O submundo do século XXI
William Friedkin foi um dos diretores mais notáveis da Nova Hollywood, momento do cinema norte-americano quando os jovens tomaram os estúdios, nos idos anos 70. Já veterano entre os novos cineastas, com quatro longas nas costas e um bocado de documentários televisivos, Friedkin estourou em 1971 com “Operação França”, sucesso de público e de crítica, ganhador dos principais Oscars, entre eles, de filme e direção. O filme seguinte, “O Exorcista” (1973), apesar dos diversos problemas de produção, arrebentou nas bilheterias. Parecia que a ousadia do diretor na escolha de temáticas estava resultando, que a violência e o questionamento haviam encontrado uma forma de expressão. Porém, ao contrário de outros diretores da Nova Hollywood, Friedkin perdeu seu espaço e nunca mais conseguiu o mesmo sucesso de crítica e de público.
Ainda assim, Friedkin continuou filmando regularmente, pelo menos três filmes por década. Alguns são belos filmes, cultuados pela cinefilia, como “O Comboio do Medo” (1977), “Viver e Morrer em Los Angeles” (1985) e “Possuídos” (2006); outros, não saíram da mediocridade, vide “Jade” (1996). Felizmente, “Killer Joe – Matador de Aluguel”, a nova empreitada do cineasta, concorrente a um Leão de Ouro, no Festival de Veneza de 2011, está no primeiro time. O diretor, aliás, parece ter encontrado o caminho: filmes pequenos, com baixo orçamento, e grande liberdade de criação, ainda que não tenha conseguido emplacar nas bilheterias – “Killer Joe” custou, aproximadamente, US$ 10 milhões e não fez nem US$ 2 milhões.
Em “Killer Joe”, Friedkin volta a examinar o submundo norte-americano e a derrocada da instituição família, a partir de uma nova perspectiva, do mundo do crime. Em boa parte de suas tramas policiais, o filme acompanha o policial, geralmente honesto e implacável. Em “Killer Joe”, continua a acompanhar um policial implacável, mas, dessa vez, um corrupto matador de aluguel nas horas vagas. Friedkin investiga, a partir da premissa – traficante roubado pela mãe resolve contratar matador de aluguel para eliminá-la, pois ela tem um seguro no valor de US$ 50 mil, em nome de sua irmã, mas, para tal, deverá dar ao matador sua jovem irmã como garantia –, o comportamento de cinco personagens: o traficante, sua irmã, seu pai e sua madrasta, no núcleo familiar, e do Killer Joe, o matador.
O mundo mostrado por William Friedkin é podre e abandonado. Não há justiça, não há possibilidade de melhoria, não há solução. Leva-se a vida como pode. A evolução, em seus filmes, da corrupção, aliás, é notável. Se nos anos 70 e 80 havia solução, ainda que brutal, ao lutar contra a corrupção do mundo, as coisas começam a mudar nos anos 90 e começo dos 2000, quando ainda há uma tentativa de julgamento e de salvação. Essa realidade não existe mais a partir de “Possuídos”. “Killer Joe” é a completa inversão de valores: a corrupção se instalou; a questão, agora, é entender como os corruptos resolvem suas querelas. Seus personagens são inconsequentes, buscando sempre a resolução que parece mais fácil, ainda que fora dos limites da lei, para continuar existindo. É assim que Chris abandona a pequena fazenda que monta após algumas adversidades para virar traficante. Da mesma forma, resolve contratar alguém para matar a mãe.
A corrupção, claro, é de ordem capitalista: só buscam as atrocidades por conta do dinheiro. O símbolo máximo disso é o próprio Killer Joe, o papel da vida do costumeiramente medíocre Matthew McCounaughey, um policial que aceita matar qualquer um por US$ 25 mil – adiantados, claro. Como não há dinheiro, aceita a sedutora irmã – o sexo é outra forma de moeda. Tal problema é logo superado por todos, por Chris, por seu pai e pela própria irmã, que é virgem. Todos querem o dinheiro; a morte da mãe é só um obstáculo. Pois bem, a corrupção da família e sua derrocada parecem ter uma razão bem clara. Se em “O Exorcista” o fim da instituição família está nos elementos sobrenaturais, em “Killer Joe” não poderia ser mais mundana.
A violência é a solução dos problemas. E nessa seara é que Friedkin se sai melhor, muito por conta da história de Tracy Letts, mas também porque filma como pouco as atrocidades. Não só a violência física e brutal, com pancadarias, tiros, explosões. Isso, aliás, importa menos. A violência que mais interessa ao filme é a mental, seja através do diálogo ou da força. Nunca mais uma coxinha de frango será a mesma.
Assista ao trailer do filme aqui.
Killer Joe – Matador de Aluguel | Killer Joe (EUA, 102 min., 2011)
Direção: William Friedkin
Distribuição: Califórnia Filmes
Estreia: 8 de março
Por Gabriel Carneiro