Maternidade, paternidade, pacto de violeiro e mensagem ecológica de “Jequi” são temas das estreias brasileiras
Foto: “A Melhor Mãe do Mundo”, de Anna Muylaert
Por Maria do Rosário Caetano
“A Melhor Mãe do Mundo”, oitavo longa-metragem da paulistana Anna Muylaert, é uma das quatro estreias brasileiras programadas para esta quinta-feira, 7 de agosto. O filme aborda a questão da maternidade, de imensa força em dois outros filmes da cineasta (“Que Horas Ela Volta?” e “Mãe Só Há Uma”). Já o pernambucano “Paterno”, de Marcelo Lordello, reflete, como mostra seu sintético título, sobre a paternidade.
O brasiliense “Pacto da Viola”, de Guilherme Bacalhao, também tem a ver com relação pai-e-filho, ambos violeiros, um doente e atormentado por questões espirituais e o outro desiludido pelo fracasso de sua carreira musical.
O mineiro “A Mensagem do Jequi”, de Igor Amorim, navega por outras águas e propõe-se a sensibilizar o público infantil para os recados emitidos pelos fluxos fluviais. E o faz com narração de menininho quilombola, o Jequi (Jequitinhonha).
O novo longa-metragem de Anna Muylaert, que filmou tão pouco ao longo de seus 61 anos e agora deslanchou, chega com difícil missão. Depois do sucesso de crítica e de público (quase 500 mil espectadores) de “Que Horas Ela Volta?”, Anna viu seus filmes obterem modestos resultados de bilheteria. Foi o caso de “Mãe Só Há Uma”, “Alvorada”, parceria com Lô Politi, e “O Clube das Mulheres de Negócios”. Este, sem dúvida, seu longa mais controvertido (embora, instigante). Mal saíra do lançamento do “Clube feminista”, e Anna já estava envolta em ruidosa polêmica — substituir atriz cis por atriz trans para encabeçar o elenco de “Geni e o Zepelin”, em fase de finalização. Agora chegou a hora de lançar “A Melhor Mãe do Mundo”.
A diretora e roteirista dos criativos “Durval Discos” e “É Proibido Fumar” chegou ao seu filme mais conhecido e mobilizador – “Que Horas Ela Volta?” – escorada em figura materna das mais fortes e mobilizadoras, a doméstica Val (Regina Casé). Outra figura materna estaria no centro do filme que realizaria a seguir – “Mãe Só Há Uma”. Neste, Anna discutiu a maternidade de duas mulheres, uma que tivera o filho roubado na maternidade e aquela que o sequestrou (e o criou). Um caso momentoso da crônica policial brasileira, o do sequestro do menino Pedrinho, ocorrido em Brasília, em janeiro de 1986, serviu de fonte de inspiração. Agora, com “A Melhor Mãe do Mundo”, fecha-se a trilogia materna muylaertiana.

O novo filme, porém, não tem a criatividade dos anteriores. E coloca impasses nos caminhos trilhados pela cineasta. “O Clube das Mulheres de Negócios” teve uma primeira parte que desagradou a muitos e parece ter afugentado o público. Mas as reviravoltas da segunda parte baseadas nas inquietações da roteirista-diretora (e metaforizada nos tigres digitais) ainda mostravam que Muylaert seguia ousada, provocadora.
“A Melhor Mãe do Mundo” parece ter engessado a criatividade da cineasta. O filme é previsível, didático e sem o humor desconcertante de outros de seus roteiros. A trama centra-se em três personagens – a recicladora Gal (Shirley Cruz) e seus dois filhos, a menina Rihanna (Rihanna Barbosa) e o inquieto e espirituoso Benin (Benin Ayo). Para fugir do marido abusador, Leandro (Seu Jorge), Gal coloca os filhos na carroça utilizada, cotidianamente, para recolher resíduos e se propõe a cruzar a metrópole, do centro até a casa (distante) de sua prima Valdete (Luedji Luna). Atitude complexa, pois deixará as crianças ao relento (“vamos acampar”), sem poder frequentar, mesmo que temporariamente, a escola e alimentando-se de forma errática. Para compensar tamanha mudança, Gal convence os filhos de que eles viverão, juntos, uma aventura. E nós, os espectadores, assistiremos a um ‘carroça movie’.
Até que no começo, somos surpreendidos por ótimas imagens (semidocumentais) de um posto de reciclagem. E, depois, por uma das primeiras peripécias da prometida aventura de mãe e filhos – aquela que evoca uma “Fontana de Trevi do Terceiro Mundo”. Gal consegue banhar-se com os filhos nas águas de fonte situada próxima ao Teatro Municipal. Mas depois, salvo os momentos em que o pequeno Benin consegue fazer graça, a trama vai ficando cada vez mais demonstrativa e arrastada.
O amor da família pelo Corinthians se fará sentir, aos poucos, na narrativa. E ganhará força em vigorosa sequência filmada em meio à Fiel, num estádio lotado. Mas os momentos envolventes são poucos para trama que dura largos 106 minutos. O elenco rende bem e a mineira Rejane Faria chama atenção como uma mulher, de apelido Munda, que conhece as durezas das ruas e criou anticorpos para superá-las. Mas a sequência que antagoniza Gal e o (suposto) amigo Reginaldo (Lourenço Mutarelli) resulta forçada. Até o reencontro com o marido abusador, que, enfim, prometia mostrar a complexidade dos sentimentos humanos, acaba assumindo registro demonstrativo.

Anna Muylaert dialoga com sua própria obra, seja aquela feita para a TV (Cultura), seja para o cinema. Trabalhar com (e para) crianças é um de seus dons. Quem não se lembra de Kiki Cavalcanti, a menininha que dava sua interpretação, tão peculiar, sobre o nascimento dos bebês?
Colocar Chico César no lugar do irmão, Gegê, líder de Movimento de Moradia, em rápida sequência do filme, também cumpre papel significativo. Para o autor do verso “Uma cigana analfabeta leu a mão de Paulo Freire”, Anna concebeu e dirigiu, décadas atrás, um videoclipe encantador. Gegê, por sua vez, pagaria alto preço por sua militância política. Foi encarcerado. Recebe, pois, justa homenagem.
Tomar uma carroça, meio de transporte precário, como objeto lúdico, foi um dos trunfos de “Durval Discos”. Quem há de esquecer o passeio de carroça por avenidas paulistanas, dos moradores da estranha casa do vendedor de discos, Durval (Ary França), e de sua mãe (Etty Frazer) ao som do “Besta é Tu” dos Novos Baianos?
Em “A Melhor Mãe do Mundo”, a trilha sonora soma Paulinho da Viola e Villa-Lobos. Mas o filme não tem o ritmo de “Durval Discos”, com seu Lado A e seu Lado B, ambos envolventes (mesmo que o lado A seja leve, quase solar, e o lado B, enigmático e soturno).
Aguardemos “Geni e o Zepelin” para ver se Anna Muylaert retomou a vereda da ousadia e da invenção. Ou se optou, de vez, pelo caminho do cinema demonstrativo. Didático.
FILMOGRAFIA
Anna Luíza Machado da Silva Muylaert (São Paulo, 21 de abril de 1964)
Cineasta, roteirista e produtora
“Geni e o Zepelin” (em finalização)
“A Melhor Mãe do Mundo” (2025)
“O Clube das Mulheres de Negócios” (2024)
“Alvorada” (2022), parceria com Lô Politi
“Mãe Só Há Uma” (2016)
“Que Horas Ela Volta?” (2015)
“Chamada a Cobrar” (2012)
“É Proibido Fumar”(2009)
“Durval Discos” (2002)
A MELHOR MÃE DO MUNDO
Brasil, 2025, 106 minutos, 14 anos
Direção: Anna Muylaert
Elenco: Shirley Cruz, Rihanna Barbosa, Benin Ayo, Seu Jorge, Luedji Luna, Rubens Santos, Rejane Farias, Lourenço Mutarelli, Katiuscia Canoro, Ayomi Domenica e Dexter
Fotografia: Lílis Soares
Montagem: Fernando Stutz
Roteiro: Anna Muylaert (com colaboração de Mariana Jaspe)
Direção de arte: Maíra Mesquita e Juliana Ribeiro
Figurino: Nina Maria e Yuri Kobayashi
Música original: André Abujamra e George Nahssen
Distribuidora: Galeria
PATERNO
Pernambuco, 2019-2025, 110 minutos, 12 anos
Direção: Marcelo Lordello
Roteiro: Marcelo Lordello, Fábio Meira e Letícia Simões
Elenco: Marco Ricca, Selma Egrei, Thomas Aquino, Rejane Faria, Nelson Baskerville, Gustavo Patriota, Fabiana Pirro, Wilson Rabelo, Germano Haiut, Claudia Assunção, Zoraide Cleto
Fotografia: Barbara Alvarez
Montagem: Eduardo Serrano
Trilha sonora: Piero Bianchi, Rodrigo Caçapa e Mateus Alves
Direção de arte: Iomana Rocha e Yanna Luz
Distribuição: Filmes do Estação/ArtHouse
PACTO DA VIOLA
Brasília, 2025, 99 minutos, 12 anos
Direção: Guilherme Bacalhao
Elenco: Wellington Abreu (Alex), Sérgio Vianna (Lázaro), Gabriela Correa (Joyce), Márcia Costa (Tia Maximiana, Marcio Rodrigues (Tião), Abaetê Queiroz (Marçal), André Araújo (Tonho), Léo Gomes (Gilson), Sérgio Sartório (Gaúcho da fazenda) e o Terno de Folia Tradição Gombê
Roteiro: Roberto Robalinho, Guilherme Bacalhao, Aurélio Aragão (com consultoria Di Moretti e Helen Beltrame-Linné)
Fotografia: André Carvalheira
Montagem: Marcius Barbieri
Som direto: Olivia Hernández
Direção de arte: Nina Perez
Preparação de elenco: Vanise Carneiro
Produção: Getsemane Silva e Guilherme Bacalhao
Distribuição: 400 Filmes
A MENSAGEM DO JEQUI
2025, Minas Gerais, 2024, 73 minutos, livre
Direção: Igor Amin
Roteiro: Adolfo Borges, Susane Meyer Portugal e Igor Amorim
Elenco: Kaique Silva Santos (Jequi), Mateus Andrade, Hillary Moreira
Fotografia: Breno Conde
Montagem: Igor Amim e Marcos Catenhede
Produção: Renata Rocha
Distribuição: Crocriativa e Ao Vento Filmes
