“Deuses da Peste” e “Um Minuto É uma Eternidade” conquistam o Troféu Barroco na Mostra de Tiradentes

Foto © Leo Lara/Universo Produção

Por Maria do Rosário Caetano, de Tiradentes (MG)

A Mostra de Cinema de Tiradentes elegeu o longa mineiro “Deuses da Peste”, da dupla Tiago Mata Machado e Gabriela Luíza, como o melhor filme do segmento Olhos Livres. A decisão coube ao júri oficial, presidido pelo ator Carlos Francisco (“Marte 1” e “Estranho Caminho”).

O Júri Jovem, por sua vez, optou pelo sergipano “Um Minuto é uma Eternidade para Quem Está Sofrendo”, de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro, como o vencedor da Mostra Aurora, destinada a diretores estreantes.

O reconhecimento ao filme de Thiago e Gabriela se fez sob provocante justificativa do corpo de jurados: por “começar do meio e não se estabilizar em lugar nenhum”, dotado “da coragem de experimentar o desvio”. E mais: por “usar múltiplas materialidades e ferramentas de linguagem para expandir a percepção da matéria filmada”.

O quarto longa de Thiago Mata Machado, agora em parceria com uma das atrizes do filme, Gabriela Luíza, mostra um coletivo artístico, unido em torno de um velho ator, apaixonado por Shakespeare, mas distante do exercício de seu ofício. Cercado de fantasmas, num casarão paulistano, o velho e os jovens estabelecerão verdadeiro corpo-a-corpo artístico-existencial, tendo o Brasil em transe da era Bolsonaro como pano de fundo. Produzido sem recursos vindos de editais, o filme brota da paixão e entrega de seus atores.

O longa sergipano, o primeiro assinado por Fábio e Wesley, dura sintéticos 61 minutos e registra o louco cotidiano de Wesley Pereira de Castro (seu performático protagonista) em tempos de pandemia. Numa casa da periferia de Aracaju, ele enfrenta a pulsão de morte assistindo aos mais diversos DVDs (de Nuri Bilge Ceylan a Adirley Queirós), lendo Deleuze e praticando sexo solitário. E com desmedida fixação no pênis e no ânus. O crítico argentino Roger Koza, observou — durante debate com curadores de festivais internacionais — que a Mostra de Tiradentes 2025 será lembrada como “o festival do pênis”. Tantos foram os filmes que, farta e obsessivamente, expuseram o órgão sexual masculino. Note-se que não se vê, nos filmes femininos, semelhante necessidade de exposição de vaginas e ânus.

O prêmio atribuído pelo Júri Popular, ao qual concorreram 27 longas-metragens, coube, como luva, ao aliciante “Três Obás de Xangô”, do baiano Sérgio Machado (produção de Diogo Dahl Pereira dos Santos). Jorge Amado, Dorival Caymmi e Carybé imantam a tela com suas conversas e imagens, temperadas com alegria e saborosa picardia baiana. Um documentário que tem sido assistido com o prazer dedicado às melhores ficções. Por isso, os “Obás de Xangô” derrotaram muitos elencos e tramas ficcionais.

A Mostra Tiradentes é — alvíssaras! — econômica na distribuição de prêmios. O que é ótimo, pois não repete as costumeiras “reformas agrárias” promovidas por eventos tradicionais como Brasília e Gramado (há mais de 400 festivais espalhados pelo país).

Cannes, Veneza e Berlim reúnem média de 20 filmes e concentram suas Palmas, Leões e Ursos em cinco ou seis troféus. No Brasil, distribuir mais de 20 prêmios parece “normal”, corriqueiro. Mesmo que sejam selecionados apenas cinco (pouco demais!), seis ou sete concorrentes. Por isso, as festas de premiação duram uma eternidade (monótonas e hipercansativas).

No caso de Tiradentes, que esse ano deu um ‘up grade’ na Mostra Olhos Livres (homenagem ao cineasta Carlos Reichenbach), havia sete longas para análise do júri. Mas só um prêmio (melhor filme). Mesmo padrão da Mostra Aurora (que programou seis longas).

Se houvesse mais dois prêmios — um “Especial do Júri” e outro de “melhor interpretação” —, o filme pernambucano “A Vida Secreta de meus Três Homens”, de Letícia Simões, teria seus méritos reconhecidos. Afinal, este filme e o vencedor “Deuses da Peste” constituíram os melhores momentos da competição.

Um Troféu Barroco de “melhor interpretação” poderia reconhecer o trabalho iluminado de dois grandes atores — o jovem baiano Murilo Sampaio e o paulista Paulo Gaya. O primeiro atuou em “A Vida Secreta de meus Três Homens”, o segundo em “Deuses da Peste”.

Murilo interpreta Sebastião, um fotógrafo (retratista da vida doméstica) homoafetivo e imanta tamanha sensibilidade e delicadeza, que conquista espaço cativo em nossa memória.

O veterano Paulo Gaya, por sua vez, interpreta um homem de teatro, soma de Zé Celso Martinez Correa com um quê de Paulo Autran, dedicado ao teatro coletivo e, também, a clássicos de Shakespeare. E o faz de forma apaixonante.

A Mostra Tiradentes atribui, anualmente, o Prêmio Helena Ignez a uma atriz, esteja ela num longa ou num curta-metragem. Esse ano a vencedora foi a alagoana Ticiane Simões, pelo curta “Entre Corpos”.

Não houve, porém, um prêmio — um que fosse — para o devido reconhecimento a trabalhos dotados da imaginação e corporalidade de Gaya e Sampaio. Num ano em que, nos longas-metragens, houve bons trabalhos femininos, mas nenhum arrebatador como o dos atores baiano e paulista, faltou sensibilidade da curadoria e, principalmente, do Júri da Mostra Olhos Livres, desatento à necessidade de criação de troféu para um ou, quem sabe, os dois luminosos atores.

Confira os premiados:

. “Deuses da Peste”, de Tiago Mata Machado e Gabriela Luíza (MG/SP) – melhor longa da Mostra Olhos Livres ( Prêmio Carlos Reichenbach-Troféu Barroco)

.“Um Minuto é uma Eternidade para Quem Está Sofrendo”, de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro (SE) – melhor filme da Mostra Aurora

. “Entre Corpos”, de Mayra Costa (AL) – melhor curta-metragem da Mostra Foco e Prêmio Helena Ignez de “destaque feminino” (para a atriz  Ticiane Simões)

. “Desconstruindo Lene”, de Guilherme Maia (BA) – melhor curta da Mostra Formação (filmes universitários)

. “Parque de Diversões”, de Ricardo Alves Jr. (MG) – Prêmio da Crítica (Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema) – Mostra Autorias

. “3 Obás de Xangô”, de Sergio Machado (RJ-BA) – melhor longa-metragem pelo Júri Popular

. “Dois Nilos”, de Samuel Lobo e Rodrigo de Janeiro (RJ) – melhor curta pelo Júri Popular

. “A Voz de Deus”, de Miguel Antunes Ramos (SP), prêmio Work in Progress (WIP) – Conexão Brasil CineMundi

. “Morte e Vida Madalena”, de Guto Parente (CE) – Prêmio Málaga WIP, outorgado pelo Fidba (Festival Internacional de Documentários de Málaga- Espanha)

. “Marmita”, de Guilherme Peraro (Londrina-Assis) – Prêmio Canal Brasil

. “Prédio Vazio”, de Rodrigo Aragão (ES) – Prêmio da Distribuidora Retrato Filmes

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