Brasil tem cinco pré-candidatos ao Oscar de melhor longa documental

Por Maria do Rosário Caetano

O Brasil já conta com cinco potenciais candidatos ao Oscar de melhor longa documental para a 96ª edição do prêmio hollywoodiano, agendado para o dia 10 de março, em Los Angeles. Novos títulos podem aparecer até a semana que vem (quarta-feira, 15 de novembro), data limite de apresentação de postulantes. Os pré-indicados (listas expandidas) serão conhecidos dia 21 de dezembro.

Três documentários brasileiros têm presença garantida na imensa lista de pré-candidatos. O primeiro – “Incompatível com a Vida” (foto), de Eliza Capai – foi pré-qualificado pelo Festival É Tudo Verdade, que em abril passado o declarou vencedor de sua mostra competitiva.

O segundo título – “Elis & Tom – Só Podia Ser com Você”, de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay – inscreveu-se por iniciativa própria de seus produtores, o que é legítimo frente às elásticas regras da Academia.

Um terceiro candidato – “Samuel e a Luz”, de Vinícius Girnys, que acaba de vencer a Mostra Internacional de São Paulo (melhor documentário) – foi qualificado por ter triunfado no Festival de Guadalajara, no México, competição também credenciada pela Academia norte-americana.

O representante brasileiro ao Oscar internacional – “Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça, o escolhido de nossa Academia de Cinema e Artes Visuais – pode, também, disputar vaga na categoria “longa documental”. Não há nada que o impeça de figurar como finalista nas duas categorias. Isto aconteceu, por exemplo, com filmes como o macedônio “Honeyland”, de Tâmara Kostevska e Lyubomir Stefanov (concorrente a melhor filme internacional e melhor doc). O caso mais impressionante foi o do norueguês “Flee”, de Jonas Poher Rasmussen, que além dessas duas categorias, cravou vaga como finalista a uma terceira – melhor animação.

Claro que “Retratos Fantasmas” não pode postular vaga como longa de animação, pois sua narrativa estrutura-se sobre arquivos documentais. Mas é no segmento da animação que entra o quinto concorrente “brasileiro” a uma vaga como melhor longa documental (e/ou melhor longa animado) – “Atiraram no Pianista”, de Fernando Trueba e Javier Mariscal.

No frigir dos ovos, o filme é espanhol, pois tem diretores e financiamento oriundos da terra de Buñuel, Saura e Almodóvar. Sua alma, essência e razão de existir, no entanto, são brasileiras. O filme tem como temas a Bossa Nova e o assassinato de um de seus grandes artífices, o pianista Tenório Jr. O músico carioca excursionava por Buenos Aires como integrante do grupo instrumental que acompanhava Vinicius de Moraes e Toquinho. Numa madrugada portenha, o brasileiro foi confundido com um militante político de esquerda (por sua aparência?), preso, torturado e assassinado. Seu corpo nunca apareceu.

Trueba e Mariscal dedicaram quase dez anos ao projeto. Ouviram dezenas de vozes brasileiras (incluindo, além de músicos, compositores e cantores, a esposa de Tenório Jr e a jovem namorada que ele levara à capital argentina), resgataram materiais de arquivo (impressionante depoimento de um Vinicius de Moraes arrasado com o desaparecimento de seu pianista) e mergulharam na mais refinada música brasileira. O português é o idioma dominante na narrativa, havendo trechos em inglês (um jornalista norte-americano vem ao Rio de Janeiro pesquisar a história de Tenório) e em espanhol (nas sequências argentinas).

“Atiraram no Pianista” pode, realmente, concorrer a duas categorias no Oscar: melhor filme de animação e melhor documentário (como “Flee”). Mas não a filme internacional, pois a Academia Espanhola preferiu “A Sociedade da Neve”, de Juan Antonio Bayoma, versão ficcional da tragédia vivida por jogadores de rugby uruguaios que caíram nas montanhas nevadas dos Andes e, para sobreviver, recorreram ao canibalismo.

Algum dos cinco brasileiros (os quatro legítimos e o “adotivo”) tem chance de figurar numa das listas específicas (documentário, animação, filme estrangeiro) da Academia de Hollywood?

Em princípio, sim. Mas, se o julgamento se fizer pelos critérios identitários, que têm pautado as decisões de parte significativa da Academia, a resposta é não.

Vejamos: “Incompatível com a Vida” tem uma diretora mulher, o que é ótimo. Mas sua temática é espinhosa – a interrupção da gravidez. A Academia ainda parece muito conservadora. Claro que há segmentos progressistas e libertários entre seus quase 10 mil sócios. Importante clarear, também, que essa imensa quantidade de eleitores só é arregimentada para votar no prêmio principal – melhor filme (e em menor escala, em diretor, atriz e ator). Para os demais, há colégios eleitorais específicos.

No caso de “Elis & Tom”, há fatores favoráveis. O filme tem suas principais imagens colhidas em Los Angeles, onde o compositor carioca e a cantora gaúcha gravaram, em 1973, elepê que fez história. Há depoimentos importantes de artistas e técnicos estadunidenses. Mas os diretores são homens e brancos; a Bossa Nova encantou, sim, os EUA e o mundo, mais isso aconteceu 60 anos atrás.

“Samuel e a Luz” é um lindo documentário que observa um menino, seus irmãos e pais num recanto paradisíaco (Ponta Negra do município de Paraty-RJ). O pai de Samuel vive da pesca, que se torna cada vez mais escassa. A luz elétrica é instalada no paraíso e tudo muda. Juntos chegam a TV, os videogames, os celulares e sua sedutora internet. E, claro, os turistas ávidos por danças frenéticas (até da garrafa), comidas à base de peixe fresco, muita bebida e fogos de artifício.

O jovem Vinicius Girnys é branco. Suas personagens caiçaras são, em parte, mestiças. Uma ou outra, negra. A seu favor, o filme tem a ecologia. E produção em parceria com a França. Mas nem no Brasil sabíamos que ele estava pré-qualificado a disputar uma vaga no Oscar.

O caso de “Retratos Fantasmas” é diferente. O filme teve sua primeira vitrine em Cannes. Vem recebendo críticas positivas em importantes publicações internacionais (a última foi no El País, de Madri). Kleber Mendonça é articulado e vem trabalhando incansavelmente por uma vaga entre os semi-finalistas. Se vencer na primeira peneirada, o pernambucano vai trabalhar ainda mais por vaga entre os finalistas (eles serão conhecidos no dia 23 de janeiro).

As chances de “Atiraram no Pianista” parecem medianas. Dirigido por dois realizadores brancos, que já chegaram à condição de finalistas (com “Chico y Rita”) – e não nos esqueçamos que Trueba tem um Oscar internacional na estante, por “Belle Époque – Sedução”) – a animação espanhola (de alma brasileira) tem contra si o fato de destinar-se ao público adulto.

A safra apontada como favorita destina-se ao público infanto-juvenil e traz temáticas escapistas. Puro entretenimento. Embora o desenho de “Atiraram no Pianista” seja belíssimo e sua trilha sonora arrebatadora, no centro da narrativa está uma tragédia política. Uma ditadura militar em gestação (a argentina) torturou e assassinou, com seus cúmplices da Operação Condor, um inocente. A política e seus grandes temas andam em baixa no mundo contemporâneo.

“Atiraram no Pianista” tem chances como semi-finalista a melhor longa documental?

A se julgar pelas listas de favoritos até agora esboçadas, a resposta é não. O filme de expressão ibero-americana que vem aparecendo bem em listas prévias é “ANHELL69” (algo como “Angel-Anjo no inferno 69). Exibido e premiado em diversos festivais (incluindo o Olhar de Cinema, em Curitiba), o longa do colombiano Theo Montoya, protagonizado pela desesperançada juventude queer de Medellin, vem causando frisson. Trata-se de narrativa híbrida, inquieta e inquietante, em fina sintonia com as pautas identitárias de nossos dias. E plugado nas redes sociais.

Outro nome que não deve ser esquecido entre os sul-americanos é o da chilena Maite Alberdi. Ela encantou a Academia com o delicioso “Agente Duplo” (El Agente Topo), sobre um velhinho introduzido (disfarçado como interno) num asilo de velhos para investigar se nele havia maus-tratos. Agora, ela chega com “A Memória Infinita”, outro mergulho no mundo dos mais vividos.

O personagem principal da cineasta chilena, que será premiada pelo Festival Sundance (com o Troféu Vanguarda-não ficção), em janeiro, é Augusto Góngora, grande repórter (e escritor) dos crimes da ditadura de Pinochet. Ele vive há 20 anos com sua companheira, a atriz, ativista e política Paulina Urrutia. Góngora foi diagnosticado como portador de Alzheimer. O casal empreende, junto, uma descida aos infernos para tentar impedir a perda acelerada das capacidades físicas e mentais de Góngora.

O tema da, eufemisticamente, chamada “melhor idade” costuma comover os votantes da Academia. Embora haja renovação de quadros (e mobilização de votantes não-anglo-saxões), estes ainda são minoria entre os longevos quadros que há mais de nove décadas dominam a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.

E lembremos que, este ano, o vencedor do Urso de Ouro, em Berlim, foi um documentário – o tocante “Adamant”, de Nicolas Philibert, que já conquistara a Palma de Ouro com “Entre os Muros da Escola”. O filme tem tudo para figurar na lista dos “cinco documentários do Oscar”. Afinal, mostra idosos (e alguns menos velhos) com problemas psiquiátricos que recebem tratamento humanizado dentro de uma embarcação que percorre o Sena, o rio que banha Paris.

Como a poderosa Academia do Oscar só encerrará, para valer, o recebimento de inscrições até a semana que vem (na quarta-feira, 15 de novembro), muita água ainda passará por debaixo da ponte.

 

DOCs BRASILEIROS EM BUSCA DE VAGA

. “Incompatível com a Vida”, de Eliza Capai (SP)
. “Samuel e a Luz”, de Vinicius Girnys (RJ, parceria com a França)
. “Elis & Tom – Só Podia Ser com Você”, de Roberto Oliveira e Jom Tob Azulay (SP-RJ)
. “Retratos Fantasmas”, de Kleber Mendonça (PE)
. “Atiraram no Pianista, de Trueba & Mariscal (Espanha, com imensa participação brasileira)

OS LONGAS MAIS LEMBRADOS À CATEGORIA PRINCIPAL

. “Assassinos da Lua das Flores”, Martin Scorsese (EUA)
. “Oppenheimer”, de Christopher Nolan (EUA)
. “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer (Reino Unido, Polônia, EUA)
. “Napoleão”, de Ridley Scott (EUA, Reino Unido)
. “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos (Reino Unido ) – vencedor de Veneza
. “Anatomia de uma Queda”, de Justine Triet (França) – vencedor de Cannes
. “Maestro”, Bradley Cooper (EUA)
. “A Cor Púrpura”, remake musical dirigido por Blitz Bazawele (EUA)
. “Os Rejeitados”, de Alexander Payne (EUA)
. “American Fiction”, de Cord Jefferson (EUA)
. “Vidas Passadas”, de Celine Song (EUA)
. “Barbie”, de Greta Gerwig  (EUA)

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