“Ainda Estou Aqui” conquista três indicações ao Oscar e faz história
Foto: “Ainda Estou Aqui” © Alile Dara Onawale
Por Maria do Rosário Caetano
“Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, faz história. Pela primeira vez, na quase centenária trajetória do Oscar, um filme brasileiro é indicado na categoria principal da mais cobiçada e midiática estatueta cinematográfica do planeta. Ou seja, figura ao lado de nove produções hollywoodianas e europeias.
O filme, que retrata a complexa história de Eunice Paiva, viúva de um desaparecido político, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado e morto nos porões da ditadura militar, vai disputar mais duas estatuetas, a de melhor atriz, para Fernanda Torres, e a de melhor filme internacional.
Fernanda, intérprete da viúva Eunice Paiva e ganhadora do Globo de Ouro de melhor atriz dramática, repete feito da mãe, Fernanda Montenegro, indicada ao Oscar de melhor atriz, 26 anos atrás, por “Central do Brasil”, do mesmo Walter Salles. Uma história singular e consagradora para duas atrizes latino-americanas.
A indicação da italiana Isabella Rossellini a melhor atriz coadjuvante, pela freira que interpreta em “Conclave”, nos faz lembrar que sua mãe, Ingrid Bergman, atriz da era clássica de Hollywood e de filmes de Rossellini e Bergman, também foi indicada. Outra dupla de mãe e filha na festa do Oscar. Mas em categorias diferentes (protagonista e coadjuvante).
Na categoria melhor filme internacional, “Ainda Estou Aqui” vai enfrentar dois pesos-pesados — o francês “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, o recordista de indicações (treze), e o iraniano “A Semente do Fruto Sagrado”, de Mohammad Rasoulof, que, por razões políticas (perseguição e censura), concorre sob bandeira alemã.
O filme brasileiro com maior número de indicações ao Oscar continua sendo “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles (quatro: direção, roteiro adaptado, fotografia e montagem). Mas a adaptação do livro de Paulo Lins não chegou à categoria principal, ou seja, à de melhor filme (independente de sua origem).

Completam a lista de candidatos a melhor filme internacional (ou filmes falados em outros idiomas, fora o de Shakespeare), o letão “Flow”, belíssima animação criada por Gints Zilbalodis, e o dinamarquês “A Garota da Agulha”, de Magnus von Horn.
Ficaram de fora dois títulos presentes em muitas listas de favoritos – o belo drama “Vermiglio”, da italiana Maura Delpero, e o irlandês “Kneecap, Música e Liberdade”, de Rich Peppiatt. Este doido demais para os padrões da Academia de Arte e Indústria Cinematográfica de Hollywood, mesmo nessa fase de abertura e expansão para outros continentes e povos. São já quase dez mil associados e votantes.
Além de “Emilia Pérez”, que sobreviveu à campanha de detratores, liderada pelo influente pensador espanhol Paul Preciado e parte da ‘intelligentsia’ mexicana, e — mesmo assim — cravou 13 vagas, três a mais que o épico “O Brutalista” e o musical “Wicked”, de Jon W. Chu (dez indicações cada), “Conclave”, de Edward Berger, e “Um Completo Desconhecido”, de James Mangold (com oito cada), “Anora”, de Sean Baker (com seis) e “A Substância”, da francesa Coralie Farget (com cinco).
Curioso notar que há duas produções francesas na lista dos “Dez mais do Oscar – edição 97”. Além do recordista “Emilia Pérez”, falado em espanhol e ambientado no México (embora filmado em locações francesas), há que se lembrar que “A Substância” é uma produção gaulesa, embora falada em inglês e com elenco anglo-saxão. Por isso, a imprensa francesa enquadra os longas de Audiard e Fargeat como “filmes globalizados”.
Com ou sem restrições, há que se exaltar a abertura do Oscar ao cinema do mundo. Depois de “O Artista”, do francês Michel Hazananavicius, e do fenomenal “Parasita”, do coreano Bong Joon-ho (ambos vencedores do prêmio principal), é hora de festejar o placar de 7 (para os anglo-saxões) a 3 (para os latinos, representados pela “França globalizada” e pelo Brasil – este com atores, técnicos e história brasileiros e a língua portuguesa como meio de expressão).
Outras “geografias” brilham, ainda, nas categorias melhor longa documental e melhor longa de animação. No primeiro caso, os grandes destaques são o palestino-israelense “No Other Land”, de quarteto binacional (formado com Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abrahão e Rachel Szor), o japonês “Diários da Caixa Preta”, de Shiori Ito, diretora que distribuiu simpatia no Festival É Tudo Verdade, em São Paulo, e o belga “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, de Johan Grimonprez. A presença deste filme na competição mostra que o cosmopolitismo vem crescendo na festa da estatueta dourada, careca e assexuada.
O belga Grimonprez bota para quebrar em seu acelerado libelo anti-imperialista. Coloca seu país natal (que explorou o Congo Belga com brutalismo aterrador), os EUA, a Inglaterra, a Holanda e a França como sujeitos da rapina colonial-assassina. E toma como paradigma simbólico da ação imperial-colonialista (na África) o caso de Patrice Lumumba (1925-1961), cujo centenário de nascimento é lembrado este ano. O dele, presidente eleito do Congo, deposto e assassinato por forças reacionárias, e o do médico e pensador Frantz Fanon.
O cosmopolitismo, que vai ganhando espaço na mais anglo-saxã das festas cinematográficas do mundo, se faz notar também na categoria longa de animação. Um filme vindo da Letônia, “Flow”, deliciosa reinvenção do mito bíblico da Arca de Noé, recebeu duas indicações (além de animação, é candidato a melhor filme internacional).
O império Disney, que reina absoluto há décadas e décadas oscarizadas, perde espaço também para países de língua inglesa, como a Austrália, com o cativante (encantador e imperdível!) “Memórias de um Caracol”, produção independente dirigida por Adam Elliot, e para o britânico “Wallace & Gromit: Avengança”, de Nick Park e Merlin Crossinghan.
A linha de frente hollywoodiana marca presença com um dos maiores blockbusters dos tempos contemporâneos — “Divertida Mente 2”, de Kelsey Mann, e “Robô Selvagem”, de Chris Sanders (EUA).
A cerimônia de premiação do Oscar 2025 (Ano 97) acontecerá em uma Los Angeles traumatizada por terríveis incêndios, no dia dois de março, um domingo de Carnaval.
Confira os finalistas:
MELHOR FILME
. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (Brasil)
. “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard (França)
. “A Substância, de Coralie Fargeat (França)
. “O Brutalista”, de Brady Corbet (EUA, Reino Unido)
. “Conclave”, de Edward Berger (Reino Unido, EUA)
. “Nickel Boys”, de RaMell Ross (EUA)
. “Anora”, de Sean Baker (EUA)
. “Wiked”, de Jon M. Chu (EUA)
. “Duna: Parte 2”, de Denis Villeneuve (EUA-Canadá)
. “Um Completo Desconhecido”, de James Mangold
. “A Verdadeira Dor”, de Jesse Eisenberg (EUA)
MELHOR FILME INTERNACIONAL
. “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles (Brasil)
. “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard (França)
. “A Semente do Fruto Sagrado”, de Mohammad Rasoulof (Alemanha)
. “A Garota da Agulha”, de Magnus von Horn (Dinamarca)
. “Flow”, de Gints Zilbalodis (Letônia)
MELHOR ATRIZ
. Fernanda Torres (“Ainda Estou Aqui”)
. Cynthia Erivo (“Wicked”)
. Karla Sofía Gascón (“Emilia Pérez”)
. Mikey Madison (“Anora”)
. Demi Moore (“A Substância”)
MELHOR DOCUMENTÁRIO (Longa-Metragem)
. “No Other Land”, de Basel Adra, Hamdan Ballal, Yuval Abrahão e Rachel Szor (Palestina, Israel)
. “Sugarcane”, de Julian Brave NoiseCat e Emily Kassie (internatos católicos para crianças indígenas)
. “Filhas” (“Daughters”), de Natalie Rae e Angela Patton (EUA) – Netflix
. “Diários da Caixa Preta” (“Black Box Diaries”), de Shiori Ito (Japão)
. “Trilha Sonora para um Golpe de Estado” (“Soundtrack to a Coup d’Etat”), de Johan Grimonprez (Bélgica/França/Holanda)
. “Guerra de Porcelana” (“Porcelain War”), de Brendan Bellomo e Slava Leontyev (EUA/Ucrânia)
MELHOR ANIMAÇÃO (Longa-Metragem)
. “Memórias de um Caracol”, de Adam Elliot (Austrália)
. “Flow”, de Gints Zilbalodis (Letônia)
. “Divertidamente 2”, de Kelsey Mann (EUA)
. “Robô Selvagem”, de Chris Sanders (EUA)
. “Wallace & Gromit: Vengeance Most Fowl”, de Nick Park e Merlin Crossinghan (Reino Unido)
MELHOR DIREÇÃO
. Jacques Audiard (Emilia Pérez)
. Brad Corbet (“O Brutalista”)
. Sean Baker (“Anora”)
. Coralie Fargeat (“A Substância”)
. James Mangold (“Um Completo Desconhecido”)
MELHOR ATOR
. Adrien Brody (“O Brutalista”)
. Ralph Fiennes (“Conclave)
. Timothée Chalamet (“Um Completo Desconhecido”)
. Colman Domingo (“Sing Sing”)
. Sebastian Stan (“O Aprendiz”)
MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
. Monica Barbaro (“Um Completo Desconhecido”)
. Ariana Grande (“Wicked”)
. Zoe Saldaña (“Emilia Pérez”)
. Felicity Jones (“O Brutalista”)
. Isabella Rossellini (“Conclave”)
MELHOR ATOR COADJUVANTE
. Yura Borisov (“Anora”)
. Kieran Culkin (“A Verdadeira Dor”)
. Edward Norton (“Um Completo Desconhecido”)
. Guy Pearce (“O Brutalista”)
. Jeremy Strong (“O Aprendiz”)
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
. James Mangold (“Um Completo Desconhecido”)
. Jacques Audiard (“Emilia Pérez)
. RaMell Ross (“Nickel Boys”)
. Peter Straughan (“Conclave”)
. Greg Kwedar, Clint Bentley (“Sing Sing”)
MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
. Sean Baker (“Anora”)
. Brady Corbet, Mona Fastvold (“O Brutalista”)
. Jesse Eisenberg (“A Verdadeira Dor”)
. Coralie Fargeat (“A Substância”)
. Moritz Binder, Tim Fehlbaum (“Setembro 5”)
MELHOR FOTOGRAFIA
. “O Brutalista”
. “Duna: Parte 2”
. “Emilia Pérez”
. “Maria”
. “Nosferatu”
MELHOR MONTAGEM
. “Anora”
. “O Brutalista”
. “Conclave”
. “Emilia Pérez”
. “Wicked”
MELHOR CABELO E MAQUIAGEM
. “Um Homem Diferente”
. “Emilia Pérez”
. “Nosferatu”
. “A Substância”
. “Wicked”
MELHOR TRILHA SONORA
. “O Brutalista”
. “Conclave”
. “Emilia Pérez”
. “Wicked”
. “Robô Selvagem”
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
. El Mal (“Emilia Pérez”)
. The Journey (“The Six Triple Eight”)
. Like A Bird (“Sing Sing”)
. Mi Camino (“Emilia Pérez”)
. Never Too Late (“Elton John: Never Too Late”)
MELHOR DOCUMENTÁRIO (Curta-Metragem)
. “Death by Numbers”
. “I Am Ready, Warden”
. “Incident”
. “Instruments of a Beating Heart”
. “The Only Girl in the Orchestra”
MELHOR SOM
. “Um Completo Desconhecido”
. “Duna: Parte 2”
. “Emilia Pérez”
. “Wicked”
MELHORES EFEITOS VISUAIS
. “Alien: Romulus”
. “Better Man”
. “Duna: Parte 2”
. “O Reino do Planeta dos Macacos”
. “Wicked”
MELHOR ANIMAÇÃO (Curta-Metragem)
. “Beautiful Men”
. “In the Shadow of the Cypress”
. “Magic Candies”
. “Wander to Wonder”
. “Yuck!”
MELHOR CURTA (Live-Action)
. “A Lien”
. “Anuja”
. “I’m Not a Robot”
. “The Last Ranger”
. “The Man Who Could Not Remain Silent”
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