É Tudo Verdade terá filmes sobre Cesária Évora e Belchior, além de documentário raro de Dziga Vertov

Por Maria do Rosário Caetano

O Festival Internacional de Documentários de São Paulo, o É Tudo Verdade, chega à sua vigésima-sétima edição, ainda em caráter híbrido, com programação recheada de títulos imperdíveis.

Na competição internacional, há um longa-metragem sobre a diva de pés descalços, Cesária Évora. Outro sobre o escritor Kurt Vonnegut, cujo livro “Matadouro-cinco” fez a cabeça do cineasta Jorge Furtado. Na competição brasileira, destacam-se “Belchior, Apenas um Coração Selvagem” e o novo longa-metragem (“Adeus, Capitão”) de Vincent Carelli em parceria com Tita.

O ETV 27 começa no próximo dia 31 de março e prosseguirá, em São Paulo e Rio, presencialmente, e em todo o território brasileiro, virtualmente. Os filmes das mostras competitivas (brasileiras e internacionais de curta, média e longa-metragem) são todos 100% inéditos.

O festival, o maior dedicado ao cinema documental na América do Sul, reforça seu núcleo dedicado à memória do cinema e retoma sua Conferência Internacional, vocacionada a refletir sobre linguagem e contribuição do cinema de não-ficção à arte e à história-memória. Este ano, três filmes de imensa importância serão exibidos no segmento Clássicos ETV: “A História da Guerra Civil”, de Dziga Vertov e Nicolai Izvolov (1921), “É Tudo Verdade”, de Orson Welles, Bill Krohn e Myron Meisel, e “Chico Antônio, Herói com Caráter”, de Eduardo Escorel.

Em tempo de Guerra na Ucrânia, a exibição da obra vertoviana não chega como provocação. Até, porque, como explicou Amir Labaki, diretor do ETV, em coletiva virtual de apresentação do festival, o filme está programado desde novembro, quando foi exibido no IDFA, o Festival de Amsterdã, meca do cinema documental. A vitrine holandesa revelou o centenário filme depois de seu resgate, uma verdadeira epopeia. Tido como desaparecido, “A História da Guerra Civil” foi reconstruído como uma colcha de retalhos, com esforços de arquivos de toda a antiga (e esfacelada) URSS e também do exterior. Sua exibição por aqui será a primeira realizada num país latino-americano. Labaki reafimou sua condenação à “invasão da Ucrânia pelo autocrata Vladimir Putin”, mas lembrou que “é totalmente favorável à difusão da arte e cultura russa”.

Dois cineastas brasileiros – Ana Carolina, de 72 anos, e Ugo Giorgetti, 79 – mais conhecidos por suas obras ficcionais, serão os homenageados do ETV 27. E por suas trajetórias como documentaristas. Ana iniciou-se no formato, realizando filmes em parceria com Paulo Rufino (Lavra-dor) e estreou no longa-metragem com “Getúlio Vargas”. Giorgetti fez seus primeiros curtas documentais e seguiu fiel ao formato, em toda sua carreira. Tem mais documentários que ficções em sua filmografia, se somados seus curtas, médias e longas-metragens.

A sessão inaugural do ETV, em São Paulo, acontecerá, apenas para convidados, no Espaço Itaú Augusta, no dia 31 de março, com exibição de “A História do Olhar”, do irlandês Mark Cousin. Do mesmo e apaixonado cineasta-cinéfilo será exibido, no Rio (Espaço Itaú Botafogo), no dia primeiro de abril, “A História do Cinema: Uma Nova Geração”. Estes filmes serão disponibilizados ao público (de todo território brasileiro), por 24 horas, na plataforma É Tudo Verdade Play, com o limite de 1.500 visionamentos. Os fãs do criativo e irrequieto Cousin devem, pois, ficarem super-atentos.

A noite de premiação do ETV 27 se realizará no dia 10 de abril, em São Paulo. Após a entrega dos troféus, será exibido o longa “O Território”, dirigido pelo norte-americano Alex Pritz. Trata-se de coprodução entre Brasil, Dinamarca e EUA, premiada no Festival de Sundance deste ano, que acompanha jovem líder indígena brasileiro que luta contra ocupantes (fazendeiros) de área protegida da Floresta Amazônica. O filme será exibido presencialmente também no Rio (ambos no Espaço Itaú de Cinema).

O cartaz da edição 27 do ETV traz, como faz historicamente, imagem captada por um grande fotógrafo brasileiro. A deste ano é de autoria de Luiz Carlos Barreto, cearense de 93 anos, radicado no Rio de Janeiro, que trabalhou como repórter fotográfico na revista O Cruzeiro, foi diretor de fotografia de “Vidas Secas” e “Terra em Transe” e dirigiu, com Eduardo Escorel, o longa documental “Isto É Pelé”. E produziu ou coproduziu mais de 70 filmes, entre eles, “Assalto ao Trem Pagador”, “Garrincha Alegria do Povo”, “Dona Flor e seus Dois Maridos” e “O Quatrilho”.

Confira os documentários selecionados:

Longas e médias brasileiros

Sete produções nacionais serão exbidas em sessões presenciais (SP e RJ), às 20h00, e, na plataforma É Tudo Verdade Play, no mesmo dia da sessão em cinemas, às 21h00, com reprise no dia seguinte, às 13h00. Depois dessa exibição, as equipes do filmes participam de debate, às 15h00, transmitido pelo YouTube do É Tudo Verdade.

. “Adeus, Capitão” – De Vincent Carelli e Tita (175′) – O “capitão” Krohokrenhum, líder do povo indígena Gavião (PA), que morreu em 2016, conta para suas filhas e netas as guerras internas entre grupos de seu povo até a transferência dos sobreviventes para a gleba Mãe Maria.

. “Belchior – Apenas um Coração Selvagem” (90′) – De Camilo Cavalcanti e Natália Dias – Antonio Carlos Belchior Fontenelle Fernandes (1946-2017) é revelado em um autorretrato que mergulha no coração selvagem do poeta, cantor e compositor de Sobral (CE).

. “Eneida (79′) – De Heloisa Passos – Eneida, 83 anos, com ajuda de sua filha do meio, a cineasta Heloisa Passos, busca a filha primogênita, que não vê há mais de duas décadas.

. “Pele” (75′) – De Marcos Pimentel – Grafites, pichações, símbolos indecifráveis, palavras de ordem e declarações de amor revelam desejos, medos, fantasias e devaneios.

. Quando Falta o Ar (85′)– De Ana Petta, Helena Petta – O documentário aborda a pandemia com foco no cuidado, revelando a face humana da luta coletiva contra a Covid-19.

. “Rubens Gerchman: O Rei do Mau Gosto (76′) – De Pedro Rossi – Retrata Rubens Gerchman (1942-2008) e sua arte que, com cenas urbanas e do cotidiano, fazem da precariedade brasileira um valor.

. “Sinfonia de Um Homem Comum” (82′). De José Joffily – O tema do documentário é a trajetória de José Bustani, o primeiro diretor-geral da Organização de Proibição de Armas Químicas, e passou a sofrer pressão dos EUA par se demitir depois do 11 de Setembro.

Longas e médias internacionais

Doze títulos internacionais serão exibidos na plataforma É Tudo Verdade Play.

. “Cesária Évora”. De Ana Sofia Fonseca – Portugal (94′) – Imagens inéditas, insights, lutas e o sucesso na vida da cantora cabo-verdiana Cesária Évora (1941-2011).

. “Kurt Vonnegut: Desprendido no Tempo (Kurt Vonnegut: Unstuck in Time)” – De Robert B. Weide, Don Argott – EUA (126′) O filme reconta a vida extraordinária do escritor Kurt Vonnegut (1922-2007) e sua amizade de 25 anos com o cineasta que se dispôs a documentá-la. Estamos no ano do centenário de nascimento do autor de “Matadouro-Cinco”.

. “Assassinos Sem Punição (Getting Away With Murder(s))” – De David Nicholas Wilkinson – Reino Unido (175′) – Os Aliados concordaram em processar todos os responsáveis pelo Holocausto quando elaboraram o Acordo de Londres, em 1945. Mas, depois do fim da década de 1940, esses mesmos Aliados não fizeram quase nada. Por quê?

. “Batata” – De Noura Kevorkian – Líbano, Canadá, Catar (126′) – Um filme incomum que abrange dez anos da vida de uma mulher muçulmana síria determinada, presa num campo de refugiados no Líbano e impedida de voltar para casa.

. “Os Caras do Estreito (The Strait Guys)” – De Rick Minnich – Alemanha, Finlândia, Canadá, (100′) – Um rabugento engenheiro de minas tcheco e seu pupilo tagarela juntam forças com visionários russos para ousar o impossível: ligar os Estados Unidos à Rússia por um túnel de cem quilômetros sob o estreito de Bering.

. “O Filme da Sacada (Film Balkonowy/The Balcony Movie)” – De Pawel Lozinski – Polônia, (100′) – Construídas a partir de conversas do diretor com transeuntes que passam pela rua sob a sacada de seu apartamento em Varsóvia, as histórias do filme são singulares e tratam dos modos como lidamos com a vida na condição de indivíduos.

. “O Processo – Praga 1952 (Le Procès – Prague 1952/The Trial)” – De Ruth Zylberman – França, (70′) – Em 2018, foram encontradas imagens filmadas de um processo, no qual, catorze dignitários comunistas foram acusados de crimes imaginários e tiveram que fazer uma confissão pública de culpa em um julgamento encenado, em 1952.

. “Retratos do Futuro (Retratos del Futuro/Portraits of the future)”. De Virna Molina. Argentina (88′) – Antes da pandemia, a cineasta Virna Molina fazia um filme sobre a resistência das representantes das trabalhadoras do metrô de Buenos Aires, com a Covid-19, porém, o futuro distópico do qual o filme tratava se transformou em presente.

. “Riotsville, EUA (Riotsville, U.S.A.)” – De Sierra Pettengill – EUA (91′) – Usando apenas imagens de arquivo, o filme explora a militarização da polícia norte-americana, e cria uma contranarrativa sobre a reação do país aos levantes do final dos anos 1960.

. “Tantura (Tantura)” – De Alon Schwarz – Israel (85′) – No fim dos anos 1990, Teddy Katz conduziu uma pesquisa sobre o massacre em larga escala que teria ocorrido na aldeia de Tantura em 1948. Esse trabalho mais tarde foi contestado e a reputação de Katz, arruinada.

. “Ultravioleta e as Gangues Cuspidoras de Sangue (Ultraviolette et le Gang des Cracheuses de Sang)”. De Robin Hunzinger França (74′) – Uma adolescente desafia a escola, a doença, os médicos e a morte, e abraça todo mundo que encontra, e lidera uma gangue de garotas que também estão doentes, “As Cuspidoras de Sangue”.

. “Navalny (Navalny)” – De Daniel Roher – EUA (98′) – Um “thriller” documental sobre como um dos líderes da oposição russa ao regime autoritário de Vladimir Putin sobreviveu a uma tentativa de assassinato por envenenamento em 2020, identificou os responsáveis pelo atentado e apesar de tudo retornou à Rússia para prosseguir em sua militância democrática.

Curtas brasileiros

Nove curtas-metragens brasileiros serão exibidos em sessões presenciais no Instituto Moreira Salles (SP e RJ), e na plataforma Itaú Cultural Play. Debates com cineasta serão exibidos no canal do É Tudo Verdade, nos dias 3, 4 e 5, às 16h00.

. “Alágbedé”, de Safira Moreira (12′) – Do ferro-velho ao terreiro, Zé Diabo forja deuses em sua oficina, seguindo o caminho de Ogum.

. “Cadê Heleny?”, de Esther Vital (29′) – Este documentário animado com técnicas de stop motion resgata a trajetória de vida de Heleny Guariba, filósofa, professora e diretora de teatro desaparecida em 1971, sob a ditadura militar brasileira.

. “Cantos de um Livro Sagrado”, de Cesar Gananian, Cassiana Der Haroutiounian (Brasil e Armênia, 25′) – Com a chamada Revolução de Veludo e a Armênia de 2018 como cenário, o filme recria, em cinco cantos a sinergia que geram as revoluções.

. “Carta para Glauber”, de Gregory Baltz (12′) – Em 1964, dias após o golpe militar, Gustavo Dahl, cineasta e pensador do cinema brasileiro, escreve uma carta para o amigo Glauber Rocha, que estava em Cannes apresentando seu filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.

. “Meio Ano-Luz”. De Leonardo Mouramateus (Brasil, Portugal, 19′) – Um rapaz senta-se numa rua movimentada de Lisboa para desenhar as pessoas que passam. Não muito longe dali, um casal conversa sobre a origem de uma carteira encontrada meses antes.

. “Quem de Direito”, de Ana Galizia (21′) – A organização popular pelo acesso à terra marca o território do Vale do Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu (RJ). As mobilizações recentes contra um projeto de barragem colocam a água, também, como elemento de disputa.

. “A Ordem Reina”, de Fernanda Pessoa (19′), Uma viagem internacionalista (no tempo) por sete países que tiveram experiências revolucionárias no século 20, acompanhada por uma voz feminina que recita o último texto de Rosa Luxemburgo.

. “Solmatalua”, de Rodrigo Ribeiro-Andrade (15′) – Com uma constelação de vozes e presenças negras, Solmatalua percorre vertiginoso itinerário entre territórios ancestrais e contemporâneos.

. “Tekoha”, de Carlos Adriano (7′) – No dia 6 de setembro de 2021, seguranças particulares queimaram uma casa Guarani Kaiowá no Tekoha Ava’te, na Reserva de Dourados (MS). A ação foi registrada em vídeo, pelo povo Guarani Kaiowá.

Curtas internacionais 

Nove curtas-metragens internacionais serão exibidos na plataforma Sesc Digital.

. “Ali e Sua Ovelha Milagrosa (Ali and his Miracle Sheep)”. De Maythem Ridha (Iraque, Reino Unido, 26′) – Ali, um garoto mudo de nove anos, leva sua ovelha favorita, Kirmeta, para ser sacrificada. Em sua longa viagem, eles testemunham as belezas e desvendam os males do Iraque. Mas será possível curá-los com um sacrifício?

. “Como Se Mede um Ano? (How Do You Measure A Year?)”. De Jay Rosenblatt (EUA, 29′) – Um pai filma a filha todos os anos, no dia de seu aniversário, e faz a ela as mesmas perguntas. Em apenas 29 minutos, vemos a garota se transformar de menininha em jovem mulher.

. “Descartes (Descartes/Outtakes)” – De Concha Barquero e Alejandro Alvarado (Espanha, 21′) – Em 2016, um grupo de realizadores descobriu na Cinemateca Espanhola 260 rolos de negativos em 16mm sobre o documentário Rocío, que foi censurado no início dos anos de 1980.

. “Fruto do Vosso Ventre (Fruit of Thy Womb)”. De Fábio Silva (Portugal, 20′) – Um realizador regressa à casa dos pais para tentar compreender seu trauma.

. “Heroínas (Heroines)” – De Marina Herrera (Peru, 21′) – Um documentário satírico sobre o culto de um grupo de mulheres que se dedicam à veneração do crânio da guerreira da independência Tomasa Ttito Condemayta.

. “Manual (Handbuch/Handbook)” – De Pavel Mozhar (Alemanha, 29′) – Nos dias seguintes à eleição presidencial na Bielorrússia, numerosos protestos irrompem por todo o país, para conter, a polícia especial, age com brutalidade. Em entrevistas, centenas de vítimas contam suas experiências.

. “Cartaz de Festa (Party Poster)” – De Rishi Chandna (Índia, 20′) – Nos subúrbios de Mumbai, a ciência, a religião e a política se chocam comicamente, em meio à ferocidade da pandemia, quando um grupo de lavadores de roupas decide desenhar um cartaz para celebrar uma festa popular anual.

. “Síndrome dos Quietos (Síndrome de los quietos/ The Stillness Syndrome) – De León Siminiani (Espanha, 30′) – Em 2018, um grupo de cineastas, que se autodenomina Os Imóveis, embarca no projeto de um filme ensaístico sobre uma síndrome de quietude hipotética na República da Colômbia.

. “Voz Virtual (Virtual Voice)” – De Suzannah Mirghani (Catar, Sudão, 7′) – A boneca Suzi é uma guerreira do ego. É a avatar da diretora, marchando ao ritmo dos algoritmos das mídias sociais.

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