Jovens Infelizes

O cineasta Thiago B. Mendonça acumulou uma série de prêmios em festivais brasileiros com seus inquietos curtas-metragens. “Canto da Lona”, “Piove, Il Film di Pio”, “Minami em Close-Up” e “A Guerra dos Gibis” foram os mais festejados. Em 2017, ele venceu a Mostra de Cinema de Tiradentes com seu primeiro longa-metragem, um quebra-cabeças de nome quilométrico – “Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita Não É um Urso que Dança”. Voltou a Tiradentes, ano passado, com seu segundo longa, “Um Filme de Cinema”, destinado ao público infanto-juvenil. O terceiro, em fase adiantada de finalização, chama-se “Curtas Jornadas Noite Adentro”.

Dois anos depois da premiação tiradentina, Thiago coloca “Jovens Infelizes” na tela grande. O filme, que dura 127 minutos e se processa na fronteira entre ficção e documentário, estreia nesta quinta-feira, 7 de fevereiro, no CineSesc, em São Paulo. Após a sessão inaugural, haverá debate com o diretor, a montadora (de Carlão Reichenbach e Andrea Tonacci) Cristina Amaral e o músico e trilheiro Kiko Dinucci.

“Jovens Infelizes” é fruto das inquietações do cineasta paulistano, de 41 anos, e foi produzido com apenas R$ 40 mil. No elenco, atores de importantes núcleos de teatro coletivo de São Paulo (Renan Rovida, Camila Urbano, Alex Rocha, Clarissa Moser, Ieltxu Ortueta, Rafaela Penteado, Cel Oliveira, entre outros). O próprio Thiago, também dramaturgo e diretor teatral, integra dois coletivos, o Zagaia e o Cia do Terror.

O Brasil fervia em 2013, com manifestações de Julho, e em 2014, com os protestos anti-Copa do Mundo e, principalmente, contra o governo Dilma Roussef. Este é o pano de fundo histórico-político captado por Thiago e sua equipe, quando filmaram “Jovens Infelizes”. Três pilares sustentam o filme: um ensaio de Pasolini (de nome “Jovens Infelizes”) sobre “o fascismo do consumo que assolava a geração 1970, na Itália”, as angústias de artistas brasileiros ao depararem-se com a impossibilidade de levar adiante projeto de transformação (e relevância) social e, por fim, e em essência, a realidade política brasileira que gestava “um monstro disforme”, capaz de demolir sonhos e utopias.

Para montar seu quebra-cabeças cinematográfico, o cineasta criou seis sequências, separadas (a la Godard) por títulos provocadores e montadas (por ele mesmo, que assina também o roteiro) do fim para o começo. Artistas (de teatro e músicos) encenam situações, as mais diversas. Pode ser uma intervenção no espaço urbano, ou uma roda de samba, ou um acalorado debate sobre arte. Até uma orgia sexual. Mais uma vez Pasolini (e seu desesperado “Salò ou os 120 Dias de Sodoma”, 1975) nos vem à memória. E também “O Bandido da Luz Vermelha”, quando lemos, num muro, frase também desesperada: “está tudo uma merda”.

A trilha sonora ganha a contribuição de hinos históricos de resistência e revolução (“Bella Ciao”, dos partigianis italianos, “Ay Carmela”, dos republicanos espanhóis, e “A Internacional”, espécie de “marselhesa” comunista). Sem preocupar-se com as regras do cinema narrativo, Thiago introduz ousado depoimento do cineasta Andrea Tonacci (1944-2016) e projeta uma das mais belas sequências de “Alma Corsária” (Reichenbach, 1994), em parede pública da megalópole paulistana. Explícita — e creditada — homenagem do jovem cineasta a dois de seus mestres.

É possível estabelecer uma sinopse para este filme de narrativa tão livre? O próprio diretor expõe uma possibilidade: “Um grupo de artistas vive na fronteira entre arte e vida. Com performances teatrais e musicais em espaços públicos, eles tentam construir uma consciência revolucionária. Mas horizontes rebaixados de uma sociedade cada vez mais autoritária os faz buscar um último grande ato estético”.

“Jovens Infelizes” começa com o belo rosto de uma atriz-cantora, de cabelos negros cacheados e visual de cabareteira. Ao fundo, uma cortina muito vermelha. Ela canta versos provocadores (“Vamos explodir/ Explodir para o mundo ressurgir/ Ressurgir/ Para começar de novo/ É preciso destruir”). Quando a câmara a mostra de corpo inteiro, e não mais em close, veremos que dela faltam partes. A cor luminosa dará, então, lugar ao preto-e-branco da poderosa fotografia de André Moncaio. Só no final — passadas quase duas horas — a cor voltará. Um filme para quem quer ser desafiado.

FILMOGRAFIA DE THIAGO B. MENDONÇA
2019 – “Curtas Jornadas Noite Adentro” (longa em finalização)
2018 – “Um Filme de Cinema” (longa infanto-juvenil)
2017 – “Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita Não É um Urso que Dança”(longa-metragem)
2016 – “Procura-se Irenice”(doc para TV)
2015 – “Entremundo” (curta, em parceria com Renata Jardim)
2013 – “O Canto da Lona” (curta)
2012 – “A Guerra dos Gibis” (curta em parceria com Rafael Terpins)
2012 – “Piove, Il Film do Pio” (curta sobre Pio Zamuner)
2009 – “Santa Ifigênia e seus Pecados” (doc para TV)
2008 – “Minami em Close-Up – A Boca em Revista”(curta-metragem)

 

Por Maria do Rosário Caetano

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