Triunfo de “Oppenheimer” no Oscar não ofuscou os roteiros de “Anatomia de uma Queda” e “Ficção Americana”
Por Maria do Rosário Caetano
“Oppenheimer” (foto), de Christopher Nolan, representante do cinema de empenho artístico-ético hollywoodiano capaz, ao mesmo tempo, de dialogar com o grande público, foi o grande vencedor da nonagésima-sexta edição do Oscar, realizada na noite de domingo, em Hollywood.
Depois da surpresa e maluquice do ano passado, quando se premiou o olvidável, vazio e modernoso “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, a noite das estatuetas douradas se mostrou bem previsível. Foram atribuídas sete estatuetas para o drama biográfico (e de consciência) de Julius Robert Oppenheimer, pai da bomba atômica. Três deles os mais cobiçados – melhor filme, diretor e ator. Este, para o irlandês Cillian Murphy, em desempenho notável.
O segundo lugar ficou com “Pobres Criaturas”, produção britânica comandada por Yorgos Lanthimos. De seus quatro troféus, só um de primeira linha (melhor atriz para Emma Stone). Os outros três foram técnicos.
O terceiro posto coube a outro filme britânico, “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer (melhor filme internacional, já que falado em alemão, e melhor som).
Para mostrar que está tentando fazer do Oscar um prêmio mundial do cinema, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood prestou significativa atenção nos festivais internacionais e valorizou o roteiro de “Anatomia de uma Queda”, escrito pela cineasta Justine Triet e por seu companheiro, o também diretor e ator Arthur Harari. O filme foi o grande vencedor da Palma de Ouro, em Cannes. Assim como “Zona de Interesse”, Grande Prêmio do Júri no mesmo festival. “Pobres Criaturas” foi laureado com o Leão de Ouro, em Veneza.
Além do complexo e arrebatador drama de tribunal de Justine Triet, vindo da França, o Oscar deu destaque ao cinema japonês, laureado em duas categorias – melhor longa de animação para “O Menino e a Garça”, do mestre octogenário Hayo Miyazaki, e melhores efeitos especiais, para “Godzilla Minus One”, de Takashi Yamazaki. Este, um prodígio no campo dos filmes de monstro, que custou apenas US$15 milhões, um décimo de alguns de seus poderosos e espalhafatos concorrentes (“Missão Impossível” e “Guardiões da Galáxia”).
O destaque dado às outras geografias cinematográficas (francesa e japonesa, esse ano) é ainda muito tímido. O cinema anglo-saxão continua sendo a razão de ser das cerimônias do Oscar.
Nessa edição, os britânicos conquistaram até a estatueta de melhor filme internacional, pois “Zona de Interesse” pôde se habilitar por expressar-se em alemão. Aliás, assistimos a um bis, pois ano passado eles, os ingleses, estavam por trás de outro laureado na categoria – “Nada de Novo no Front”, de Edward Berger.
A entrega do Oscar a um filme 100% estrangeiro, como o coreano “Parasita”, continua no terreno da mais absoluta excepcionalidade. Se Justine Triet tivesse levado o Oscar de melhor direção, a escolha seria notável e justa. O mesmo se daria com a premiação da atriz alemã Sandra Hüller, arrasadora em “Anatomia de uma Queda”, contida e densa em “Zona de Interesse”.
A atriz brasileira Andreia Horta, a Elis Regina do cinema, atuou como comentarista na TNT e HBO Max. Ela destoou, em certa medida, o coro dos contentes (gente, o que foi aquele faniquito de Aline Diniz para o número musical protagonizado por Ryan Gosling?!). Pois Andreia, atriz de imenso talento, viu na colega alemã a merecedora da láurea hollywoodiana. Em vão. Venceu – o que era esperado – o trabalho físico-histriônico-excessivo de Emma Stone. Que dividia o favoritismo com Lily Gladstone, a primeira estadunidense de origem indígena a disputar o Oscar (a pioneira na categoria fôra a mexicana Yalitza Aparício, do belo “Roma” de Alfonso Cuáron).
A derrota da protagonista feminina de “Assassinos da Lua das Flores”, do mestre Martin Scorsese, deixou de mãos abanando esse poderoso épico sobre a América profunda e sangrenta. Indicado em dez categorias, “Lua das Flores” não triunfou em nenhuma.
Outros dois candidatos a melhor filme – “Maestro”, de Bradley Cooper, e “Vidas Passadas”, de Celina Song – também passaram incólumes. A noite era de Cris Nolan e de “Oppenheimer”.
No terreno do longa documental, venceu “20 Dias em Mariupol”, de Mstyslav Chernov, produção que uniu EUA e Ucrânia. O realizador proferiu discurso contundente contra a Rússia, que, dois anos atrás, invadiu sua ex-República (de tempos da União Soviética) e constatou que não desejava ter feito o documentário que fez. Mas foi compelido a registrar a tragédia da guerra na cidade de Mariupol, ao longo de 20 dias.
A política teve destaque razoável durante a cerimônia da estatueta dourada. Alguns artistas usaram broche (Artist4ceaserfire) pedindo cessar fogo na Faixa de Gaza. Outros, como os franceses Swann Arlaud e Milo Machado Graner, de “Anatomia de uma Queda”, usaram broche com a bandeira Palestina. Jonathan Glazer, que filmou o romance de Martin Amis, ambientado numa bela casa ajardinada, ao lado de um campo de concentração, também pediu o fim da guerra em solo palestino.
O apresentador Jimmy Kimmel leu, no ar, opinião de Donald Trump, candidato republicano à presidência dos EUA, sobre sua missão (pela quarta vez) de mestre-de-cerimônia do Oscar. Opinião negativa, claro. Mas Kimmel não perdeu o jogo de cintura. Além de agradecer a audiência do candidato de cabelos cor de laranja, provocou: “Já não está na hora do senhor estar na cadeia?” Foi, claro, aplaudido e brindado com gargalhadas generosas da plateia, majoritariamente democrata, que lotava o Dolby Theater.
Os afro-americanos brilharam em duas categorias na Noite do Oscar. Primeiro, melhor atriz coadjuvante para Da’Vine Joy Randolph. Ela forma, com Paul Giamatti e Dominic Sessa, um trio da pesada no delicado (e inquieto) “Os Rejeitados”, de Alexander Payne. Depois, com melhor roteiro adaptado para Cord Jefferson, por “Ficção Americana”.
Diretor e roteirista, Jefferson recriou, com coragem e humor, o romance “Erasure”, de Percival Everett. O cineasta, estreante, lembrou a “importância de refletir a diversidade da experiência negra”, pois “nós, os pretos, somos tão matizados e complexos quanto qualquer outro grupo de pessoas”. E torceu para que os milhões gastos em superproduções hollywoodianas sejam divididos em muitos e diversificados projetos de orçamentos bem menores.
Por fim, um registro. Antecipando em uma hora o início da festa do cinema e da moda hollywoodianos, o ganho foi dos mais significativos e pode, até, resultar em melhor audiência. Há quantos séculos não víamos uma Noite do Oscar chegar a termo antes, bem antes, da meia-noite?
Confira os vencedores:
. “Oppenheimer”, de Christopher Nolan (EUA) – melhor filme, direção, ator (Cillian Murphy), coadjuvante (Robert Downey Jr.), fotografia (Hoyte van Hoytema), montagem (Jennifer Lame), trilha sonora (Ludwig Göransson)
. “Pobres Criaturas”, de Yorgos Lanthimos (Reino Unido) – melhor atriz (Emma Stone), figurino, design de produção, maquiagem-cabelo
. “Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer – melhor filme internacional, melhor som (Tarn Willers e Johnnie Burn)
. “Anatomia de uma Queda”, de Justine Trier (França) – melhor roteiro original (Justine Trier e Arthur Harari)
. “Ficção Americana”, de Cord Jefferson (EUA) – melhor roteiro adaptado (Cord Jefferson)
. “Os Rejeitados”, de Alexander Payne (EUA) – melhor atriz coadjuvante (Da’Vine Joy Randolph)
. “Barbie”, de Greta Gerwig (EUA) – melhor canção “What Was I Made For?” (Billie Eilish e Finneas O’Connell)
. “O Menino e a Garça”, de Hayo Miyazaki (Japão) – melhor longa de animação
. “20 Dias em Mariupol”, de Mstyslav Chernov (Ucrânia-EUA) – melhor longa documental
. “Godzilla Minus One”, de Takashi Yamazaki (Japão) – melhores efeitos especiais
. “A Última Loja de Consertos” (‘The Last Repair Shop’) – melhor curta documental
. “War is Over! Inspired by the Music of John & Yoko” – melhor curta de animação
. “A Incrível História de Henry Sugar”, de Wes Anderson – melhor curta