Nova aventura de Asterix e Obelix leva os heróis gauleses à China e recorre aos balés voadores do cinema asiático

Por Maria do Rosário Caetano

O novo filme da dupla Asterix e Obelix está bombando na Netflix. Dessa vez, os gauleses nutridos a poção mágica vão parar no Império do Meio, ou seja, na China.

A quinta aventura em live-action, ao contrário de suas antecessoras, não tem Gérard Depardieu encarnado no gordo Obelix, nem Christian Clavier como o baixinho Asterix. Aliás, este personagem teve vários intérpretes.

Quase tudo mudou na franquia gaulesa. Menos o produtor, o poderoso Jérome Seydoux, avô da atriz Lea Seydoux. Ele sabe que tem uma mina de ouro nas mãos, por mais que a crítica, arrasadora, detone os filmes baseados em personagens da mais famosa bande- dessiné francesa. No Brasil, o longa-metragem pode ser visto no streaming (exclusivamente na Netflix). Mas em seu país de origem, “Asterix & Obelix: L’Empire du Milieu” bombou na tela grande. Até o início de maio, 4.598.637 ingressos haviam sido vendidos. E o filme seguia sua trajetória rumo ao streaming, três meses depois de sua estreia na telona, em primeiro de fevereiro.

A revista Cahiers du Cinéma não ignorou o filme da turma descolada de Guillaume Canet, marido de Marion Cotillard. Mas tascou-lhe, sem dó, uma única estrela. No que foi acompanhada por Positif, Libération, Les Inrock e Le Figaro. Le Monde foi mais camarada: duas estrelinhas.

Já o público não quis saber! Lotou salas e assistiu ao filme nos cinemas. E mais: redigiu 4.121 comentários no badalado portal AlloCiné (810 dos comentadores atribuíram 5 estrelas ao filme e 986, quatro). Para termo de comparação: o outro blockbuster da temporada gaulesa – o sombrio capa-e-espada “Os Três Mosqueteiros – D’Artagnan” – vendeu 2.974.187 ingressos e recebeu, no mesmo AlloCiné, 1.307 comentários do público (sendo que 267 espectadores lhe atribuíram 5 estrelas e 537, quatro). Como se vê, Asterix & Obelix, em sua quinta aventura em carne e osso, se saíram bem melhor.

Os quatro filmes que colocaram os heróis da bande-dessiné francesa na tela tiveram o astro Gérard Depardieu como intérprete de Obélix. Asterix passou pelo corpo de outros atores (Christian Clavier, Clovis Cornillac, Edouard Baer e agora Canet). O público não se incomodou.

“Asterix & Obelix: O Império do Meio” chega depois de intervalo de onze anos, sob novo comando e novos rostos. Ou seja, foi entregue à nata do humor contemporâneo parisiense. E sua trama se construiu em bases marcadas pela liberdade. O filme não baseia-se em álbum específico da lavra de Goscinny e Uderzo, criadores da turma de gauleses, incansáveis defensores de seu pequeno e amado território. Os roteiristas (Guillaume Canet e Julien Hervé) levaram Asterix, Obelix e trupe ao Império do Meio, ou seja, à China dividida em reinos beligerantes no ano 50 a.C.

No lugar de Depardieu, surge outro Obelix, interpretado por Gilles Lelouch, amigo inseparável de Canet, o diretor Asterix. E o ator-cineasta escala sua mulher e mãe de seus filhos, Marion Cotillard (Oscar de melhor atriz por “Piaf”) para participação especial na pele de uma Cleópatra feminista e voluntariosa. Há outras participações especiais, sendo a mais duradoura delas a de Vicent Cassel, como Júlio Cesar. A do jogador sueco Zlatan Ibrahimovic, do Milan, será notada pelos fãs do esporte bretão, já que ele aparece bem menos, na pele do legionário Antivírus (“antivirús”, como dizem os franceses).

Coube a Guillaume Canet a tarefa de rejuvenescer a saga dos gauleses de Goscinny e Uderzo. Diretor de sete filmes (como a deliciosa comédia “Rock’n Roll: Por Trás da Fama”) e ator em algumas dezenas de títulos bem ecléticos (destaque para “A Fidelidade”, de Andrzej Zulawski, “A Praia”, de Danny Boyle, “Cézanne e Eu”, de Danièle Thompson, “O Homem que Elas Amavam Demais”, de André Téchiné, e “Banho de Vida”, de Gilles Lelouch), o ex-marido da alemã Diane Kruger e hoje Senhor Cotillard, comandou roteiro pop até mais não poder, cheio de citações cinematográficas e com trilha sonora que compila músicas muito conhecidas (incluindo a balada-chiclete-dançante “The Time of my Life”). E, já que parte importante é ambientada no Império do Meio, não custava nada copiar-homenagear o cinema das três Chinas (Hong Kong, a insular e a continental), com seus kung-fu de outrora e seus balés contemporâneos, que afrontam a lei da gravidade (vide o voos surreais de “O Tigre e o Dragão”, de Ang Lee, e “Hero”, de Zhang Yimou).

Quem bota o balé asiático em ação é a guarda-costas (Leanna Chea) da princesa So Hi (a tão linda, quanto Gong Li, Julie Chen), que vai até à longínqua aldeia gaulesa pedir ajuda a Asterix e Obelix. Afinal, ela necessita livrar a Imperatriz (Linh-Dan Pham), feita prisioneira pelo ambicioso e traiçoeiro vilão Deng Tsin Qin. Claro que os romanos, inimigos da irredutível aldeia, continuam sob a liderança de Júlio Cesar, implacável ao perseguir, com imensa legião de soldados, a trupe de Asterix e Obelix. O poderoso Cesar quer conquistar a China para ampliar seu Império e impressionar Cleópatra, que anda de namoro com um súdito musculoso.

Claro que tudo acabará bem para os gauleses. E para a Imperatriz e princesa chinesas. Afinal, Jérome Seydoux não é bobo. Ele sabe que a China, hoje, é um dos mais poderosos mercados de cinema do mundo. Por que o bilhão de chineses não assistirá à aventura de “aliados” gauleses, capazes de enfrentar imenso exército invasor (o do insaciável Cesar), para ajudar a unificar reinos rivais e criar a Grande China?

O filme de Guillaume Canet, confortável em atribuir a si mesmo o papel do protagonista Asterix (sim, ele gosta de protagonizar seu próprios filmes), vem forrado em humor previsível, mas sedutor, com seus jogos-de-palavra, insinuações de cunho sexual (nada de muito picante), com um navio-pirata e, dessa vez, com o poder hipnótico das Artes Marciais asiáticas. Tudo temperado por personagens femininas fortes, mesmo que os protagonistas continuem sendo do sexo masculino.

Os 112 minutos de “Asterix & Obelix: O Império do Meio” resultam em diversão garantida para quem tem apreço pelos herois gauleses. Trata-se de superprodução de altíssimo custo (65 milhões de euros), com figurinos caprichados e milhões de soldados (romanos e chineses) multiplicados, claro, pela poderosa indústria dos efeitos especiais. Com este épico pop e bem-humorado a França e seu midas Jérome Seydoux explicam porque o país europeu consegue manter market-share que, às vezes, ultrapassa 40% de seu mercado interno. Caso raríssimo no Ocidente, onde os mercados nacionais suam para vender 5%, 10% ou 20% dos bilhetes oferecidos por seus circuitos exibidores.

 

Asterix & Obelix: O Império do Meio
França, 2023, 112 minutos
Direção: Guillaume Canet
Roteiro: Guillaume Canet e Julien Hervé
Elenco: Guillaume Canet, Gilles Lelouche, Vincent Cassel, Marion Cotillard, Julie Chen, Ling Dam Pham, Lind Dan Pham, Ramzy Bedia, Issa Doumbia, Lean Chea, Marc Ngi Hoang, entre muitos outros, incluindo o craque sueco Zlatan Ibrahimovic, do Milan (como Antivirus)
Produção: Jérome Seydoux
Onde: Netflix

 

FILMOGRAFIA

Além de versões em desenho animado, os personagens criados por René Goscinny e Albert Uderzo deram origem a cinco longas-metragens live-action:

1999 –“Asterix e Obelix Contra Cesar”, de Claude Zidi (Com Christian Clavier e Gérard Depardieu)
2002 – “Asterix e Obelix: Missão Cleópatra”, de Alain Chabat (com Christian Clavier e Gérard Depardieu. E a italiana Monica Belluci como Cleópatra)
2008 – “Asterix nos Jogos Olímpicos”, de Frédéric Forestier e Thomas Langmann (com Clovis Cornillac e Gérard Depardieu, participação especial de Alain Delon)
2012 – “Asterix e Obelix: A Serviço de Sua Majestade”, de Lauret Tirard (com Edouard Baer  e Gérard Depardieu), soma de histórias retirados dos álbuns “Asterix Entre os Bretões” e “Asterix e os Normandos”)
2023 – “Asterix & Obelix: O Império do Meio”, de Guillaume Canet (com Guillaume Canet como Asterix e Gilles Lelouche como Obelix)

FILMES DE GUILLAUME CANET
Ator e diretor francês, nascido em Boulogne-Billacourt, em 10 de abril de 1973

Como diretor:

2001 – “Meu Ídolo”
2006 – “Não Conte a Ninguém”
2017 – “Rock’n Roll: Por Trás da Fama”
2010 – “Até a Eternidade”
2019 – “Estaremos Todos Juntos”
2019 – “Lui”
2023 – Asterix & Obelix: O Império de Meio”

Como ator:

1997 – “Barracuda”, de Philippe Haïm
1998 – “La Cliente”, de Pierre Jolivet
2000 – “A Fidelidade”, de Andrzej Zulawski
2000 – “A Praia”, de Danny Boyle
2001 – “Meu Ídolo”, de Guillaume Canet
2001 – “Cães da Noite”, de Antoine de Caunes
2001 – “Vidocq”, de Pitof
2003 – “Amor e Consequência”, de Yann Samuelli
2004 – “O Sonolento Klopp”, de Aurouet & G. Lelouche
2005 – “Inferno”, de Danis Tanovic
2005 – “Feliz Natal”, de Christian Carion
2006 – “Não Conte a Ninguém”, de Guillaume Canet
2007 – “Darling”, de Christine Carrière
2009 – “O Caso Farewell”, de Christian Carion
2009 – “O Último Voo”, de Karim Dridi
2010 – “Apenas Uma Noite”, de Massy Tadjedin
2019 – “Cézanne e Eu”, de Danièle Thompson
2011 – “A Nova Guerra dos Botões”, de Christophe Barratier
2011 – “A Vida Vai Melhorar”, de Cédric Kahn
2013 – “Jappeloup”, de Christian Duguay
2014 – “O Homem que Elas Amavam Demais”, de André Téchiné
2014 – “Na Próxima, Acerto o Coração”, de Cédric Angér
2017 – “Meu Filho”, de Christian Carion
2018 – “Um Banho de Vida”, de Gilles Lelouch
2018 – “Paris Pigalle – O Amor É Uma Festa”, de Cédric Anger
2019 – “Em Nome da Terra”, de Édouard Bergeon
2019 – “Lui”, de Guillaume Canet
2023 – “Acide”, de Juste Philippot
2023 – “Asterix & Obelix: O Império do Meio”, de Guillaume Canet

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