“Levante”, de Lillah Halla, aposta na coragem ao enfrentar tema-tabu e na força coletiva de seu elenco

Foto © Wilssa Esser

Por Maria do Rosário Caetano

Vibrante, inquieto, musical e adrenalinado, “Levante”, o primeiro longa-metragem de Lillah Halla, estreia nos cinemas nessa quinta-feira, 22 de fevereiro. Trata-se do filme brasileiro de maior repercussão no circuito de festivais realizados ao longo de 2023.

A bem-sucedida trajetória deste drama social (e queer) paulistano começou em dois festivais europeus – em Roterdã (laureado pelo Júri Jovem) e na Semana da Crítica, mostra paralela do Festival de Cannes, que o destacou com o Prêmio Fipresci (Crítica Internacional). Depois, o filme passou por uma dezena de mostras internacionais e brasileiras. Foi laureado como o melhor filme ibero-americano em Palm Spring, nos EUA, e, em Biarritz, na França. Ganhou o disputado Coral de Opera Prima (filme de diretor estreante) no Festival de Havana. Aqui, no Brasil, conquistou o prêmio máximo no Mix Brasil (Coelho de Ouro), no Festival Aruanda do Audiovisual Brasileiro (seis troféus, incluindo melhor filme) e no Festival do Rio (melhor direção e montagem). Estreou no circuito comercial francês (em 50 salas), bem antes de chegar aos nossos cinemas. E recebeu, no país europeu, boas críticas.

Lillah Halla conseguiu, já em sua largada, unir produtores brasileiros, franceses e uruguaios. E empenhou-se em abordar, com coragem, tema pouco explorado na ficção brasileira: o aborto. Mais que coragem, a jovem cineasta e sua trupe demonstraram atrevimento ao mexer num verdadeiro vespeiro – o tabu da interrupção da gravidez. Pauta que mobiliza (e alucina) hostes religiosas, sejam católicas ou evangélicas. E “Levante”, palavra de tantos sentidos, foi concebido e realizado em momento histórico dos mais complexos e difíceis – aquele durante o qual o país foi governado pelo obscurantismo da dupla Bolsonaro-Damares Alves.

A jovem cineasta convocou, para protagonizar seu “levante”, a jovem Ayomi Domenica, talentosa filha do rapper Mano Brown, integrante e fundador do grupo Racionais MC’s. Ela interpreta Sofia, jogadora de vôlei. Tem 17 anos, muita garra e a promessa, por parte de uma “olheira”, de ocupar vaga em time profissional.

Só que a jovem atleta se descobrirá grávida, consequência de noite de sexo fortuito, justo nesse momento definidor de sua vida (final de campeonato, portanto, momento de reafirmar suas habilidades).

A garota decide fazer um aborto. Contará com a ajuda das amigas e, depois, do pai, um apicultor interpretado por Rômulo Braga. Mas terá que enfrentar verdadeira via-crucis (até no progressista vizinho do sul, o Uruguai). O filme traz pulsão eletrizante, ritmo denso e tenso. E muito funk, dos mais dançante e aliciadores, ritmo que embalará as imagens de cores fortes da fotógrafa Wilssa Esser, valorizadas pela ágil edição de Eva Randolf.

O sintético título do filme, que a alguns pode parecer abstrato (ou enigmático), tem tudo a ver com a trama. Significa que o time de Sofia vai levantar a bola, coletivamente, no jogo de vôlei. Que a jovem vai levantar a cabeça nos momentos mais difíceis. E vai manter o astral (não há espaço para chororô na trama), graças à sororidade queer que une a equipe mais identitária da história do cinema brasileiro.

Só um time tão unido – e disposto ao “Levante” – poderá enfrentar a força conservadora (fundamentalista), que tudo fará para impedir que a jovem pratique o aborto. Filmes recentes, como o francês “O Acontecimento”, Palma de Ouro em Cannes (baseado em livro da Prêmio Nobel Annie Ernaux), e o documentário “Incompatível com a Vida”, da brasileira Eliza Capai, vencedor do Festival é Tudo Verdade, formam com “Levante” um trio de significativa qualidade dramática e de imensa utilidade.

Até quando, nos perguntamos ao longo da narrativa de Lillah Halla, o Brasil vai continuar na contramão dos países europeus (incluindo nações católicas como a França) e de vizinhos latino-americanos, que já descriminalizaram a prática do aborto?

Afinal, ninguém defende lei que imponha a prática do aborto. Ou seja, que se desrespeite o arbítrio de cada cidadã. Recorrerá a tal direito quem, por princípio, não tomá-lo como transgressão a seus princípios religiosos ou éticos. Simples assim.

 

Levante
Brasil, França, Uruguai, 2023, 99 minutos
Direção: Lillah Halla
Roteiro: María Helena Morán e Lillah Halla
Elenco: Ayomi Domenica, Rômulo Braga, Grace Passô, Zora Santos, Loro Bardot, Glaucia Vandeveld, Onna Silva, Lorre Motta, Isabela Pinheiro, Heloisa Pires, Helô Campelo, Karina Rie Ishida, Lorena Costa
Fotografia: Wilssa Esser
Montagem: Eva Randolph
Trilha sonora: Maria Beraldo (com participação de Badsista e Juçara Marsal) Desenho de som: Waldir Xavier
Distribuição: Lira Filmes e Vitrine

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