“A Cor do seu Destino”, de Jorge Durán, renasce em cópia restaurada na programação da Cinemateca do MAM
Por Maria do Rosário Caetano
O filme “A Cor do seu Destino”, que somou política e juventude, diálogos descolados e dores do exílio, está de volta. E isso acontece sob o comando de um exilado político, o cineasta e roteirista Jorge Durán, quase 40 anos depois de sua consagração no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Nessa quinta-feira, o realizador chileno-brasileiro, de 82 anos, apresentará seu longa-metragem mais famoso ao público da Cinemateca do MAM-Rio. Em cópia restaurada, que requalifica as imagens assinadas por José Tadeu Ribeiro. E as intervenções plásticas de seu protagonista, o jovem pintor Paulo (Guilherme Fontes).
O rapaz, nascido no Chile, vive na Zona Sul carioca com os pais, a brasileira Laura (Norma Bengell) e o chileno Victor (Franklin Caicedo). Tomado por angustiantes lembranças do irmão, Victor Júnior (Chico Diaz), morto pelo aparato repressivo da ditadura Pinochet, o jovem Paulo transforma seu quarto em bagunçado ateliê. Suas criações, de grande beleza visual, foram feitas por Florência Grassi. A visualidade do filme é enriquecida por “vidros-transparências” capazes de reinventar as montanhas nevadas dos Andes. Criações de Arturo Uranga, usadas como recurso metalinguístico por Durán, sob inspiração brechtiana.
Na trilha sonora do filme, assinada por David Tygell, destaque para os matadores solos de guitarra de Heitorzinho TP. No Festival de Brasília, o músico conquistou fãs de imediato (assim como a catártica cena da lata de tinta vermelha, levada por Paulo e suas duas namoradas — em arriscada performance — ao Consulado do Chile).
Os sons brasileiros se somam a sonoridades andinas, a cargo do coletivo Los Jaivas. O cartaz de Fernando Pimenta também ficou impresso nas retinas de muitos fãs do filme e foi premiado no Festival da Juventude, em Gijón, na Espanha.
Em 1986, “A Cor do seu Destino” conquistou seis prêmios no Festival de Brasília – melhor filme, diretor, ator coadjuvante (Chico Diaz), atriz coadjuvante (Júlia Lemmertz), roteiro (Durán, Nelson Nadotti e José Joffily) e Prêmio da Crítica. Os troféus Candango coroavam a “verdadeira estreia” do roteirista consagrado de uma dezena de filmes. Entre eles, “Pixote, a Lei do Mais Fraco” e “Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia”, de Babenco, e do aliciante “Nunca Fomos Tão Felizes”, de Murilo Salles.
A “estreia para valer” de Durán custou – segundo seu testemunho – “apenas 200 mil dólares” e nasceu de solidário mutirão de talentos. A narrativa é aberta com um documentário de arquivo sobre o Chile. Vemos a derrota do governo Allende, o Palácio de la Moneda em chamas e o triunfo de ditadura militar comandada por Pinochet. O material traz a assinatura de Walter Salles. A voz de Roberto D’Avila sintetiza o que se passou em Santiago naquele trágico 11 de setembro de 1973.
O elenco de “A Cor do seu Destino” é encabeçado, além de Guilherme Fontes (então astro das telenovelas da Globo), por Norma Bengell, Franklin Caicedo e Chico Diaz. A eles, soma-se trinca jovem que teria, dali em diante, presença marcante no audiovisual brasileiro: Julia Lemmertz, Andrea Beltrão e Marcos Palmeira. E, na retaguarda, galera estrelada: Bebel Gilberto, Leon Góes, Anderson Muller, Paulinho Moska, Márcia Barreto, Marise Farias, Letícia Monte, Duda Monteiro e o saudoso Luiz Maçãs (1963-1996). Em participações especiais, Tito Ameijeiras (cônsul do Chile), Robert Lee (oficial) e Antônio Grassi (professor).
O cineasta Jorge Durán chegou ao Brasil na primeira metade da década de 1970, cercado de curiosidade e interesse. Afinal, iniciara-se no cinema pelas mãos do greco-francês Constantin Costa-Gavras, em produção internacional — “Estado de Sítio”, ficção rodada no Chile de Allende, já que o Uruguai vivia sob ditadura militar. Uma ditadura hostil ao tema em foco: o sequestro, pelos Tupamaros, do agente norte-americano Dan Mitrione, ocorrido em solo uruguaio. Coube ao jovem Durán a função de assistente de Costa-Gavras.
Excelente roteirista, o chileno colaborou com diversos cineastas brasileiros, mas sonhava em dirigir os próprios filmes. Sua estreia no longa-metragem se daria em 1978, com “O Escolhido de Iemanjá”, um filme que não aconteceu. E que ele mesmo não valoriza.
“Estreia para valer”, ele considera “A Cor do seu Destino”, premiado no Brasil e em diversos festivais ibero-americanos, valorizado pela Crítica, lançado nos cinemas e vendido para diversos países vizinhos.
Depois, Durán dirigiria os brasileiríssimos “Proibido Proibir” (com Caio Blat, Maria Flor e Alexandre Rodrigues) e “Não se Pode Viver sem Amor” (Cauã Reymond, Fabiula Nascimento, Maria Ribeiro, Simone Spoladore, Ângelo Antônio e Babu Santana). Com saudades de suas origens, levou o ator Daniel Oliveira para o Deserto do Atacama e lá filmaram, juntos, “Romance Policial”.
O último trabalho a ocupar Durán foi a série “Na Fronteira da Imagem”, realizada dois anos atrás, com foco nas carreiras de catorze cineastas latino-americanos. Sua conterrânea Dominga Sotomayor, o colombiano Ciro Guerra, de “O Abraço da Serpente” e “Pássaros de Verão”, os argentinos Benjamín Naishat e Maria Alché, a mexicana Betzabé García e os brasileiros André Novais Oliveira, Fellipe Gamarano Barbosa, Beatriz Seigner, Maya Dá-Rin, Fábio Meira, Emílio Domingo, Deo Cardoso, Glenda Nicásio e Ary Rosa.
Jorge Durán tem muitos projetos na gaveta e não se cansa de inscrevê-los em editais públicos. Espera ser selecionado por algum deles. Se depender de dois de seus colaboradores – o ator Chico Diaz e o cineasta e roteirista José Joffily –, ele será contemplado o mais rápido possível.
Diaz, que nasceu no México e cresceu no Brasil, só tem elogios para Durán.
“A Cor do seu Destino representou muito na minha trajetória”, relembra. “Até o nome do filme vislumbrava o que estava por vir na minha carreira, a cor do cinema”. E mais: “o meu personagem, um militante político, trazia em si uma latinidade por mim experimentada nos meus primeiros anos de vida, do lado de lá, próximo aos Andes”. Trazia, também, “o sabor da esquerda e da resistência nas veias do meu pai (o paraguaio Juan Enrique Diaz, funcionário da Organização Mundial de Saúde). Nós ouvíamos, em casa, Daniel Viglietti, Mercedes Sosa, Violeta Parra e Victor Jara”. Por isso, “aquela imagem na qual o meu personagem dá de cara com as montanhas nevadas dos Andes teve um efeito impactante em mim”.
O intérprete do filho assassinado do casal Laura-Franklin destaca “a relação dele, o irmão mais velho, envolvido com o movimento político de resistência, com o irmão mais novo, um menino de seis anos (interpretado nessa fase por Anderson Schereiber, depois por Guilherme Fontes)”. Para constatar que teve “amigos que perderam irmãos na luta de resistência e, como acontece no filme, vários dos filhos destes presos e exilados optaram pela arte como caminho de expressão”.
José Joffily, que ajudou Durán e Nadotti a escreverem “A Cor do seu Destino” e que recorreu ao amigo chileno para ajudá-lo na escritura de alguns de seus roteiros, agradece a convivência artístico-fraternal.
“Somos parceiros de muitos anos. Juntos acertamos e erramos ao longo do tempo. Faz parte da vida”. Sobre sua participação no filme agora restaurado e pronto para reiniciar nova trajetória nos cinemas e no streaming, Joffily pondera: “A Cor do seu Destino” está na conta dos acertos. Um acerto liderado pelo Durán, com muita sabedoria. Minha contribuição foi heterodoxa. Ele me pediu apenas que escrevesse sobre os personagens”.
A Cor do seu Destino
Brasil, 1986, 100 minutos
Direção: Jorge Durán
Elenco: Guilherme Fontes, Norma Bengell, Franklin Caicedo, Chico Diaz, Julia Lemmertz, Andrea Beltrão, Marcos Palmeira, Antônio Grassi, Tito Ameijeiras
Fotografia: José Tadeu Ribeiro
Exibição especial de cópia restaurada em DCP-4K, na Cinemateca do MAM-Rio, nessa quinta-feira, dia 20 de marco, às 18h30
FILMOGRAFIA
Jorge Durán Parra (Santiago do Chile, 05/08/1942 )
Como diretor:
1978 – “O Escolhido de Iemanjá”
1986 – “A Cor do seu Destino”
2006 – “Proibido Proibir”
2010- “Não se Pode Viver sem Amor”
2014 – “Romance Policial”
2021 – “Pelas Ruas do Rio” (telefilme) e “Territórios” (websérie)
2023: “Na Fronteira da Imagem” (série documental)
Como roteirista ou co-roteirista (cinema e TV):
1975 – “Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia”, Hector Babenco
1980- “Gaijin – Caminhos da Liberdade”, Tizuka Yamasaki
1981 – “Pixote, A Lei do Mais Fraco”, Hector Babenco
1985 – “Nunca Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles
1989 – “Doida Demais”, Sérgio Rezende
1996 – “Como Nascem os Anjos”, Murilo Salles
1996 – “Quem Matou Pixote?”, José Joffily
“Carga Pesada” (TV Globo)
“A Justiceira” (TV Globo)
“Mulher” (TV Globo)
Que notícia alvissareira, ainda constatar que o filme continua atual sobre as páginas negras da história da ditadura. Relançar o filme num momento tão propício após o Orçar de “Ainda Estou Aqui”, é permitir que a nova geração conheça um pouco mais dos dissabores dos Anos de Chumbo…