Uma nova visão para o renovado cinema brasileiro

Há dez anos trabalhando com longas-metragens, Andrea Barata Ribeiro já se tornou uma das principais produtoras brasileiras – quiçá do mundo, conforme publicação da renomada revista norte-americana Variety, que a elegeu como uma das cinco produtoras mais influentes do globo. À frente da O2 Filmes, de onde é sócia ao lado de Fernando Meirelles e Paulo Morelli, desde a fundação – além de Bel Berlinck, no setor de cinema – Andrea está por trás de filmes como “Domésticas” (2001), “Cidade de Deus” (2003), “Contra Todos” (2004), “Antônia” (2006), “Não Por Acaso” (2007), “Ensaio sobre a Cegueira” (2008), “À Deriva” (2009), e de séries como “Filhos do Carnaval” e “Som e Fúria”.

Lançando e filmando uma média de um filme e uma série para televisão por ano, Andrea refuta que a produção tenha ficado mais industrial e aumentado em volume, mesmo tendo já lançado em 2011 “Lixo Extraordinário” e “VIPs” e com “Xingu” prometido para outubro. “Ainda não sabemos se vamos lançar ‘Xingu’ este ano. Não temos intenção de fazer muitos filmes por ano. Qualidade precisa de atenção e tempo”, contemporiza a produtora.

Em entrevista exclusiva à Revista de CINEMA, Andrea Barata Ribeiro fala de sua carreira e sobre seu trabalho na O2 e expõe sua visão de mercado audiovisual e cinematográfico.

Revista de CINEMA – Como se dá o processo de seleção de próximos projetos de cinema? E de televisão?
Andrea Ribeiro – Recebo muito projeto aqui na O2 e costumo ler a maioria. Fora isso, procuro também na literatura, como é o caso de “Fogo nas Entranhas”, baseado no livro de Pedro Almodóvar, e de “Na Toca dos Leões”, de Fernando Morais, dois livros cujos direitos comprei recentemente e estou desenvolvendo os roteiros. A O2 tem também um excelente time de diretores, e trocamos ideias o tempo todo. Muitos dos projetos saem desse bate bola. Eles costumam trazer boas ideias, e eu tento dar um destino a elas. Claro que tem mais ideia do que destino (risos).

Revista de CINEMA – Dos muitos projetos que você recebe na O2, algum deles chega a ser produzido?
Andrea Ribeiro – Agora vamos desenvolver uma série que recebei de um autor-produtor fora da O2. “Corrida dos Bichos”, do diretor Ernesto Solis, é outro projeto que pretendemos produzir, junto com a Bananeira Filmes. Agora mesmo estou lendo um projeto da Anna Muylaert. Mas o grande volume vem dos diretores da casa.

Revista de CINEMA – Atualmente, além da finalização de “Xingu” e “A Cadeira do Pai”, em quais outros projetos a O2 está envolvida?
Andrea Ribeiro – Sobre os projetos para TV não posso falar. Mas para cinema estamos desenvolvendo sete projetos simultaneamente: “Fogo nas Entranhas” (Fernanda Young e Alexandre Machado), “Na Toca dos Leões” (Felipe Braga), “O Banheiro” (Pedro Vicente e Mauro Lima), “Corrida dos Bichos” (Ernesto Solis), “Exodus” (documentário de Hank Levine) e mais dois que estou fechando os direitos ainda. Também estou trabalhando no “Pedro Malasartes”, com roteiro e direção do meu sócio Paulo Morelli.

Revista de CINEMA – Só são feitos projetos de diretores da O2 ou a produtora está aberta a projetos externos? Por quê?
Andrea Ribeiro – Trabalhamos principalmente com os diretores da casa. Além de eles serem excelentes, estarmos aqui diariamente acaba facilitando o entendimento. Mas estou desenvolvendo um projeto com o Mauro Lima, por exemplo, que não é diretor da O2. Conhecia a peça do Pedro Vicente, “O Banheiro”, e achei que o Mauro poderia mandar bem. Ele leu, gostou e está trabalhando no roteiro.

Revista de CINEMA – Dentro do cinema, qual o foco da empresa? E os critérios para investir num filme?
Andrea Ribeiro – Os critérios da empresa são mais abrangentes do que o meu. Porque não tenho necessariamente que estar envolvida em todos os projetos da O2. Meu critério é o público. Quero fazer filme que atinja o público. Mas nem por isso preciso fazer um filme ruim. Público e qualidade não são incompatíveis. É isso que busco.

Revista de CINEMA – O que se percebe vendo a história da O2 é a sua incrível capacidade de coordenação de projetos e diretores. Como controlar tudo?
Andrea Ribeiro – A O2 é uma produtora que tem 20 anos. Começamos num momento em que o cinema estava praticamente morto no Brasil e não havia nenhum espaço para a produção independente na TV. A solução foi cairmos de cabeça na publicidade. Acho que essa foi a grande escola. Quando você tem orçamento, prazo, cliente, aprovação, necessariamente você fica mais atento e aprende a lidar com limites, erros e acertos. Senão você está morto. A publicidade é cruel e não dá segunda chance. Quando finalmente começamos a poder fazer cinema, essa gestão mais organizada já fazia parte da nossa cultura. Sempre reinvestimos no nosso negócio. Ferramentas gerenciais inclusive fazem parte desse investimento. Não tem jeito de você produzir um filme sem estar inteirado do processo todo. É fundamental o produtor conhecer o projeto profundamente.

Revista de CINEMA – E você costuma interferir na produção, se for o caso?
Andrea Ribeiro – Vou pouco aos sets. Quem cuida mais dessa parte é minha sócia, Bel Berlinck. Cuido mais do desenvolvimento e da captação de recursos. Não é uma questão de interferir na produção. Quem põe o negócio de pé é o produtor. Tem que haver troca com o diretor, senão fica difícil. Nesse sentido, costumo atuar bastante junto com a Bel. Não tem nada mais chato do que diretor mimado e intransigente.

Revista de CINEMA – O peso da O2 também parece ter atraído diretores para a casa, como o Cao Hamburger. Como se dá essa escolha?
Andrea Ribeiro – O Cao é freelancer. Ele começou na O2 fazendo publicidade. Daí tivemos a chance de desenvolver com ele a série “Filhos do Carnaval”, para a HBO. Quando o Fernando Meirelles quis fazer o “Xingu”, pensou no Cao, que abraçou o projeto desde o início. Mas ele faz trabalhos em outras produtoras. Não tem uma regra.

Revista de CINEMA – Você pensa que, por a O2 ser uma produtora de publicidade estabelecida, a empresa conseguiu mais facilmente entrar para o cinema?
Andrea Ribeiro – Na época em que começamos a fazer os primeiros curtas e o “Domésticas”, levamos bomba dos dois lados. Nossos clientes publicitários diziam que não queríamos mais saber de publicidade e a indústria e imprensa cinematográfica nos chamavam de garotos com estética publicitária. Hoje em dia, essa visão retrógrada já mudou. É supersaudável um diretor ter a chance de pular de um formato para o outro. Faz um comercial, uma série, um longa, no meio outro comercial, o conteúdo de uma exposição, um documentário. O fato é que o cara está no set o tempo todo, aprendendo. Isso faz com que ele se aprimore e os trabalhos sejam melhores em todas essas áreas.

Revista de CINEMA – Como você chegou à área de produção?
Andrea Ribeiro – Quando fiz faculdade [de publicidade], o cinema nacional estava quase morto. Queria fazer publicidade, ser redatora. Mas aí comecei a trabalhar numa agência e a chance foi no rádio e na TV. Logo depois conheci a Olhar Eletrônico e pensei: “oba, achei minha turma”. Fui trabalhar com eles e estou até hoje. Foi lá que conheci o Fernando e o Paulo Morelli, meus sócios. Alguns anos depois, eles fecharam a Olhar e montaram a O2. Como eles queriam ficar mais focados na direção dos filmes, me convidaram para ser sócia. Assim eu podia cuidar de toda a “chatice” que eles não queriam. Deu certo. Faz 20 anos que somos sócios e posso dizer que nunca brigamos.

Revista de CINEMA – Quando foi que decidiram fazer cinema?
Andrea Ribeiro – Todos nós tínhamos vontade de fazer outros formatos além do comercial de 30 segundos. Mas, como disse, na época não existia espaço. Começamos fazendo curtas nos cenários da publicidade. Tinha um cenário bonitão lá no estúdio, vinha um diretor e dizia: “Vamos fazer um curtinha aqui antes de desmontar?”; “Vamos, você tem uma ideia?”; “Não, mas escrevo agora e filmamos à noite, pode ser?”; “Pode”. E assim foi. Nossos curtas começaram a arrebentar nos festivais, afinal a gente tinha uma equipe de primeira, um jogo de cintura enorme; câmera, negativo, vinha tudo da publicidade. Fizemos “Domésticas” assim também, com cenários de publicidade e nossa equipe do peito. Foram apenas duas semanas de filmagem. Incrível.

Revista de CINEMA – Como você vê atualmente o mercado nacional de audiovisual?
Andrea Ribeiro – Acho que o cinema no Brasil melhorou muito. A constância traz consistência. A gente começa a ter mais roteiristas, diretores, fotógrafos, todo mundo consegue exercitar mais e com isso ficamos melhor. Ainda falta trazer mais o público, mas acho que entender o que o público quer faz parte desse aprendizado. Quanto à TV, acho ridículo o espaço que a produção independente ocupa. É minúsculo esse espaço. A regulamentação é fundamental, só assim a produção independente terá seu espaço. Mas as coisas têm que ser feitas com calma e de forma crescente. Não adianta dizer “a partir de hoje a TV tem que exibir tantas horas de conteúdo independente”. Não sei nem se o mercado estaria apto para suprir. Mas sou totalmente a favor de que se crie regras.

Revista de CINEMA – É mais fácil captar recursos hoje em dia, especialmente para uma produtora como a O2?
Andrea Ribeiro – Captar recurso é difícil. Hoje em dia temos mais algumas opções como o Fundo Setorial do Audiovisual, mas ainda é uma árdua tarefa. Para nós, o contato com os clientes da publicidade ajuda um pouco, mas bem pouco. Cinema ainda é um tabu para a maioria das empresas e está longe de ser a prioridade para elas.

Revista de CINEMA – Como foi esse processo com “Cidade de Deus”, um filme polêmico à época, e no começo da carreira cinematográfica da empresa?
Andrea Ribeiro – O Fernando [Meirelles, diretor] teve que bancar boa parte do projeto, pois, na época, ninguém queria apoiar um filme sobre tráfico de drogas na favela e sem atores conhecidos. Acabamos conseguindo recursos fora do Brasil. Aí o filme arrebentou em Cannes. Quando voltei para São Paulo, foi mais fácil conseguir fechar o patrocínio. Tinha até empresa nos procurando. Mas se não fosse a disposição do Fernando e da produtora em bancar o projeto, não teríamos feito “Cidade de Deus”.

Revista de CINEMA – Há investimentos além de editais?
Andrea Ribeiro – Dependendo do tema do filme, há. “Xingu”, pelo tema, conseguiu algumas empresas parceiras que aportaram dinheiro ao filme. Fora isso, pode haver investimento de dinheiro bom com recuperação prioritária para o investidor. Mas acho que por aqui ainda estamos começando a conseguir esse tipo de investimentos. Filmes do Fernando, do [José] Padilha [“Tropa de Elite 2”] e de diretores que tenham grandes sucessos são os que tem mais chance de acessar esse dinheiro. A massa ainda precisa dos editais e dos artigos 1º e 3º da Lei do Audiovisual.

Revista de CINEMA – O sucesso que Fernando Meirelles conseguiu no exterior, bem como a O2, atraiu investidores?
Andrea Ribeiro – Ajudou muito. Hoje somos recebidos por qualquer estúdio ou produtora no mundo. Mas, o que conta mesmo é se você tem um projeto pertinente e com potencial comercial. Senão você não tem chance. Ninguém se arrisca mais; com um filme falado em português, menos ainda. Vira e mexe temos um investidor querendo comprar a O2 ou parte dela. Pelo menos por hora, fugimos de um sócio-investidor que terá o pensamento voltado plenamente para rentabilidade. Fugimos desse modelo.

Revista de CINEMA – As coproduções são uma fonte de recursos?
Andrea Ribeiro – A coprodução não deve ter como único objetivo arrumar dinheiro, tem que ter um motivo concreto. “Ensaio sobre a Cegueira”, para mim, é o típico caso de uma coprodução bem-sucedida. Uma coprodução é como um casamento. Você vai ter que lidar com aquele filme e com aqueles parceiros por muitos anos. Então tem que haver algo mais do que simplesmente o dinheiro. Mas é uma excelente forma de alavancar um filme. Mas, para as coproduções funcionarem, a Ancine tem que colaborar. Uma coprodução não pode esperar oito, nove, dez meses por uma análise. A enorme burocracia da Ancine não joga a favor da coprodução. Aliás, a burocracia da Ancine anda atrapalhando os produtores de forma mais ampla.

Revista de CINEMA – De que forma?
Andrea Ribeiro – Infelizmente, ela cai no lugar comum do Brasil. Uma “burrocracia” que atrapalha o desenvolvimento do país. Acho que a fiscalização do dinheiro público é importantíssima e fundamental, mas isso pode ser feito de forma mais moderna, com uma gestão mais azeitada. A reclamação é geral com os produtores. “Pegue o formulário 716, preencha, entregue carimbado, que analisaremos”. Depois de alguns meses, vem um questionamento para o produtor, “preencha novamente o formulário, justifique e entre na fila”. De novo. E, novamente, mais uma dúvida. “Pegue o formulário, justifique e entre na fila”… Nisso, lá se foi seu ator, seu contrato, sua saúde, seu coprodutor. Mas não quero me estender porque todos sabem disso, inclusive a própria Ancine, que vem se reunindo com os produtores e está tentando se desburocratizar.

Revista de CINEMA – Recentemente, a O2 esteve envolvida com duas coproduções bem-sucedidas: “Lixo Extraordinário”, de Lucy Walker, João Jardim e Karen Harley, e “José e Pilar”, de Miguel Gonçalves Mendes. Como se deu esse acordo?
Andrea Ribeiro – “Lixo Extraordinário” começou em Cannes, em 2006 ou 2007, quando conheci o produtor inglês. Ele me contou do projeto e, a princípio, seria apenas um “production service”. Logo nos primeiros dias de filmagem, a diretora Lucy Walker foi chamada para outro documentário. O produtor inglês então me pediu um diretor. Indiquei o João Jardim, que, para mim, é um dos melhores nessa área. Nessa altura estávamos com toda a equipe brasileira, filmando no Brasil, e o projeto ainda precisando de um aporte de dinheiro. Daí viramos coprodutores. Com “José e Pilar”, o diretor português pediu uma ajuda ao Fernando para terminar o documentário sobre o Saramago e sua esposa, Pilar. O Fernando, que tinha tido uma relação bem próxima com o Saramago, colocou à disposição a estrutura da O2 para a montagem e finalização do documentário. O Fernando também ajudou no mercado internacional e na divulgação do projeto. Foi assim que viramos coprodutores. Mas tem outras histórias também. “O Banheiro do Papa” foi outra coprodução, com o Uruguai e a França. É um filme do Cesar Charlone, que, além de ser excelente fotógrafo, é diretor da O2. É um projeto pequeno, bem autoral, mas muito emocionante. Entramos para ajudar a captar o dinheiro que faltava e também com alguma estrutura de pós. Trabalhamos também as vendas internacionais do filme. E já fizemos duas coproduções com a brasileira Coração da Selva.

Revista de CINEMA – Como chegar ao mercado externo? E ao interno?
Andrea Ribeiro – Ao mercado externo só se chega com um filme muito bom e relevante. O filme estrangeiro tem um mercado pequeno, então ele precisa se destacar da média e se destacar também nos festivais internacionais importantes. Ao mercado interno, com bons filmes. Aliás, nem sempre. Às vezes o público gosta de filmes que não são tão bons. Filmes com cara e humor televisivo costumam agradar o público em cheio. Não existe fórmula. Se tivesse, estaria rica fazendo cinema (risos).

Revista de CINEMA – Como você vê a questão da distribuição no Brasil?
Andrea Ribeiro – A distribuição no Brasil faz parte de um modelo de distribuição mundial. O fato é que, como produtora, nunca ganhei dinheiro com cinema, nem mesmo em “Cidade de Deus”, que fez mais de 3 milhões de espectadores. Então tem algo errado. O produtor trabalha quatro, cinco, seis anos num filme, corre a maior parte dos riscos, e é o último a ver o dinheiro – quando vê. Então, repetindo, tem algo errado nesse modelo. Estou muito curiosa pelo novo modelo do Padilha. Não acho que vá salvar a lavoura de ninguém, mas é mais uma possibilidade que poderá funcionar muito bem para um determinado tipo de filme.

Revista de CINEMA – Quão importante é investir numa infraestrutura?
Andrea Ribeiro – Depende do tamanho da produtora e do que ela faz. Se estamos falando de uma produtora que só produz filmes, não vale investir em infra. No caso da O2, como somos grandes, fazemos publicidade, TV e cinema, vale a pena. Temos muito mais conforto para nossos trabalhos, além de ser mais econômico. Mas investir em estrutura só vale se você for grande, senão só dá trabalho e prejuízo.

Revista de CINEMA – Há investimento também em novos talentos?
Andrea Ribeiro – A O2 investe o tempo todo na “base da pirâmide”. Como a produtora é muito grande, somos berçário para grandes talentos. Daniel Rezende, por exemplo, foi herói na O2. Herói é o termo carinhoso pelo qual chamamos nossos estagiários.

 

Por Gabriel Carneiro

One thought on “Uma nova visão para o renovado cinema brasileiro

  • 25 de outubro de 2011 em 22:17
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    ANDREA BARATA RIBEIRO, quero agradecer por trabalhar para o cinema brasileiro, muito obrigado!

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