Onde a Coruja Dorme

A vida do sambista Bezerra da Silva, a poesia de seu cotidiano na favela, os comparsas de composição e os bastidores de sua bela e conturbada trajetória revelam-se no longa “Onde a Coruja Dorme”. Dirigido por Márcia Derraik e Simplicio Neto, o documentário – apresentado pela Petrobras, com produção da TvZERO e Antenna, coprodução da Teleimage e distribuição da RioFilme – estreia no dia 2 de novembro em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, DF e Pernambuco.

“Onde a Coruja Dorme” – que teve como ponto de partida o curta homônimo produzido em 2001 pelos mesmos diretores – conta, pela primeira vez, a história por trás das composições de José Bezerra da Silva (1927 – 2005), que conduz, como um verdadeiro maestro, um grupo de compositores e suas inspirações ao longo do filme. Ícone da malandragem, o pernambucano veio para o Rio ainda menino, clandestinamente, de navio. E na Cidade Maravilhosa tornou-se um ícone do modus vivendi das favelas. Com depoimentos preciosos do próprio Bezerra e imagens de arquivo, o documentário é costurado por entrevistas com esses até então desconhecidos compositores gravados pelo sambista e que, com uma singular erudição vinda do asfalto, são verdadeiros cronistas da malandragem.

O quebra-cabeça desse universo é montado a partir dos compositores gravados por Bezerra: trabalhadores comuns. Ao longo do filme, cruzamos com alguns personagens como Tião Miranda, que trabalha com refrigeração; o bombeiro Pedro Butina, que trabalha com remoção de cadáveres; o carteiro Claudinho Inspiração; e comparsas como 1000tinho, Walmir da Purificação, Adezonilton e Nilo Dias, entre outros. Todos esses personagens, fundamentais na trajetória de Bezerra, aparecem contando as histórias por trás das canções e também em performances registradas in loco nos morros do Rio.

Bezerra é quem nos leva ao descobrimento desses pensadores da favela, um verdadeiro exército de compositores anônimos garimpados por ele e que até já estamparam capas de LPs, como a do clássico “Bezerra da Silva e um Punhado de Bambas”, de 1982. Assumindo o papel de embaixador da malandragem, Bezerra se orgulhava justamente de nos apresentar esses compositores de versos como “mermão, se ligue no que eu vou lhe dizer: hoje ele pede seu voto, amanhã manda a polícia lhe bater“ (Candidato Caô Caô) ou o famoso “é por isso que eu vou apertar, mas não vou acender agora” (Malandragem Dá Um Tempo).

O filme de Márcia e Simplício dá voz a esse grupo de pessoas humildes que, como diz Bezerra na abertura do longa, não têm oportunidade de dizer o que pensam, pelo contrário, só sofrem ataques, sem chances de defesa. Os assuntos passam ainda por política, tráfico de drogas, legalização, macumba, incompreensão por parte da crítica musical e problemas com repasse de direitos autorais – tão em pauta ainda hoje. Bezerra sintetiza, colocando na mesa sua filosofia: ”o autor do morro diz cantando aquilo que queria dizer falando – e eu sou o porta-voz”.

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