“Mambembe” e curta baiano sobre o “2 de Julho” triunfam em noite do Festival de Vitória dedicada a Ney Matogrosso
Foto © Melina Furlan/Andie Freitas/Vikki Dessaune/Sergio Cardoso
Por Maria do Rosário Caetano, de Vitória (ES)
Goiás e Bahia triunfaram na noite de premiação do Festival de Cinema de Vitória, que teve plateia lotada para festejar o grande homenageado, o cantor e ator Ney Matogrosso. E, para assistir ao filme “Luz nas Trevas – A Volta do Bandido da Luz Vermelha”, por ele protagonizado.
Antes de anunciar o goiano “Mambembe”, de Fábio Meira, como o melhor longa-metragem, e o baiano “Na Volta Eu te Encontro”, de Urânia Munzanzu, como o melhor curta, o comando da trigésima-segunda edição do festival capixaba entregou aos espectadores máscaras do jovem Ney Matogrosso. Aquele dos tempos de estrela vistosa, maquiadíssima e sedutora, que causava furor nos “Secos & Molhados”.
A plateia usou a máscara para saudar o ídolo, de quase 84 anos, esguio (apenas 60 quilos), vestido com discrição franciscana e hiper-econômico nos agradecimentos. Não por deselegância, mas por ser dotado de raro poder de síntese. O artista mato-grossense não cultiva a retórica sem fim dos agradecimentos festivaleiros. É lacunar por natureza. Diz só o essencial.
Antes dele, subiu ao palco do Cine-Theatro Sesc Glória a cineasta e atriz Helena Ignez. Ela apresentou “Luz nas Trevas”, roteiro herdado do companheiro Rogério Sganzerla (1946-2004), às novas gerações. A trama sganzerliana foi recriada e, depois, transformada em filme dirigido por ela, em parceria com Ícaro Martins.
Para protagonizá-lo, Helena escolheu Ney Matogrosso (o Bandido da Luz Vermelha, já maduro e encarcerado, papel que antes coubera a Paulo Villaça). Junto com Ney atuam outros dois protagonistas — André Guerreiro Lopes e Ariclenes Barroso, vistos em duas fases da existência do filho do Bandido — a adolescência e, depois, a juventude, aquele momento de fulgor para a prática do sexo e do crime. Com o trio, atua elenco estelar — Sergio Mamberti, Paulo Goulart, Maria Luiza Mendonça, Arrigo Barnabé, Bruna Lombardi, Djin Sganzerla, Simone Spoladore, Sandra Corveloni, Cacá Carvalho, Abrahão Farc e Eduardo Silva. Em participações especiais, Rejane Medeiros, Gilda Nomacce, Mário Bortolotto, Júlio Andrade, Criolo, Cláudia Wonder e José Mojica Marins.
O filme, realizado quinze anos atrás para sequenciar o “Bandido” sganzerliano, mobilizou a plateia. Ninguém arredou pé. Nem os convidados dos patrocinadores. Queriam ver Ney no papel que ele mesmo definiu como “um verdadeiro desafio”, pois fora convidado para interpretar “um personagem muito diferente” dele.
“A Volta do Bandido da Luz Vermelha” é um filme de muitas citações metalinguísticas. Na mais mobilizadora delas, vemos Ney Matogrosso vestido de preto, como um mix de bandoleiro, toureiro e bailarino de flamenco. Ele não dança, mas canta “Sangue Latino” com suingue roqueiro. A referência é clara: a uma das mais surpreendentes sequências de “Alma Corsária” (2003), de Carlos Reichenbach. Ney canta no teto de um imenso edifício tendo a cidade de São Paulo, com suas mil luzes, ao fundo. No filme de Carlão, no alto de um edifício, com a metrópole ao fundo, vemos a atriz Carolina Ferraz dançar ao ritmo de música de ressonâncias flamencas.
Os aplausos ao filme “Bandido”, a seu astro e à sua diretora anunciaram, então, a entrega dos troféus Vitória.

O grande vencedor, “Mambembe”, é um documentário hibridizado pela ficção, metalinguístico até a medula e ambientado no mundo do circo. O filme goiano repetiu, em Vitória, a láurea conquistada no Coisa de Cinema-Festival de Salvador: o melhor da competição. Seu mais forte concorrente — “Centro Ilusão”, do cearense Pedro Diógenes, ex-integrante do Coletivo Alumbramento — ficou com dois prêmios fortes (melhor direção e roteiro). Ambos merecidos.
O júri, formado pelos atores Marcélia Cartaxo e Heraldo de Deus e pela diretora de arte Joyce Castello, agiu com equilíbrio. Dos cinco concorrentes, quatro ganharam ao menos um troféu Vitória. Houve certo distributivismo (uma pequena reforma agrária). Mas o trio avaliador marcou posição ao não atribuir nenhum troféu ao bem-intencionado, mas mal-resolvido, “Insubmissas”, soma de curtas dirigidos por quinteto de mulheres e produzido por Carol Benjamin.
Carol, que tornou-se conhecida pelo notável documentário político-familiar “Fico te Devendo uma Carta sobre o Brasil”(2019), foi premiada pelo curta “Sobre Ruínas”, em outra mostra, a de filmes dedicados ao Meio-Ambiente.
No debate do longa “Insubmissas”, mal recebido pela Crítica (e, depois, ignorado pelo júri), ela mostrou incrível maturidade e tolerância. Defendeu a reflexão e o debate crítico ao destacar que a troca de ideias enriquece a todos. Principalmente aos realizadores.
O goiano “Mambembe” recebeu, ainda, dois prêmios para seus “atores”. Ambos vindos do circo. A pernambucana Índia Morena, que interpreta a si mesma, foi destacada pela “melhor interpretação”. Já Madonna Show, circense transexual, fez jus a uma menção honrosa.
O Festival de Vitória não oferece quatro prêmios a atores, pois ignora as subdivisões “protagonistas” e “coadjuvantes”. E a distinção entre homens e mulheres. Oferece apenas um, que pode ser dado a homens ou mulheres. Ou a qualquer opção identitária abrigada na sigla LGBTQIA+.
O capixaba “O Deserto de Akin”, que chega ao circuito exibidor na próxima quinta-feira, 31 de julho, ganhou do júri oficial o prêmio de melhor fotografia. O trabalho de Heloísa Machado fez por merecer a láurea, pois ela realizou belo trabalho no pequeno vilarejo, cenário da história de médico cubano, recrutado pelo programa Mais Médicos. Ele vai trabalhar no atendimento de sua pequena comunidade e torna-se vértice de triângulo amoroso com Erika e Sergio, este, um chef de cozinha homoafetivo.
O filme, dirigido pelo capixaba Bernard Lessa, ganhou ainda o Troféu Vitória do Júri Popular. Vale pontuar que, em todas as categorias avaliadas pelos frequentadores do festival, nas quais houvesse concorrente capixaba, a prata-da-casa levou a melhor. Sem exceção. OK, a cidade anfitriã está orgulhosa da sua produção cinematográfica, que cresce a olhos vistos, mas não deve pautar-se pelo bairrismo.
No campo do curta-metragem nacional, o júri, formado pelos diretores Gabriela Gastal e Victor Di Marco e pelo produtor Izah Candido, acertou ao atribuir o prêmio principal ao baiano “Na Volta Eu te Encontro”, de Urânia Munzanzu, vibrante e original registro de uma das faces, a mais popular de todas, das celebrações do Dois de Julho. Para quem nasce e cresce na Bahia, esta é a verdadeira data da Independência do Brasil. Foram os baianos que expulsaram, depois de longo período de resistência armada, o Exército português de nosso solo.
“Fendas”, do Ceará, teve seus méritos reconhecidos. O troféu de melhor interpretação para a veterana Noélia Montanhas foi escolha das mais felizes. E um Prêmio Especial do Júri para o filme de Lis Paim, idem. O alagoano “Entre Corpos” foi superestimado, enquanto o paulista “Arame Farpado”, da interiorana Paraguassu, merecia mais do que ganhou.
Confira os vencedores:
LONGA-METRAGEM
. “Mambembe”, de Fábio Meira (Goiás) – melhor filme, Prêmio Aquisição Sesc Glória, melhor interpretação (Índia Morena), menção honrosa para a atriz trans Madonna Show
. “Centro Ilusão”, de Pedro Diógenes (Ceará) – melhor diretor, melhor roteiro (Pedro Diógenes)
. “O Deserto de Akin”, de Bernard Lessa (Espírito Santo) – melhor filme pelo Júri Popular, melhor fotografia (Heloísa Machado)
. “Brasiliana: o Musical Negro que Apresentou o Brasil ao Mundo”, de Joel Zito Araújo (Minas Gerais) – melhor contribuição artística
CURTA-METRAGEM
. ”Na Volta Eu Te Encontro”, de Urânia Munzanzu (Bahia) – melhor filme
. “Entre Corpos”, de Mayra Costa (Alagoas) – melhor direção, melhor roteiro (Mayra Costa)
. “Fenda”, de Lis Paim (Ceará) – Prêmio Especial do Júri, melhor interpretação (Noélia Montanhas)
. “Arame Farpado”, de Gustavo de Carvalho (São Paulo) – melhor fotografia (Renato Hodja)
. “ O Tempo é Um Pássaro”, de Yasmin Thayná (Rio de Janeiro) – melhor contribuição artística
. “O Panda e o Barão”, de Melina Galante – Menção Honrosa do Júri Oficial
. “ Sola”, de Natália Dornelas (Espírito Santo) – melhor filme pelo Júri Popular
OUTRAS MOSTRAS (curta-metragem)
MOSTRA CORSÁRIA
. “Cavaram uma Cova no Meu Coração”, de Ulisses Arthur (AL): melhor filme
. “O Som do Trovão no Deserto”, de Diego Zon (ES) – menção honrosa
MOSTRA CINEMA E NEGRITUDE
. “O Céu Não Sabe Meu Nome”, de Carol AÓ (BA) – melhor filme
. “Sebastiana”, de Pedro de Alencar (RJ) – melhor filme pelo Júri Popular, menção honrosa do Júri Oficial
MOSTRA MULHERES NO CINEMA
. “Mães”, de Bruna Aguiar (RJ) – melhor filme
MOSTRA FOCO CAPIXABA
. “Castelos de Areia”, de Giuliana Zamprogno – melhor filme
. “A Última Sala”, de Gabriela Busato e Júlio Cesar – melhor filme pelo Júri Popular
MOSTRA CINEMA AMBIENTAL
. “Sobre Ruínas”, de Carol Benjamin (RJ) – melhor filme
. “Por que Morrem os Rios?”, de Dandara Rust Raposo, Luiza Piroli, Maíra Fortuna, Maria Cecília Oliveira e Vanessa Baptista Simões (ES) – melhor filme pelo Júri Popular
MOSTRA DO OUTRO LADO- CINEMA FANTÁSTICO
. “Umbilina e Sua Grande Rival”, de Marlon Meirelles (PB) – melhor filme pelo Júri Oficial e pelo Júri Popular
. “Encontros Sobrenaturais”, de Lucas Carvalho (ES) – menção honrosa
MOSTRA OUTROS OLHARES
. “Guarapari Revisitada”, de Adriana Jacobsen (ES) – melhor filme
. “Manoel Loreno: Improviso e Paixão”, de Enzo Rodrigues (ES) – melhor filme pelo Júri Popular
MOSTRA QUATRO ESTAÇÕES
. “Lacraia Vai Tremer”, de Lá Baiano e Jadson Titanium (ES) – melhor filme
. “2 de Copas”, de Ana Squilanti (SP) – menção honrosa
MOSTRA NACIONAL DE VIDEOCLIPES
. “humanurbano – nóis é eternidade”, de Fredone Fone (Artista: MC Fredone) – (ES) – melhor videoclipe
. “Santo Orixá Guerreiro”, de Camila Calmon, Sabrina Repollez e Jeffão (Artista: Monique Rocha) – (ES) – menção honrosa
PRÊMIO CANAL BRASIL
. “A Invenção do Orum”, de Paulo Sena (ES)
