Nuno Leal Maia revê sua trajetória como ator e lamenta opção da Rede Globo por “influencers”

Por Maria do Rosário Caetano

Nuno Leal Maia anda distante das telenovelas. E nada satisfeito com os rumos tomados pela Rede Globo, emissora, agora sexagenária, que o transformou em astro de muitos folhetins. Dois deles, então, lhe renderam admiradores fiéis – “A Gata Comeu”, de Ivani Ribeiro (1985), e, principalmente, “Mandala”, de Dias Gomes, Marcílio Moraes e Lauro César Muniz (1987), na qual “roubou a festa”.

Nuno caiu na boca (e estima) do povo pelos galanteios de seu personagem, o bicheiro Tony Carrado, um grosseirão de bons sentimentos, louco por sua deusa, Jocasta Silveira (Vera Fischer). Como a telenovela era livremente inspirada em “Édipo Rei”, de Sófocles, dava para concluir que a bela mulher iria se envolver com Édipo (Felipe Camargo), filho de quem fôra separada mal ele nascera.

Numa calorenta tarde de sábado (9 de fevereiro), Nuno Leal Maia, nascido em Santos, litoral paulista, em 17 de outubro de 1947, foi conhecer a recém-criada Casa das Culturas do município.

Ao lado de dois amigos de infância e juventude – o expansivo empresário Geraldo Pierotti e o discreto desembargador Vladimir Freitas –, Nuno reviu sua trajetória como ator, jogador (do juvenil dos Santos), técnico e nadador. Avisou, repetidas vezes, não saber viver longe do mar.

“Nunca fui piscineiro, meu negócio é nadar no mar”, lembrou. Primeiro, nas praias (menos poluídas) da Santos de sua juventude e, agora, no Rio de Janeiro, onde vive desde 1976, quando foi contratado pela Rede Globo. Escolheu o bairro de Botafogo para curtir sua maturidade (completou 77 anos em outubro do ano passado).

O encontro de Nuno Leal Maia com seus conterrâneos foi animadíssimo. Ele respondeu a dezenas de perguntas. E curtiu as brincadeiras e provocações dos dois amigos. Principalmente de Pierotti. Respondeu, também, sempre muito sintético, a pedidos de informações do diretor artístico da Casa das Culturas, Flávio Viegas Amoreira, e de pessoas, como ele, de origem santista. Respondeu, também, a duas perguntas da Revista de CINEMA.

Sempre com muito bom humor e fartas doses de ironia, Nuno relembrou sua infância feliz e sua juventude dividida entre jogos de futebol, praia, festas (inclusive na Ilha Porchat) e os estudos. Jurou que, ao contrário dos amigos Geraldo e Vladimir, era “péssimo aluno”. Daqueles que “só passavam de raspão”.

Foi estudar Economia na faculdade. Mas não se dava com os números. Era “péssimo em contabilidade, pois não gostava de matemática”. Passou a desconfiar que estava no curso errado. Resolveu, então, tomar jeito e mudar-se para São Paulo, em 1968. Passou a frequentar “um ótimo cursinho, o CAP”, que ficava “próximo a um quartel de milicos e eu, ali, com o cú na mão, pois os tempos eram brabos”.

Levou o curso preparatório muito a sério. “Tanto que fui aprovado nas três opções que escolhi: Ciências Sociais, História e Comunicação Social”.

Acabou escolhendo Ciências Sociais, mas a desilusão veio logo. “Era uma bagunça geral. Tempos muito conturbados. Eu tinha que trabalhar numa agência do Banco Comércio e Indústria para me manter, pois meu pai não me deu moleza”.

Encontrou seu destino ao conhecer a turma da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo). “Vi de cara que aquela era minha tribo. A arte era minha paixão. Um colega, Kiko Jaess, trabalhava no Teatro Paiol, mantido por Miriam Mehler e Perry Salles. Comecei a circular por lá. E aí veio o espetáculo ‘Hair’. Fiquei de stand by, esperando uma chance. Que viria quando o Adhemar Guerra me convocou para uma substituição. Eu era iniciante, mas fui na cara e na coragem. A ordem de Guerra era precisa: ‘Siga o Ricelli (o ator Carlos Alberto Ricelli)”.

“Já começou peladão?”, provocou o amigo Geraldo Pierotti.

“Não” – esclareceu Nuno –, “comecei de roupa. Foi nos EUA que atores, hippies, encenavam seus personagens pelados para protestar contra a Guerra do Vietnã”. No Brasil, “nós saíamos de dentro de um pano branco, com luz perfeita e envolvente”.

Pierotti atacou com nova provocação: Aí veio o “Bem Dotado”.

Nuno começou no cinema, com sua bela estampa (e corpo dourado pela paixão de nadador) em pornochanchadas, filmes que fariam da Boca do Lixo uma usina de sucessos populares (ou popularescos).

Os títulos eram divertidos: “A Virgem”, “Cada um Dá o que Tem”, “O Quarto da Viúva”, “Elas São do Baralho”. Mas sucesso, mesmo, ele fez com “O Bem Dotado” ou “O Homem de Itú”, dirigido, em 1977, por José Miziara e produzido por Aníbal Massaini.

– “Esse filme teve Anselmo Duarte como fonte de inspiração. O ator (e cineasta) vivia se gabando do tamanho de seu órgão sexual. Ele era de Salto, ao lado de Itú, cidade que se orgulhava (se orgulha, ainda!) de ter tudo em tamanhos avantajados. Então, o diretor palmaré (com “O Pagador de Promessa”) se sentia a encarnação do “Homem de Itú”. Adorei interpretar o personagem, homenagem ao grande Anselmo. E, também, homenagem a Mazaroppi, um de meus ídolos. Na minha juventude, a Avenida Ana Costa, tão importante para Santos, era uma verdadeira Cinelândia. Somava sete ou oito cinemas. O Iporanga, o Roxy, o Caiçara… Meus sábados à noite eram dedicados aos filmes do italiano Totò. Eu era louco por ele. E não perdia um filme de Mazaroppi.

— E Oscarito e Grande Otelo?

— “Amava os dois. Um dia Carlos Manga me dirigiu num trabalho na Globo. Que emoção. Trabalhar com aquele homem que dirigira Oscarito e Grande Otelo! Eu vi “Nem Sansão, nem Dalila” muitas vezes seguidas. Adorava as chanchadas. Além de Grande Otelo, com quem trabalhei em “Mandala”, tive a honra de conhecer Cyll Farney, na Tycon. Que emoção conversar com ele.

Os amigos provocam: “E Alberto Sordi? Você era louco por ele”.

– “O Joffre Rodrigues, filho do Nélson, nosso grande dramaturgo, trabalhava no IBC (Instituto Brasileiro do Café), em Milão. Quando acontecia, na França, o Festival de Cannes, ele montava um bar para divulgar e vender nosso café. Um dia, eu estava com ele, jogando conversa fora, quando Alberto Sordi apareceu por lá. Eu quase tive um troço. Um dos melhores atores que conheci.

A conversa toma caminho mais sério: “o que Nuno vem fazendo no cinema, na TV ou no teatro? De qual dessas linguagens gosta mais?”.

Depois de avisar que é “um preguiçoso”, Nuno conta que fez participação especial no filme “Trópico de Leão”, de Luna Alkalay, amiga dos tempos uspianos.

– “Ela estudava Filosofia e era namorada do Aloysio Raulino, um dos alunos do curso de Cinema da ECA-USP. Agora, tenho convite para atuar num filme, em Santa Catarina, ‘Sangue de Groselha’, que se propõe a ser uma espécie de “Jovem Frankenstein”, meio thriller, meio humor.

— Quanto a uma possível preferência, avisa, “não tenho. Me preparei, na ECA-USP, para ser diretor de cinema. Fiz alguns curtas, mas me tornei, pra valer, ator. Ofício que adoro exercer. Seja no cinema, na TV ou no teatro. Mas sei que o teatro é a base de tudo. Fiz muitos trabalhos no palco. Muitos”.

Por que Nuno Leal Maia não escreve a própria biografia, para – assim – relembrar sua rica trajetória artística?

Por que não faz um monológo como “Eu Não me Entrego, Não”, protagonizado por Othon Bastos, de 91 anos? Este espetáculo vem lotando teatros no Rio (e chegará a São Paulo no dia 20 de março próximo, no Sesc 14 Bis).

Nuno relembra que é “um preguiçoso”. Só escreverá uma autobiografia se contar com parceiro para ajudá-lo.

Sobre o monólogo, se penitencia: “sabem que não fui ver o Othon Bastos ainda!”. Conta que ouviu muitos elogios ao espetáculo do colega baiano, mas que acaba enfiado dentro de casa, em Botafogo, achando o teatro no bairro da Gávea “muito distante”.

E a TV Globo entra em cena, para valer. Uma fã do ator conta que integra um grupo de “Gatomaníacos”. Que vem a ser um fã-clube de “A Gata Comeu”, novela das seis, que fez muito sucesso quatro décadas atrás. Nuno interpretava o Prof. Fábio Coutinho, que acaba encontrando uma mulher geniosa (Christiane Torloni). Ela havia interrompido sete noivados. Ao naufragar, durante excursão de barco, no local onde vive o professor, a socialite vai bater de frente com ele. Começam os choques, pois têm temperamentos opostos. Será Fábio o homem que vai domar a fera Jô Penteado?

Nuno relembrou esse trabalho, que veio dois anos antes de seu magnético (e aliciador) Tony Carrado.

Um parêntese: diz a lenda que bicheiros cariocas, liderados por Castor de Andrade, envolveram-se, de tal forma com o personagem  criado por Dias Gomes, que convidaram Nuno para treinar o Bangú (Castor mandava no time futebolístico e na Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel).

Nuno aceitou o desafio. Mas percebeu que o poderoso bicheiro não dava a ele a liberdade necessária. Estava mais interessado em Tony Carrado, que no técnico de carne e osso que deveria treinar os atletas.

Voltemos, pois, ao folhetim “A Gata Comeu”, de recorte infanto-juvenil, que este ano reunirá fãs na Urca carioca, para festejar seus 40 anos:

– “Pois é, essa novela resultou em um grande sucesso. No começo, não fiquei muito entusiasmado. A Ivani Ribeiro (1916-1995) não era do primeiro time de dramaturgos da Globo. Mas o diretor Herval Rossano me convenceu e eu embarquei naquela trama das seis, bem ligth. O resultado foi mobilizador, impressionante. É só reprisar, que faz sucesso”.

Cínthia, a fã de “A Gata Comeu”, presente na Casa das Culturas, lembrou que Ivani Ribeiro nasceu em São Vicente (município colado em Santos). E que, anualmente, a cidade dedica à teledramaturga a “Semana Ivani Ribeiro”. E que o evento mobiliza centenas de interessados. E conta com a colaboração de Solange Castro Neves, parceira fiel da autora vicentina.

Um assunto volta ao centro da conversa: a TV Globo atual. Nuno diz que as novelas não fazem o sucesso de outrora por várias razões. Enumerou a que lhe parece a mais importante – “não houve renovação de atores”. E indaga: “Como fazer boas novelas com influencers?”

Dá um exemplo: “Nosso elenco de ‘Mandala’ era poderoso – Gracindo Jr! Osmar Prado! Raul Cortez! Gianfrancesco Guarnieri! Imara Reis! (a atriz carioca, agora radicada na Baixada Santista, estava presente na plateia do debate)”.

Nuno prosseguiu: “Dia destes, vi Betty Faria cercada de uns cinco ou seis desconhecidos numa telenovela. A TV Globo resolveu apostar em influencers. Os grandes elencos dos anos de ouro não são mais reunidos”.

Nova provocação para Nuno: “o que é mais fácil – ser ator ou treinador de futebol?”

Ele responde: “As duas atividades são difíceis, mas ser ator tem uma vantagem. Você tem que cuidar do seu personagem, colocar seu corpo a serviço dele. Já no futebol, você tem que cuidar do grupo, de uns 30 carentes, cheios de problemas. Hoje, os jogadores são muito carentes. Nada que lembre os tempos de Zagalo, Didi, Vavá, Pelé, Zito. Estes sim, formavam times brabos”.

E vem uma provocação, agora de sua própria lavra: “Vejam o Neymar! Ele nunca será um craque, um vencedor de Copa do Mundo. Por que? Porque não quer. Ele vive fora da realidade. Tenho para mim que os argentinos, sim!, ainda jogam pela Pátria, jogam pelo conjunto. Já aqui, os atletas jogam pelo dinheiro!”

A Revista de CINEMA dirigiu a Nuno Leal Maia duas perguntas. Uma sobre “Ato de Violência”, o mais dramático dos filmes em que atuou, dirigido por Eduardo Escorel (1979). Nesse longa, coube ao ator, sempre ligado a personagens bonitões, praieiros, sexualizados e bem-humorados, interpretar um personagem trágico, Antônio, recriação de Chico Picadinho. Um criminoso que matou e retalhou o corpo de uma mulher, depois de outra, colocando as partes numa mala.

O filme de Eduardo Escorel começa com o segundo assassinato cometido por Antônio, que vinha do cumprimento de pena no sistema prisional, por idêntico assassinato, seguido de esquartejamento. Fôra liberado por bom comportamento e por laudo psiquiátrico, que o dava como pessoa reabilitada, portanto apta à convivência social.

O trabalho de composição rendeu a Nuno Leal Maia o Prêmio Air France de melhor ator.

A outra questão: que relembrasse a experiência, vivida em Brasília, com “Louco por Cinema”, filme de André Luiz Oliveira, vencedor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1994. E que lhe renderá o Troféu Candango de melhor ator.

Neste filme, Nuno interpreta Lula, um jovem, que, nos anos 1970, acompanhava as filmagens de longa-metragem do cineasta Eugênio (este morreria em pleno processo de criação). Lula, enlouquecido, acabaria internado num hospital psiquátrico. Vinte anos depois, mobilizaria os colegas internos, tornando-se o líder de inesperada rebelião.

Juntos, sequestrariam a Comissão de Direitos Humanos, em visita ao hospício. Em troca da liberação dos reféns exigiam câmara e película para concluir o filme inacabado. Lula tentará solucionar, voltando a filmar, o ‘enigma da loucura’. Pela magia do cinema.

Nuno Leal Maia – sempre tão brincalhão – assumiu ar sério para falar dos dois trabalhos, em especial de “Ato de Violência”:

– “Eduardo Escorel era, e continua sendo, uma pessoa muito meticulosa, calma, sossegada. Sabe aquele cara que mata sorrindo?! Fazer ‘Ato de Violência’ com ele e o irmão, o diretor de fotografia Lauro Escorel, foi uma experiência incrível. Não nego que o roteiro poderia ter sido melhor elaborado. Ganhei o Air France de melhor ator, um prêmio respeitadíssimo. Eu e a Fernanda Montenegro (ela por “Eles Não Usam Black-Tie”). Interpretar um assassino cruel me deu muito trabalho. Um personagem inspirado numa pessoa viva, do mal. Então, você carrega muita coisa ruim para dentro de você. Fiz uma sequência em que eu aparecia entre os detentos. Todos sentenciados. Só eu lá, sozinho. Às vezes, a Selma Egrei (nome importante do elenco feminino) ia me dar uma força. Mas o clima era pesadíssimo. Houve momentos em que eu chegava ao hotel, onde estava hospedado, à noite, e caía em crise de choro. O astral da penitenciária era pesado. E um dia o Escorel me avisou: “vamos filmar todos os pavilhões lá de cima. Você estará no meio dos presos, vestido como eles. E eles lá, fumando o bagulho deles. Voltei para o hotel tomado por uma tristeza que não cessava”.

Nuno prossegue: “Até onde esse filme vai?, me perguntava. Comentei com um amigo, Fernando, que é espírita, o que eu estava passando. Era muito sofrimento. Mas parece que só ganha prêmio quem sofre. ‘Ato de Violência’ é o filme mais forte que eu fiz. Sabe que o Chico Picadinho ainda está vivo?! E, durante as filmagens, vi um cara sentado e pensei – “eu conheço esse sujeito”. Era ele. Que tinha certa liberdade no presídio, por bom comportamento. Mas eu entrei e saí do personagem. Claro que ele impregna na gente. Mas não saí dessa experiência como o Guilherme de Pádua, que matou a filha da Glória Perez, pois misturou tudo. Vida e novela”.

Sobre “Louco por Cinema”: “O André é um baiano que mora em Brasília, um talento indiscutível. Ele realizou ‘Louco por Cinema’ tendo o José Luiz Penna, sim, o cara do PV (Partido Verde) como assistente de direção. Guardo ótimas lembranças do trabalho do André, do Penna e de toda a equipe. Reencontrei o Penna muitas vezes. Ele sempre me pedia apoio para as lutas dele na política. Ele esperava um ministério no Governo Lula ou Dilma. Não conseguiu. Eu brincava com ele: ‘vai plantar árvore, cara! Larga esse negócio de gabinete! Ele acabou voltando para a Bahia”.

Para encerrar, Nuno Leal Maia reassume, na Casa das Culturas de Santos, o papel que mais gosta: o de ator que ama, além da água, tirar sarro dos amigos. E de si mesmo: “se fui despachante de alfândega? Eu não! Meu pai, sim. Eu fui no máximo um chupim”.

“Sou muito preguiçoso. Adoro ficar na água, a água me faz muito bem. Sabe que uma vez eu estava no Hotel Tropical, em Manaus, e mesmo não sendo piscineiro, resolvi fazer um ‘exercício de peixe’ na piscina. Um exercício que durou três horas dentro. Era noite e estava sozinho”.

“Minha mulher diz que eu sou mala, uma maleta. Creio que estamos aqui (no planeta) pagando alguma coisa”. E enche o rosto com mais um sorriso largo.

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