No cinema, Paulo Freire dá de goleada nos defensores da “Guerra Cultural”
Foto: Cristiano Burlan com Wenceslao Oliveira e Venício A. de Lima, no debate “Um Plano de Cinema, um Plano de Aula” © Leo Fontes/Universo Produção
Por Maria do Rosário Caetano, de Ouro Preto
O núcleo educacional da CineOP (XVIII Mostra Internacional de Cinema de Ouro Preto), ao programar o debate “Um Plano de Cinema, um Plano de Aula”, com o cineasta Cristiano Burlan e o professor da UnB, Venício A. de Lima, mostrou que, pelo menos no campo do cinema, Paulo Freire, o pedagogo da libertação, está dando de goleada nos praticantes da “Guerra Cultural”. Ou seja, nos discípulos de Olavo de Carvalho, que tudo fizeram para vilanizar o “Patrono da Educação Brasileira”.
Há quatro longas-metragens em produção no Brasil, todos sobre o educador pernambucano, que se vivo fosse teria 101 anos (ele morreu em 1997, aos 76). O mais adiantado deles é o documentário “Paulo Freire, Cidadão do Mundo”, do próprio Burlan, premiado diretor de “Mataram meu Irmão” e “A Mãe”, que terá a série de mesmo nome, produzida pelo SescTV, como matriz.
O segundo, em produção adiantada, é também um longa documental, só que internacional, pois produzido e realizado pela norte-americana Catherine Murphy. Seu título é dos mais instigantes – “Fonemas da Liberdade”. Em abril último, a documentarista passou por Angicos, no Rio Grande Norte, para mostrar parte do material cinematográfico aos que, no município, tiveram contato, passados 60 anos, com o Método de Alfabetização de Adultos criado por Freire. Em 1963, o então presidente João Goulart chegou a visitar a pequena cidade potiguar para testemunhar a experiência freiriana.
No terreno da ficção, encontra-se em fase de pré-produção o longa-metragem “Paulo Freire”, de Felipe Hirsch, que terá o baiano Wagner Moura como protagonista. O quarto longa, também ficcional, vem sendo roteirizado por seu futuro diretor, Cao Hamburger, filho de professores da USP e devotado à projetos educativos e culturais (como “Castelo Rá-Tim-Bum” e “Villas-Boas”).
Os filmes da estadunidense Catherine Murph e dos brasileiros Burlan, Hirsch e Hamburger chegam para somar-se a modesto média-metragem de produção universitária: “Resgate da Experiência dos Alunos de Paulo Freire em Angicos”. Roteirizado por Renata Jaguaribe e dirigido por José Francisco dos Passos Jr, o documentário, uma produção da UFERSA (Universidade Federal Rural do Semi-Árido), no Rio Grande do Norte, não conseguiu romper as fronteiras do estado nordestino. Mas passou a integrar o acervo do Memorial Paulo Freire, no campus de Angicos da UFERSA. Decerto ao lado com o único filme sobre Paulo Freire realizado antes do triunfo do Golpe Militar de 1964 – “De Pé no Chão Também se Aprende a Ler”, de Heinz Forthman.
O documentarista germano-brasileiro registrou a experiência de alfabetização de adultos realizada pelo prefeito de Natal, Djalma Maranhão, e seu secretário de Cultura, Moacyr de Goes, pai do diretor de teatro e cinema de mesmo nome.
Cristiano Burlan, que produziu, no Brasil e na Suíça, as imagens que deram origem aos 250 minutos da série “Paulo Freire, Cidadão do Mundo” (disponível no streaming do SescTV), contou no debate da CineOP, que sofreu represálias por ter escolhido a trajetória de Freire como tema. “Não encontrei nenhum patrocinador privado interessado no projeto”, lembrou. “Se não fosse o Sesc-São Paulo, uma espécie de Ministério da Cultura paralelo, e da aposta de seu presidente, Danilo Santos de Miranda, eu não teria conseguido realizar uma série de cinco capítulos, com filmagens no Brasil e no exterior”.
Realizada durante os Anos Temer-Bolsonaro, a série causou outros transtornos a Burlan. Quando ele e sua pequena equipe foram gravar depoimento da ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (ela teve Paulo Freire como secretário de Educação) acharam por bem antecipar imagens da entrevista no espaço digital. Outra pessoa, ligada ao município-sede do experimento de Angicos (Burlan preferiu não citar o nome), ao ver uma parlamentar do PSOL participando do filme, registrou veemente protesto. E avisou: “você não é mais bem-vindo entre nós aqui em Angicos, pois somos Bolsonaro”.
O cineasta ponderou que ela tinha direito de retirar seu depoimento do filme. Afinal, ele continuaria ouvindo vozes diversificadas sobre Paulo Freire. A entrevistada potiguar, depois de ponderar que “Paulo Freire não deveria ser misturado a temas político-partidários”, pois “o Freire que conhecera não se misturava com política”, acabou não se afastando do projeto. Quando os resultados das eleições presidenciais de 2022 foram divulgados, Cristiano Burlan conferiu o resultado: Bolsonaro obteve 78% votos dos munícipes.
O tema da “Guerra Cultural” levada ao campo das ideias no Brasil pelo finado Olavo de Carvalho e por seus discípulos, e alardeado pelo presidente Jair Bolsonaro, voltou ao centro do debate na CineOP.
O professor Wilson Cardoso, presente na plateia, lembrou o silenciamento de Paulo Freire durante a ditadura militar (1964-1985) e a tentativa dos adeptos da “Guerra Cultural” de, mais uma vez, destruir a reputação do pedagogo da libertação. Para constatar que, na sua avaliação, “Freire parece um estrangeiro em seu próprio país, um vermelho importado, que tem maior reconhecimento no exterior que aqui”.
Venício A. de Lima concordou com as ponderações de Wilson Cardoso. Ele, que dedicou seu mestrado e doutorado, nos EUA, ao estudo da obra de Paulo Freire (é autor dos livros “Comunicação e Cultura – As Ideias de Paulo Freire” e “Paulo Freire – A Prática da Liberdade para Além da Alfabetização”) disse que, paradoxalmente, o exílio do pernambucano, imposto pelo regime militar, acabou gerando sua projeção mundial. “No Chile, Freire trabalhou no Governo Eduardo Frei. Depois deu aulas em Harvard e teve um de seus livros (“Pedagogia do Oprimido”) adotado em muitas universidades norte-americanas”.
“Quando fui comprar meu exemplar de ‘Pedagogia do Oprimido’” – lembrou –, “ele já estava na 28ª edição. E dois países queriam ter Freire em suas instituições educacionais: os EUA e a Suíça, sede do Conselho Mundial das Igrejas. O brasileiro optou pelo país europeu. E foi, ainda, para a África, trabalhar com Amílcar Cabral, presidente da Guiné Bissau. Tornou-se nome na linha de frente no campo da educação”. Para concluir: “com a anistia, Paulo Freire chegou de fora para cá, do mundo para Brasil. Infelizmente, em seu próprio país, ele é, hoje, submetido a tentativa de destruição das mais desleais, pois os que o questionam o fazem erroneamente ou de forma imprópria, pois não o leram e se o leram, não o entenderam”.
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Sou Olavista mesmo! #ForaLulaesuaQuadrilhaComunista
O único alvo da guerra cultural é o público. Todavia, a autora do artigo acredita que a quantidade de produções sobre Paulo Freire (e não a quantidade de público a assisti-los) representa a vitória da guerra. Sabemos, na verdade, que NINGUÉM assistirá a esses documentários. O público brasileiro de documentário está lá no canal de Youtube do Brasil Paralelo — e tem até contador de visualização para confirmar a quantidade.