“A Palavra”, de Guilherme de Almeida Prado, chega aos cinemas, depois de longa espera, para discutir fé e ceticismo
Por Maria do Rosário Caetano
O cineasta Guilherme de Almeida Prado, diretor dos festejados “A Dama do Cine Shangai”, “Perfume de Gardênia” e “Flor do Desejo”, lança em circuito nacional, nessa quinta-feira, 16 de outubro, depois de longa espera, seu sétimo longa-metragem – o drama de conversão religiosa “A Palavra” — realizado há onze anos.
O filme permaneceu nas prateleiras por desentendimentos entre o realizador e a produção. Que, finalmente, foram equacionados. Regina Remencius e Tuca Andrada protagonizam “A Palavra”, trama inspirada na história bíblica dos profetas Elias e Eliseu, transportada para os dias atuais.
Quem acompanha a carreira do cineasta, sedimentada no diálogo com o cinema noir e por forte marca metalinguística, poderá estranhar o projeto filmado no Ceará. Entre seus produtores está a FJ, empresa que tem entre suas realizações o longa espírita “Predestinado”, sobre o médium Zé Arigó.
No centro da narrativa de “A Palavra” está Jezebel Carmelo (Regina Remencius), experiente e ambiciosa jornalista de TV, cujo trabalho se concentra na busca por histórias bombásticas e capazes de gerar a maior audiência possível. Ela receberá a missão de localizar um homem chamado Elias (Tuca Andrada), nos áridos sertões do Nordeste brasileiro. A fé popular atribui ao eremita (ou profeta) Elias o dom dos milagres. Ele seria capaz não apenas de curar enfermidades, mas também de amenizar a severa seca da região.
Cética, a repórter questionará, claro, os tais poderes de Elias, um simples mortal. Cumprirá sua pauta, disposta a desmascarar o “milagreiro”. Tudo fará para mostrar que ele não passa de um charlatão. Porém, suas certezas começarão a ruir ao longo do processo.
Quem acompanhou os filmes anteriores (seis longas-metragens e um fascinante curta, “Glaura”) de Almeida Prado sentirá, desde a abertura de “A Palavra”, que temática e esteticamente, ele parece um fruto que caiu longe da árvore. O cinema (em especial, o universo da Boca do Lixo), matéria recorrente dos filmes do realizador – em especial “A Dama do Cine Shangai”, Kikito em Gramado, “Perfume de Gardênia” e “A Hora Mágica”) – foi substituído por “narrativa de mensagem”. No caso, mensagem religiosa, explicitada pelos produtores: “mostrar a força da fé tanto para aqueles que acreditam, quanto para os que duvidam”. Fazendo-o “a partir da ideia de analisar e recriar como seria a Bíblia, caso fosse escrita nos dias de hoje”.
Tudo começa com bonecos do Mamulengo Alegria do Povo e acentuada função didática, algo inexistente nos filmes anteriores do cineasta. Cabe aos bonecos auxiliar no desenvolvimento da trama. Num carro da TV Baal, Jezebel transitará, acompanhada de seu cinegrafista, por belas e amplas paisagens sertanejas, fotografadas com grande perícia por Roberto Iuri. Mas, para assunto tão complexo (o da conversão religiosa), a narrativa parece pecar pela ligeireza. E a ele será agregada trama política (outro tema que exige aprofundamento). A indústria da seca, a transferência das águas do Rio São Francisco, corrupção e outros males de nossa história política ganharão relevo. Há que se lembrar que “A Palavra” foi filmado em 2014, com o país imerso nas consequências das manifestações de 2013.
Para complicar a ambição do projeto (somar política e conversão religiosa), o filme carrega, já no título, um desafio. Afinal, “A Palavra” evoca um dos três filmes mais festejados do dinamarquês Carl Theodor Dreyer (1889-1968), junto com “O Martírio de Joana D’Arc”, de 1928, e “Dias de Ira”, de 1943.
“A Palavra” de Dreyer ganhou, em 1955, o Leão de Ouro no Festival de Veneza e tornou-se referência na abordagem do ceticismo e da fé. Nesse clássico dinamarquês, nos deparamos com o patriarca da família Borgen, um fazendeiro muito devoto, e seus três filhos. O mais velho, Mikkel, perde a fé. O do meio, Johannes, autoproclama-se Jesus Cristo. O caçula, Anders, irá compartilhar da religião do pai. Inger, nora do patriarca, morre ao dar à luz um natimorto. Caberá ao “Jesus Cristo” da família Borgen devolvê-la à vida. Em seu roteiro, Guilherme de Almeida Prado recorrerá a trama, em certa medida, semelhante.
O realizador dinamarquês consumiu 126 minutos para, em misterioso preto-e-branco, nos transportar ao reino da Palavra divina. Já Almeida Prado condensou sua história em enxutos 90 minutos. O filme, que começa com as cores fortes de formações rochosas nordestinas, acabará no espaço branco-higienizado de um hospital.
Há quem entenda que o cineasta paulista nem deveria lançar “A Palavra” nos cinemas, por entender que os descaminhos por ele trilhados – ao longo da ultima década – não teriam feito bem ao resultado final do filme. Sem lançar um longa-metragem no circuito exibidor há quase 20 anos (o último foi “Onde Andará Dulce Veiga?”, de 2007), Almeida Prado compreendeu que o contato com o público é vital para a carreira de qualquer cineasta. Até porque ele segue dedicado, de corpo e alma, ao cinema.
Ano passado, o realizador de “Glaura” voltou ao circuito dos festivais com “Odradek”, inspirado no universo de Franz Kafka, filme ousado e, acima de tudo, arriscado. Dura mais de quatro horas. Depois de ser apresentado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Odradek” foi exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes, na qual motivou inquieto debate entre o realizador e seu público.
Por fim, há que se registrar que o diretor paulista, formado em Engenharia, ofício que abandonou por amor ao cinema, já concluiu mais um longa-metragem – “Um Olhar Um Suspiro Um Sorriso”. O plano do criador de “A Hora Mágica”, inspirado em conto de Julio Cortazar, é lançar os dois novos longas no circuito cinematográfico, ao longo de 2026.
Por que “A Palavra”, resolvidos os problemas entre realizador e seus produtores, deveria continuar nas prateleiras?
A Palavra
Brasil, 2014-2025, ficção, 91 minutos
Direção, roteiro e montagem: Guilherme de Almeida Prado
Elenco: Tuca Andrada, Regina Remencius, Luciano Szafir, Oscar Magrini, Karina Barum, Johnnas Oliva, Lara Córdula, Carlos Casagrande, Soia Lira, Amanda Richter e Ana Miranda
Fotografia: Roberto Iuri
Direção de arte: Luis Rossi
Voz: Cyda Moreira
Maquiagem: Mário Lúcio
Mamulengos: de Fernando Augusto
Assistente de direção: Filipe Oliveira
Continuidade: Adelina Pontual
Direção de produção: Anny Fernandes
Produção de finalização: Marcus Mantovanelli
Produção executiva: Fabio Golombek
Produção: FJ Produções e Star Filmes
Distribuição: PlayArte
FILMOGRAFIA
Guilherme de Almeida Prado (Ribeirão Preto, 6 de novembro de 1954, cineasta, roteirista, produtor e montador)
2025 – “Um Olhar Um Suspiro Um Sorriso” (inédito)
2025 – “Odradek” (inédito)
2014-2025 – “A Palavra”
2007 – “Onde Andará Dulce Veiga?”
1998 – “A Hora Mágica
1997 – “Glaura” (curta ficcional)
1992 – “Perfume de Gardênia”
1987 – “A Dama do Cine Shangai”
1983 – “Flor do Desejo”
1981 – “As Taras de Todos Nós

Achei o filme ruinzinho. A temática envelheceu mal. Saí no meio, devia ter ficado em casa e o filme na gaveta.