Apaci debate documentários de Bernardet e MIS comemora 20 anos de “À Margem da Imagem”

Por Maria do Rosário Caetano

Dois documentários do cineasta belgo-franco-brasileiro Jean-Claude Bernardet – “São Paulo, Sinfonia e Cacofonia” (foto acima) e “Sobre Anos 60” – serão exibidos e debatidos nessa terça-feira, 6 de junho, às 19h30, no Cine Bijou-Satyros. Além do realizador, participarão do encontro as montadoras Maria Dora Mourão e Idê Lacreta e o cineasta Rubens Rewald. Juntos, Bernardet e Rewald escreveram diversos roteiros, dentro do Projeto Nudrama (Núcleo de Dramaturgia da USP), e realizaram o longa-metragem “#eagoraoque”.

No sábado, 10 de junho, às 18h, outro documentarista, o niteroiense, radicado em São Paulo, Evaldo Mocarzel, participará de debate em comemoração aos 20 anos de lançamento do longa-metragem “À Margem da Imagem”, no projeto Pontos MIS, mantido pelo Museu da Imagem e do Som paulistano. Mas, ao contrário do encontro com Bernardet, que será presencial, o Bate-Papo de Cinema com Evaldo Mocarzel se dará via digital e será aberto a todos os interessados. Basta acessar o Canal do MIS, no YouTube. Para que o público possa assistir ao filme, ele será disponibilizado gratuitamente por 48 horas antes do debate.

“À Margem da Imagem”, que nasceu como curta-metragem e venceu a Jornada de Cinema da Bahia, acabou alcançando tamanha repercussão, que ganhou o formato longa-metragem (72 minutos) e foi tema de reflexão de Jean-Claude Bernardet, em ensaio publicado na segunda edição de um de seus livros mais importantes, “Cineastas e Imagens do Povo” (Companhia das Letras, 2003).

Bernardet chegou ao Brasil na adolescência. Ligou-se ao cinema pela via do cineclubismo, tornando-se, em seguida, e muito jovem, um dos nomes da linha de frente da implantação da Cinemateca Brasileira, instituição criada por intelectuais e cineastas, entre eles Paulo Emilio Salles Gomes e Francisco de Almeida Salles. Depois, integrou-se, como pesquisador e professor, à recém-fundada Universidade de Brasília (UnB). Lá realizou as pesquisas que deram origem ao livro “Brasil em Tempo de Cinema – Ensaio sobre o Cinema Brasileiro de 1958 a 1966”.

Com o pedido de demissão coletiva, em 1965, de 200 professores da universidade brasiliense – inconformados que estavam com os rumos tomados pelo país no pós-Golpe militar – Bernardet regressou a São Paulo e tornou-se professor da ECA-USP. Publicou, nas décadas seguintes, uma dezena de livros sobre cinema, escreveu ficção e roteiros, como o de “O Caso dos Irmãos Naves” (com Luiz Sérgio Person) e “Noite do Espantalho” (com Sérgio Ricardo), e foi ator em filmes de curta e longa-metragem (“Ladrões de Cinema”, de Fernando Coni Campos, 1977, e “P.S.- Post Scriptum”, de Romain Lesage, 1981).

Em 1994, Bernardet, em parceria com Aloysio Raulino (1947-2013), concebeu um díptico em homenagem a São Paulo, nos moldes das “Sinfonias” metropolitanas inauguradas por Walter Ruttmann (“Berlim, Sinfonia da Metrópole”, 1927). O resultado do filmensaio de Bernardet foi dos mais surpreendentes. A parte que lhe coube (a de Raulino intitulou-se “São Paulo – Cinemacidade”) construiu-se com fragmentos de quase 100 filmes, que tiveram a megalópole paulistana como cenário.

O próprio Bernardet definiu – como é de sua índole franca e polêmica – “Sinfonia e Cacofonia” como “uma ode de amor e ódio a São Paulo”. E mais: “um filme que expressa o prazer angustiante ou a angústia prazerosa de se viver nessa cidade”. A montagem é de Dora Mourão e a trilha sonora de Lívio Tratenberg e Wilson Sukorski.

Cinco anos depois, Bernardet dirigiu outro filmensaio – “Sobre Anos 60” – também construído com imagens de arquivo, editadas por Idê Lacreta, com trilha sonora de Tratenberg e Sukorski. Em 31 minutos, o documentarista mistura fragmentos de filmes sessentistas, somados a manchetes de jornais e cartazes de montagens teatrais.

Na primeira década dos anos 2000, o professor-escritor passou a dedicar-se cada vez mais ao cinema, seja como roteirista ou ator. Hoje, aposentado de suas lides acadêmicas na ECA-USP, Bernardet dedica-se em tempo integral ao audiovisual. Seja como “personagem” (“FilmeFobia”, “A Destruição de Bernardet”), ator (“Fome”, “Antes do Fim”, “Hamlet”, “Pingo d’Água”, entre muitos outros) ou diretor (“#eagoraoque”).

Quem for ao debate do Projeto Apacine, promovido pela Apaci (Associação Paulista de Cineastas), poderá expor livremente suas ideias, por mais impertinentes que pareçam. Quanto mais polêmicas forem, mais Bernardet (86 anos e espírito inquieto) terá prazer em debatê-las. Nos últimos anos, ele refletiu sobre assuntos dos mais controversos. Caso dos “temas-tabus do documentário brasileiro”, que, na avaliação dele, brotam “da falta de coragem dos cineastas para enfrentar três sólidos grupos de poder (as Forças Armadas, o capital econômico-financeiro e a mídia)”. Se não bastasse, Bernardet definiu a maioria dos documentários biográficos brasileiros (incluindo as cinebiografias ficcionais) como “filmes funerários”, aqueles que preferem louvar a vida de seus personagens-tema, fugindo como o diabo da cruz das “zonas de sombra” do biografado.

Cena de “À Margem da Imagem”

Evaldo Mocarzel, jornalista de formação, depois de três décadas no ofício (uma delas como editor de Cultura do Estadão), tornou-se prolífico cineasta. Realizou alguns curtas até, em 2002, apresentar a versão condensada de “À Margem da Imagem” em diversos festivais. O documentário causou sensação, principalmente pelo testemunho de um Sem-Teto, que, levado ao cinema para ver o copião do filme, foi entrevistado na saída. De chofre, ele provocou o realizador com palavras desconcertantes.

Nas páginas 293 e 294 de seu “Cineastas e Imagens do Povo”, Bernardet analisa a fala-resposta do Sem-Teto, na condição de personagem e espectador, quando o documentarista pergunta se ele mudaria algo no documentário que acabara de assistir.

A resposta foi dividida em duas partes (pelo diretor e pelo montador Marcelo Moraes). Na primeira – destaca Bernardet – “o homem se posiciona: ‘A única coisa que eu acharia que deveria ser mudado no filme é o fundo musical, que não teve, eu não escutei nenhum fundo musical. Terminou sem graça, sem um fim, né, então eu acho que podia colocar um final não tão (convencedor), tão pálido, tão escuro’”.

A segunda parte, que realmente impressionou Bernardet (e aos espectadores, que depois veriam o filme), é assim transcrita pelo autor de “Cineastas e Imagens do Povo”: “Faltou mostrar quando ele pede, que ele bate numa casa, que ele se expressa com uma pessoa, a pessoa naturalmente agora tá me vendo, né, mas geralmente essas pessoas, amanhã, não vai me ver, não vai me conhecer. Se eu apertar a campainha de uma casa, ela vai dizer pro porteiro, não atende, não conheço. Então é isso, tem que mostrar isso no filme, tem que mostrar a pessoa apertando (a campainha) numa casa, pedindo um prato de comida, pedindo isso, pedindo aquilo, tal, para poder ser um filme verdadeiro. Isso o diretor esqueceu”.

Evaldo Mocarzel fez de “À Margem da Imagem” o início de trilogia que completou-se com “À Margem do Lixo” e “À Margem do Concreto”. Dirigiu, ainda, mais uma dezena de documentários de longa-metragem, sendo o mais conhecido deles – ao lado do filme que será debatido no projeto do MIS-SP – “Do Luto à Luta”, sobre portadores de Síndrome de Down.

O projeto Pontos MIS, que está espalhado por 120 municípios paulistas, constitui-se como programa de formação e difusão cultural e cinematográfica. As cidades parceiras recebem programação gratuita de sessões de cinema, oficinas, palestras, exposições e formação em gestão cultural. O objetivo é formar novos públicos para a cultura e para o audiovisual.

O Bate-Papo de Cinema do Pontos MIS já contou com a participação de Alceu Valença, Glenda Nicácio e Ary Rosa, Ismail Xavier, Drauzio Varella, Jorge Furtado, Celso Prudente, Luciara Ribeiro, Ana Ripper, Josi Geller, Thomas Aquino, Nega Duda, Petra Costa, Barbara Paz, Alice Riff , Etel Oliveira, entre outros.

A Sessão Apacine, iniciada com a exibição e debate de “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, no momento em que foram comemorados os 60 anos da conquista da Palma de Ouro (Cannes, 1962), já apresentou e analisou filmes como “Bocage, o Triunfo do Amor”, em memória de Djalma Limongi (1950-2023), “Doramundo”, de João Batista de Andrade, “O Grande Momento”, de Roberto Santos (1928-1987), “Fela Kuti”, de Joel Zito Araújo, “De Passagem”, de Ricardo Elias, em homenagem aos 60 anos de carreira da produtora Assunção Hernandez, Filmes da Caravana Farkas, com Sérgio Muniz, “Ori”, de Raquel Gerber, o programa “Negras Estrelas” (com filmes de realizadoras afro-brasileiras), “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, de Roberto Santos (com a presença do autor da trilha sonora, Geraldo Vandré), “Iracema – Uma Transa Amazônica”, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna. E contou com  um convidado internacional, o angolano Fradique, que apresentou e debateu o longa-metragem “Ar Condicionado”.

 

São Paulo, Sinfonia e Cacofonia (Brasil, 1994, 40 minutos) e Sobre Anos 60 (Brasil, 1999, 31 minutos)
Direção: Jean-Claude Bernardet
Exibição e debate: Cine Bijou (na Praça Roosevelt, 1721 – São Paulo/SP)
Lotação: 80 lugares
Horário: 19h30
Ingressos: R$10,00
Promoção: Apaci, Spcine e Bijou Satyros

À Margem da Imagem (Brasil, 2003, 72 minutos)
Direção: Evaldo Mocarzel
Montagem: Marcelo Moraes
Distribuição: Assunção Hernandez (Raiz Distribuidora)
Exibição gratuita e online por 48 horas: de quinta-feira, às 18h, até sábado, no Youtube do MIS-SP
Bate-Papo de Cinema: online, nesse sábado, 10 de junho, às 18h
Informações: https://www.mis-sp.org.br/pontos_mis

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