“Os Dragões”, fantasia juvenil de Gustavo Spolidoro, recria quatro contos de Murilo Rubião

Por Maria do Rosário Caetano

“Os Dragões”, sexto longa-metragem do inquieto Gustavo Spolidoro, chega aos cinemas de dezenas de cidades brasileiras, depois de iniciar sua trajetória em Porto Alegre e municípios do interior gaúcho. Sua trama, com ingredientes fantásticos, dialoga com quatro contos do escritor Murilo Rubião – “Os Dragões”, “O Pirotécnico Zacarias”, “A Cidade” e “Alfredo”.

Spolidoro rodou seu filme em Cotiporã (ex-Monte Vêneto), com locações complementares em Bento Gonçalves, Veranópolis e Garibaldi. E o fez com elenco não-profissional (exceção para Marcos Breda, que interpreta o mestre-de-cerimônia de espetáculo de base circense).

“Os Dragões” são cinco jovens que vivem numa comunidade tradicional e conservadora e, juntos, assumem atitudes rebeldes. E o fazem justo no momento em que passam por transformações físicas inexplicáveis. Em seus corpos nascem escamas ou pequenos chifres. Para completar as mutações, eles são capazes de expelir imensas chamas pela boca (como os mitológicos dragões).

O quinteto conta com apoio e simpatia de um professora, pois ela deseja tê-los como partícipes ativos de seu grupo teatral. Em contrapartida, encontram, no padre e em outros moradores retrógrados, forças repressivas.

As qualidades técnicas de “Os Dragões” se fazem notar. A vasta paisagem, à beira de um rio, de onde o quinteto adolescente sonha com um novo tempo, é captada com sensibilidade pela fotografia de Bruno Polidoro. Os efeitos especiais são simples, mas eficientes. As chamas que saem da boca dos “dragões” convencem e injetam energia no filme.

O que deixa a desejar são as interpretações do elenco jovem e, mais ainda, dos adultos. A falta de experiência de todos eles transforma os diálogos em textos declamados. A aparição do experiente Marcos Breda acentua, ainda mais, o contraste. Falta ao roteiro, que buscou suas matrizes no universo fantástico do mineiro Murilo Rubião (1916-1991), desenvolvimento mais substantivo.

A relação dos adolescentes com o teatro poderia render mais. Os exercícios de laboratório promovidos pela professora Alice geram bela sequência, aquela dos corpos em movimento dentro de pano elástico, uma espécie de casulo. A atmosfera fantástica se insinua, mas não ganha consistência. Os seres “bizarros”, ao enfrentar os dilemas da juventude, não conseguem dar consistência à incandescente metáfora da transmutação.

O filme acaba, assim, conformado apenas como proposta promissora. Não como um passo adiante na construção de novo exemplar de um “cinema de fantasia à brasileira”. Um significativo filme-processo, capaz de mobilizar a coletividade da Serra Gaúcha e revelar novas paisagens. Mas de Gustavo Spolidoro se pode (e se deve) esperar muito mais. Afinal, na mesma Serra Gaúcha, ele realizou o instigante, revelador e criativo “Morro do Céu”.

Ao longo de sua trajetória (Spolidoro acaba de completar inacreditáveis 53 anos), o portalegrense conseguiu somar seis longas-metragens, três séries e 21 curtas, alguns inventivos e surpreendentes como “Velinhas”, “Outros” e “Domingo”. Sem esquecer o “De Volta ao Quarto 666”, documentário com o qual reviveu, tendo o próprio Wim Wenders como protagonista, trabalho que este realizara em Cannes (“Quarto 666”, 2007, 45 minutos). A unir os dois, o desafio de descobrir para onde ia (vai) o cinema.

Quem esperar os derradeiros créditos de “Os Dragões” verá, de forma explícita, a paixão cinéfila que move o cineasta-e-professor de Cinema (da PUC-RS). Ele cita os filmes com os quais dialogou na feitura de seu novo longa-metragem, concebido e rodado entre 2018 e 2021.

Na robusta lista aparecem filmes que fizeram a cabeça da galera mobilizada por ele na Serra Gaúcha, pois foram assistidos numa espécie de Cineclube dos Dragões. “Conta Comigo”, de Rob Reiner, “Vidas sem Rumo”, de Coppola, “Os Incompreendidos”, de Truffaut, “Os Famosos e os Duendes da Morte”, de Esmir Filho, “A Vida de Jesus” e o encantador “O Pequeno QuinQuin” (“P’tit QuinQuin”), estes do francês Bruno Dumont, são alguns dos títulos lembrados.

Sendo um filme-processo, nada mais natural que “Os Dragões” seja destinado, primordialmente, ao circuito cultural-educativo. Por isso, a Lança Filmes, sua distribuidora, se propôs a mobilizar estudantes de escolas públicas e privadas. No Rio Grande do Sul, o filme foi lançado em onze cidades e dezenas de salas do circuito alternativo, somando 3.800 espectadores. Agora, entra em cartaz em 31 salas de dez estados das cinco regiões brasileiras.

Em São Paulo, o filme será apresentado no Espaço Petrobras de Cinema (na capital), em Campinas, Araçatuba, Bauru, Itu, Piracicaba, Sorocaba, São Carlos, Taboão da Serra e São José do Rio Preto. No Rio de Janeiro, em Volta Redonda, Cabo Frio, Campo de Goytacazes e no bairro carioca de Guadalupe. No Paraná, em Londrina, Maringá e Ponta Grossa. No Norte, em Porto Velho-Rondônia, Rio Branco-Acre, Boa Vista-Roraima e Manaus-Amazonas. Belo Horizonte, a capital mineira; Serra, no Espírito Santo; Cuiabá e Dourados, no Mato Grosso, completam o circuito.

“Nossa intenção” – detalha Daniela Gouveia Menegott, diretora da Lança – “é promover sessões especialmente destinadas a turmas do Ensino Fundamental (a partir do 7º ano) e do Ensino Médio”. E, assim, “apostar no poder simbólico e educativo do cinema, visto como espaço de encontro, reflexão e pertencimento”. E mais: “resgatar — ou apresentar pela primeira vez — a vivência da sala escura para uma geração acostumada às telas individuais”.

 

Os Dragões
Brasil, 2025, 87 minutos
Direção: Gustavo Spolidoro
Elenco: Lóren Maite, Paulo Reginatto, Juliana Zardo, Larissa Tres, Raphael Scarton, Marcos Breda, Adriana Balotin, Elias Simioni, Juliana Teixeira, Júlio César Morais
Roteiro: Gibran Dipp e Gustavo Spolidoro
Fotografia: Bruno Polidoro
Montagem: Bruno Carboni
Som direto: Gabriela Bervian e Marcelo Armani
Trilha sonora: Renan Franzen
Efeitos especiais: Alexandre Linck
Distribuição: Lança Filmes

 

FILMOGRAFIA
Gustavo Spolidoro nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 2 de maio de 1972. Dirigiu 21 curtas, três séries, seis longas-metragens e um episódio de “5 Vezes Chico”. É professor de Cinema na PUC-RS.

2025 – “Os Dragões” (ficção)
2024 – “Uma Carta para Papai Noel” (ficção)
2015 – “5 Vezes Chico – O Velho e sua Gente” (episódio “Nascente”)
2015 – “Errante – Um Filme de Encontros” (doc)
2009 – “Morro do Céu” (híbrido)
2008 – “Gigante – Como o Inter Conquistou o Mundo” (doc)
2007 – “Ainda Orangotangos” (ficção)

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