Coleção Tarantino

Os admiradores de Quentin Tarantino se deliciarão com o lançamento de caixa com a Coleção Tarantino (“Pulp Fiction”, “Jackie Brown”, “Kill Bill I e II”), pela Imagem Filmes. Nessa caixa, com exceção de “Cães de Aluguel” e “Bastardos Inglórios”, o restante da obra do grande geek do cinema americano. Da Coleção, em função da repercussão que causou, e de rapidamente ter ganhado a aura de um dos filmes mais celebrados das últimas décadas, destaque para “Pulp Fiction” (1994).

Com “Pulp Fiction”, Tarantino ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, e o Oscar de melhor roteiro. Ele foi, então, alçado à condição de grande símbolo da cultura pop e de referência de cinema pós-moderno. Para muitos, a questão era a de saber como ele se conduziria e manteria o padrão de cinema com narrativa descolada e antenada aos hábitos de marginais comuns, com diálogos tão insólitos quanto banais. Para os desconfiados, sua filmografia seguinte guarda lugar de inequívoco destaque na história do cinema americano.

O espaço que ocupa nessa cena se deve, em grande parte, a “Pulp Fiction”, uma espécie de suma do estilo Tarantino. A narrativa alterna situações e temporalidade com o intuito de embaralhar a compreensão do espectador acostumado a uma trama linear. O filme começa e termina com a mesma sequên­cia, mas não se trata de um flashback convencional, pois intercala à trama situações que envolvem os personagens em ações passadas e futuras. Por si só, essa ousadia narrativa seria suficiente para fazer de “Pulp Fiction” um filme pouco comum. Mas, nesse arroubo narrativo, uma trama que prende o espectador tanto quanto o desconcerta.

É na capacidade de fazer um filme para um público amplo, e que exige atenção redobrada para que se possa acompanhá-lo, que reside a genialidade de Tarantino. Assim, “Pulp Fiction” está longe do que seria um filme com pretensões intelectuais, mas, paradoxalmente, nele são expostos tipos e excentricidades do submundo da violência, dignos de um filme de tese. A dupla de assassinos frívolos vividos por Samuel L. Jackson e John Travolta, o boxeador em conflito com a honra familiar, o gângster que passeia sem segurança pelas ruas, os caipiras pervertidos de uma loja de penduricalhos, revelam um mundo sórdido, grotesco, mas tratado com humor cáustico.

O humor corrosivo é, de fato, o aspecto que mais salta a atenção nesse filme. Mas ele é dosado de forma a que não se perca de vista outra dimensão igualmente importante: a ironia. Por meio desse recurso estilístico, Tarantino trata de temas carregados no plano religioso, como sentimento de culpa, vingança e redenção, assim como temas tão triviais quanto o das diferenças nos lanches de lanchonetes americanas. Na medida em que recorre à ironia, a narrativa de “Pulp Fiction” retrata, simultaneamente, a complexidade e a futilidade de um segmento da sociedade americana. Situações tensas são apaziguadas ao ponto do deboche; em igual medida, entretanto, longos diálogos sobre hábitos alimentares assumem a feição de uma querela medieval sobre a existência de Deus.

Em “Pulp Fiction”, Tarantino equilibra humor e ironia num nível que, quase duas décadas depois, esse filme guarda o mesmo frescor. A percepção de que uma obra não envelheceu é a melhor senha para se aquilatar seu valor artístico. Para os que se apegam ao slogan de filme datado, contudo, fica como dica observar os celulares em forma de tijolo, design característico desses aparelhos no início dos anos de 1990.

 

Por Humberto Pereira da Silva

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