FAM promove filmes da América Latina e apresenta ficção sobre trágica vida do escritor argentino e desaparecido político Rodolfo Walsh
Por Maria do Rosário Caetano
O FAM – Festival Internacional de Cinema Florianópolis Audiovisual Mercosul realiza sua vigésima-nona edição, a partir dessa quinta-feira, 4 de setembro, e prossegue até o dia 10, quando serão entregues os troféus Panvision aos vencedores de suas oito mostras competitivas.
Serão exibidos, na capital catarinense, 73 filmes, vindos de 11 países e, mais uma vez, o cinema latino-americano estará no centro das atenções. As produções de curta e longa-metragem serão mostradas em tela panorâmica do Cine Show Beiramar, um dos espaços mais badalados e tecnicamente qualificados de Florianópolis.
Além da competição de longas-metragens, na qual dois títulos chamam bastante atenção – o argentino “Escritor” e o paraguaio “Kuarahy Ára – El Tiempo del Sol” –, o FAM promoverá oficinas, debates, palestras e o 9º Encontro de Coprodução do Mercosul, no Majestic Palace Hotel.
Outra atividade do festival catarinense, que desperta atenção inclusive por sua excentricidade, é o Rally Panvision. O evento mobiliza aficcionados do cinema, vindos das Américas Hispânica e Lusitana. Os jovens maratonistas são selecionados para realizar cinco curtas em período exíguo (100 horas contínuas!). Os frutos do Rally serão exibidos na cerimônia de encerramento do festival. Alunos e professores irão ao palco apresentar seus trabalhos.
Na sessão inaugural do festival, será exibido um curta catarinense (“Notícias da Lua”, de Sérgio Azevedo) e o longa paraguaio “Kuarahy Ára – El Tiempo del Sol”, de Hugo Gamarra Etcheverry. Gamarra, de 69 anos, é, além de realizador, professor de cinema e criador do Festival de Assunção. Suas relações com o Brasil são históricas. Em 1998, ele atuou como co-roteirista e coprodutor de “O Toque do Oboé”, parceria entre Brasil e Paraguai, dirigida por Cláudio MacDowell e protagonizada por Paulo Betti.
O quinteto de curadores do FAM, liderado por Marilha Naccari, assegura que “a tônica da competição de longas-metragens, nesse ano, está concentrada em temas históricos, que envolvem memória, cultura, arte, ancestralidade e regimes ditatoriais”. E que as escolhas feitas pelos curadores “convidam o espectador a refletir e, sobretudo, discutir temas fundamentais como a justiça”. E mais: “os personagens retratados — seja nas duas histórias ficcionais ou nas quatro documentais — compartilham, em sua maioria, o senso de ressignificação”, já que “os caminhos trilhados no passado são analisados no presente”. Tal ressignificação se dá a partir de “perspectiva diferenciada, que reflete diversos tipos de buscas (por feridas não sanadas, por identidade, por sua história)”.
O filme mais conhecido do paraguaio Hugo Gamarra, “O Portal dos Sonhos”, tem como figura central o grande escritor Augusto Roa Bastos (1917-2005), detentor do Prêmio Cervantes, autor de “Eu, o Supremo”, “Hijo de Hombre”, “Vigília do Almirante” e “O Livro da Grande Guerra”. Agora, em seu novo longa-metragem, Gamarra mergulha na história do cinema produzido em seu país. No caso, por um cineasta europeu.
Em 1968, o francês Dominique Dubosc realizou, em solo paraguaio, um filme – “Lo que Ve el Sol” – que comoveu muitos jovens daqueles anos febris. Jovens que viviam longe das ruas convulsionadas de Paris.
Passadas quase cinco décadas, Gamarra foi à França procurar o autor daquele filme que tanto marcara sua adolescência. Se o encontrasse, tudo faria para que o cineasta reencontrasse a família de camponeses paraguaios, que ele filmara. Ao fim e ao cabo, se tudo desse certo, Gamarra construiria seu documentário com perguntas e buscas. Afinal, para ele, “o cinema (incluindo o documental) é uma aventura existencial, marcada pelo mistério das imagens e do som”.
De outro país vizinho, a Argentina, chega um dos filmes mais aguardados do FAM – a ficção “Escritor”. Sua diretora, Paula de Luque, volta ao ano de 1956, data de grande importância na vida do jornalista, escritor e ativista político Rodolfo Walsh, razão de ser do filme.
De origem irlandesa, Walsh era, aos 29 anos, uma jovem promessa literária, um jornalista cheio de energia e um cidadão dos mais inquietos. Naquele final da década de 1950, ele fora testemunha involuntária de fracassada revolta contra a ditadura militar, que regia os destinos da Argentina. O ato rebelde resultou em trágico massacre, pois combatido com violência pelos governantes.
Houve quem sobrevivesse à chacina. Por isso, Walsh juntou-se a uma colega de trabalho para investigá-la. Os fatos o levaram ao âmago de intrincado labirinto do poder. Nascido em 1927, o jornalista e escritor tornar-se-ia um dos milhares de desaparecidos políticos, vítima de outra ditadura implantada na Argentina, aquela que, em 1976, destituiria Isabelita Perón. E que chegaria a termo em 1983.
A competição latino-americana do FAM completa-se com o ficcional “Alí Primera”, do venezuelano Daniel Yegres Richard, com duas produções colombianas – “Un Nuevo Amanecer”, de Priscila Padilla, e “Soñé su Nombre” (foto), de Ángela Carabalí, e com o brasileiro, vindo da Bahia, “Aprender a Sonhar”, de Vítor Rocha.
Com o ficcional “Alí Primera”, o realizador Daniel Yegres constrói cinebiografia do cantor e compositor folk venezuelano, de origem árabe, Alí Primera, nome artístico de Ely Rafael Primera Rossell (1941-1985). Para tanto, o diretor recorre a acontecimentos históricos que levaram o artista, desconhecido entre nós, a tornar-se o “cantor do povo” e líder de movimento de “defensores das causas dos despossuídos”. Em sua breve existência (Alí morreu num acidente automobilístico, em Caracas, aos 43 anos), o ‘cantautor’ militou nas fileiras do Partido Comunista da Venezuela.
Ao longo de 127 minutos, Yegres registrará “histórias que marcaram o artista, seus amores, tristezas” e, claro, “as canções que acompanharam seu comportamento inflexível desde sua infância, vivida em regiões pobres e desérticas” do país de Simon Bolívar. A obra do artista, que gravou 13 discos, é ligada ao cancioneiro engajado da América Latina. Ele, porém, rejeitava a qualificação “canción de protesta”. Preferia definir suas criações como “canções necessárias”.
Priscila Padilla, diretora vinda de Bogotá, e Ángela Carbalí, de Medellín, são autoras de dois documentários. A primeira, de “Un Nuevo Amanecer”, a segunda, de “Soñé su Nombre”.
Com “Un Nuevo Amanecer”, Priscila se coloca uma questão: “Como é ser uma guerrilheira e depor as armas depois do Tratado de Paz?”. E constata: “por uma grande coincidência do destino, eu, então criança, não fui a uma reunião com War”. Já “outras mulheres compareceram à esta reunião e se juntaram à guerrilha”. Passaram-se os anos, “e essa história me voltou à mente”. Por isso, “decidi ir atrás dela e realizar este documentário”.
Já Ángela, evocando experiência onírica, realiza “Soñé su Nombre”. Após 30 anos evitando a dor, ela confronta seu passado. Seu pai, em um sonho, pede a ela para ir ao encontro dele. Junto com sua irmã Juliana, Ángela embarca em uma jornada pela Colômbia até chegar às terras indígenas onde seu pai, um agricultor afrodescendente, foi vítima de desaparecimento forçado.
O baiano Vítor Rocha, soma, em “Aprender a Sonhar”, várias cidades (Salvador, Santa Cruz Cabrália, Tremedal e Itabuna). Seu documentário, de 78 minutos, reúne estudantes indígenas, quilombolas e moradores de periferias urbanas, que ingressam na universidade, impulsionados por cotas, e o fizeram impregnados de saberes ancestrais. O filme acompanha suas trajetórias de 2016 a 2023, “numa jornada de superação e transformação social, tendo a festa Pataxó Aragwaksã como símbolo das cosmovisões tradicionais”.
Uma dos projetos mais tradicionais do FAM é a Mostra WIP (Work in Progress). Filmes em fase de finalização são apresentados a um júri especializado e avaliados em audiência-teste por público convidado. Na discussão que acontece após a exibição (em sala top do Cine Show Beiramar), os espectadores poderão fazer sugestões de aprimoramento do corte final do filme em questão.
Para a edição desse ano foram selecionados cinco produções WIP – a ficção paraibana “Mistério no Seridó”, de Carlos Mello Jr., a coprodução entre Brasil e Espanha, “Al-Buhayra”, de Lucas Moro e Manuel Rossell, a coprodução Brasil-Argentina “Brutus”, de Marcelo Toledo, a ficção peruana “Done Duermen los Sueños”, de Daniel Riglos, e “El Gaga de La Cejas”, de Jeissy Trompiz, da República Dominicana.
O FAM promoverá, também, a nona edição do Encontro de Coprodução do Mercosul, Especial Ibero-América, no Majestic Palace Hotel, duas oficinas (com Jana Wolff e Gisela Chicolino) e uma masterclass (com Stefano Vaccarino). Os convidados internacionais atenderão a vinte alunos em cada oficina. E Vaccarino falará a 30 interessados previamente inscritos. Estas atividades formadoras acompanham o festival catarinense desde sua criação, 29 anos atrás, empreendida por Antônio Celso, produtor e cineasta, que morreu em outubro de 2023 e legou a continuidade do FAM a seus filhos, Tiago e Marília Naccari.
COMPETIÇÃO DE LONGAS-METRAGENS
. “Kuarahy Ára – El Tiempo del Sol”, de Hugo Gamarra Etcheverry (Paraguai-França, documentário, 87′)
. “Escritor”, de Paula de Luque (Argentina, ficção, 86′ )
. “Alí Primera”, de Daniel Yegres Richard (Venezuela, ficção, 127′)
. “Un Nuevo Amanecer”, de Priscila Padilla (Colômbia, Bogotá, documentário, 94′)
. “Soñé su Nombre”, de Ángela Carabalí ( Colômbia, Medellín, documentário, 85′)
. “Aprender a Sonhar”, de Vítor Rocha (Bahia, documentário, Brasil, 78′)
MOSTRA DE CURTAS-METRAGENS
. “Imagens de uma Despedida”, de Nicolas Busato (SC
. “Insomnia”, de Tomás Gonzalez Montalvo (Argentina)
. “A Nave que Nunca Pousa”, de Ellen Morais (Paraíba)
. “Mascates de Sonhos”, de Kristel Kardeal (SC)
. “Serão”, de Caio Bernardo (Paraíba)
. “Compraventa”, de Tomás Murphy (Argentina)
. “O Fio de Ariadne”, de Alex Schappo (SC)
. “Parirás”, de Amandine Goisbault e Júlia Mori (PE)
. “La Falta”, de Carmela Sandberg (Argentina e Uruguai )
. “Como Nasce um Rio”, de Luma Flôres (Bahia)
. “Um Dia de Negão”, de Rebeca Carmo e Analu (Bahia)
. “Rainha”, de Raul de Lima (Pará)
. “A Lua dos Beijos Silentes”, de Mika Queiroz (SC)
. “Mitã’i Churi”, de Elian Guerin (Argentina-Paraguai)
. “¡Salsa!”, de Antonina Kerguelén Román (Colômbia)
. “Faísca”, de Bárbara Kariri (PE)
. “Adelante, Professora”, de Ana Laura Baldo (SC)
MOSTRA WIP (Work in Progress)
. “Donde Duermen los Sueños”, de Daniel Riglos (Peru)
. “Al-Buhayra”, de Lucas Moro e Manuel Rossell, (Brasil-Espanha)
. “Brutus”, de Marcelo Toledo (Brasil-Argentina)
. “El Gaga de La Cejas”, de Jeissy Trompiz (República Dominicana)
. “Mistério No Seridó, de Carlos Mello Jr. (Brasil, Paraíba)
MOSTRA DE VIDEOCLIPES
. “Medo – RAVIH”, de RAVIH (Rio Grande do Sul)
. “Filosa – Serena Ciga & PocheBeats”, de Ezequiel Soma (Argentina)
. “Mujer TV – Cherlatte”, de Pierina Espinoza (Venezuela)
. “D’Áfrika – Preto Tipuá”, de Chico Rasta (Piauí)
. “Por Última Vez – Corona & No Comparto Mis Amigos”, de Samuel Castro Romero (Bolívia)
MOSTRA INFANTO-JUVENIL
Sessões às 14h30, no sábado, para crianças, e no domingo, para adolescentes. Na segunda e terça-feira, haverá duas sessões diárias gratuitas para escolas.
Animações para crianças:
. “Baile de Miriti”, de Emily Cristiane
. “Le Petit et Le Géant”, de Isabela Costa
. “Abraços”, de Barcabogante
. “Debaixo do Pé de Pequi”, de Maiári Iasi
. “A História de Ayana”, de Cristiana Giustino e Luana Dias
. “Hay que Saber Llegar”, de Luber Yesid Zúñiga Ordóñez.
Para os adolescentes:
. “Coisa de Preto”, de Pâmela Peregrin (MG)
. “Não é Sobre Pastéis”, de Tiago Ribeiro (MG)
. “Pequeno B”, de Lucas Borges (MG)
. “Tainá’, documentário de Renata Massetti (SC)
MOSTRA ESPECIAL LEI PAULO GUSTAVO
Exibição no sábado, às 16h00, esta mostra reúne cinco filmes realizados, inclusive, em cidades do interior do Brasil.
. “Americana”, de Agarb Braga (PA)
. “Esta Noite Minha Alma Partirá, de Igor Vasco, Francisco Morato (SP)
. “Mãos Rapper”, de Giuliano Robert (PR)
. “Tapando Buracos”, de Pally e Laura Fragoso (PE)
. “Vermelho de Bolinhas”, de Joedson Kelvin e Renata Fortes (CE)
CONVERSAS FAM DE CINEMA
. “Hermanas del Viento”, de Julia Carrizo (Argentina)
. “Donas da Terra”, de Ana Marinho (Brasil, Sergipe)
. “Wadja, de Narriman Kauane (Brasil, Pernambuco)
. “Rami Rami Kirani”, de Lira Huni Kui e Luciana Huni Kuin (Brasil, Acre)
. “Naufragados”, de Jorge Peña Martín (coprodução Brasil-Espanha)
. Pedra Vermelha, de Ilka Goldschmidt e Cassemiro Vitorino (Brasil, Santa Catarina)
. “Não Dá Pra Esquecer”, de Fabi Penna e César Cavalcanti (Brasil, Santqa catarina)
. “Cobra Canoa”, de Enio Staub (Brasil)
MOSTRA ON-LINE ICPlay
Os filmes serão disponibilizados gratuitamente a partir dessa sexta-feira, 5 de setembro (até 4 de outubro), no site https://www.itauculturalplay.
. “Homens Pink”, de Renato Turnes
. “O Último Filme de meu Pai”, de Fabi Penna
. “Pele Negra, Justiça Branca”, de Cinthia Creatini da Rocha, Valeska Bittencourt e Vanessa Rosa Gasparelo
. “Quem Precisa de Identidade?”, de Kátia Klock e Márcia Navai
. “Mar que nos Rodeia”, de Beatriz Silva
. Los Silencios, de Beatriz Seigner (coprodução Brasil, Colômbia e França)
MOSTRA ON-LINE FAMDETODOS
Filmes disponibilizados de 5 a 9 de setembro, no YouTube famdetodos.
. “À Flor da Pele, de Danielle Villanova (RJ-BA)
. “Todos os Voos se Desdobrarão”, de Gabriela Boeri e Leticia Rheingantz (SP)
. “Travessia”, de Karol Felici (ES)
. “Quadrados”, de João Pedro Costa (PE)
. “Las Cenizas Están Quemando”, de Lucas Leônidas (Argentina-Brasil)
. “Marmita”, de Guilherme Perar (SP-PR)
. “O Sonho de Anu”, de Vanessa Kyp (PB)
. “Todo lo que se Transforma”, de Fran Caffarel (Argentina)
. “Miren Felder”, de Malen Otaño (Argentina)
. “O Medo Tá Foda”, de Esaú Pereira (CE)

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