como “O Canto Livre de Nara Leão” e “Vale Tudo com Tim Maia”, ambos de Renato Terra (a segunda em parceria com Nelson Motta). O público será motivado a “maratonar” tais séries em sessão única e corrida. Pelo apelo das duas narrativas – a trajetória dos cantores Nara Leão e Tim Maia, ambas exibidas no Brasil pela Globoplay – decerto haverá público insistente e resistente.
Fora do campo musical, espinha dorsal da edição de número 25 da festa brasileira em Paris, haverá mostra competitiva composta com seis filmes autorais recentes e inéditos em solo francês. Dois deles têm o ator Chico Diaz no elenco: o acriano “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho, e o cearense “Vermelho Monet”, de Halder Gomes. Os outros quatro são o pernambucano “Paloma”, de Marcelo Gomes, o paulistano “A Mãe”, de Cristiano Burlan, o carioca “Regra 34”, de Julia Murat, e o argelino-cearense “Marinheiro das Montanhas”, uma preciosidade documental de Karim Aïnouz (arrebatador).
A atriz Maria Fernanda Cândido, de “Vermelho Monet”, se somará a outros convidados do comando do festival — Benjamin Barouh, filho de Pierre Barouh, e Philippe Baden Powell (ambos de “Saravah”), Liliane Mutti e Daniel Zarvos, diretores de “Miúcha, a Voz da Bossa Nova”, Halder Gomes, diretor de “Vermelho Monet” e “Bem-Vindo à Quixeramobim”, Adolfo Lachtermacher, de “O País da Pornochanchada”, Marcio Debellian, de “Viver é um Frenesi”, e Letrux, sua personagem, Tatiana Leite, produtora de “Regra 34”, Gustavo McNair e Filipe Machado, diretor e produtor de “Môa, Raiz Afro Mãe”, Wagner Schwartz, ator de “Quem Tem Medo?”, Nelson Motta, codiretor de “Vale Tudo com Tim Maia”, e Carmelo Maia, filho do cantor.
A Jangada, produtora do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, é uma associação sem fins lucrativos, criada em 1998, pela documentarista Katia Adler, para promover e divulgar a cultura brasileira, sobretudo a cinematográfica, na Europa e na América do Norte, e o intercâmbio entre artistas brasileiros, produtores, agentes de fomento e espectadores de cada localidade. Além do evento parisiense, a Jangada promove, desde 2007, no Canadá, os festivais de filmes brasileiros de Montreal e Toronto. Desde 2018, desenvolve o projeto Jangada VoD, plataforma de distribuição online que oferece a usuários europeus uma seleção de filmes brasileiros sob demanda.
Os filmes selecionados:
Longas-metragens
. “Amazônia, a Nova Minamata?”, de Jorge Bodanzky
. “Môa, Raiz Afro Mãe”, de Gustavo McNair
. “Marte Um”, de Gabriel Martins
. “Medida Provisória”, de Lázaro Ramos
. “O País da Pornochanchada”, de Adolfo Lachtermacher
. “Jair Rodrigues – Deixa que Digam”, de Rubens Rewald
. “Rio de Vozes”, de Andrea Santana e Jean Pierre Dure
. “Quem Tem Medo?”, de Dellani Lima, Henrique Zanoni e Ricardo Alves Jr.
. “Tinnitus”, de Gregorio Graziosi
. “Todas Por Uma”, de Jeanne Dosse
. “Paloma”, de Marcelo Gomes
. “Marighella”, de Wagner Moura
. “Marinheiro das Montanhas”, de Karim Aïnouz
. “Bem-vinda a Quixeramobim”, de Halder Gomes
. “A Mãe”, de Cristiano Burlan
. “Andança – Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”, de Pedro Bronz
. “Belchior – Apenas um Coração Selvagem”, de Natália Dias e Camilo Cavalcanti
. “Bem-vinda a Quixeramobim”, de Halder Gomes
. “Democracia em Preto e Branco”, de Pedro Asbeg
. “Eduardo e Mônica”, de René Sampaio
. “Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você”, de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay
. “Miúcha, a Voz da Bossa Nova”, de Daniel Zarvos e Liliane Mutti
. “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
. “Vermelho Monet”, de Halder Gomes
. “Regra 34”, de Julia Murat
Médias-metragens
. “Saravah”, de Pierre Barouh (60 minutos)
. “Letrux: Viver é um Frenesi”, de Marcio Debellian (37 minutos)
Séries de TV
. “O Canto Livre de Nara Leão”, de Renato Terra (222 minutos)
. “Vale tudo com Tim Maia”, de Renato Terra e Nelson Motta (180 minutos)
Mais informações sobre o festival podem ser conferidas em www.jangada.org/