Bonitinha e Ordinária

Muita gente ficou intrigada. Por que “Bonitinha, mas Ordinária” – produção de Diler Trindade e direção de Moacyr Góes, conhecidos por filmes baratos, realizados em prazos compactos – ficara anos encalacrada?

A terceira versão da peça de Nelson Rodrigues, dedicada a Otto Lara Rezende, demorou quatro anos até chegar ao público. Foi realizada em 2008, e só teve sua primeira sessão pública em maio deste ano, no Cine PE. Quatro anos nas prateleiras impediram o filme de estrear em 2012, ano do centenário do dramaturgo.

As adaptações de “Bonitinha, mas Ordinária” marcaram época. A primeira veio a público em 1964, sob direção de Bill Davis, pseudônimo de J.P. de Carvalho, com Odete Lara e Jece Valadão. Num tempo em que o dramaturgo era sinônimo de “depravação”, o filme recebeu censura de 18 anos. Em 1981, Braz Chediak comandou a segunda versão. A censura continuou interditando o filme a menores de 18 anos. À frente do elenco, Vera Fischer, Lucélia Santos e José Wilker. A “Bonitinha” de Chediak fez sucesso: vendeu 1.938.136 ingressos. Quase um terço do que vendera, três anos antes, “A Dama do Lotação”, de Neville D´Almeida (6,5 milhões), a mais bem sucedida, do ponto de vista comercial, recriação de um texto de Nelson Rodrigues.

Por que a terceira “Bonitinha, mas Ordinária” demorou tanto para chegar ao público? Estaria a dupla Diler-Góes, do sucesso “Maria, a Mãe do Filho de Deus” (2.332.873 de espectadores) enferrujada? Ou a culpa era dos três belicosos ramos da família Rodrigues que, envolvidos em disputas judiciais, impediam o lançamento? O filme enfrentava problemas internos? Falou-se, até, que o protagonista masculino, João Miguel, o renegara.

Diler explica por que um longa “realizado em quatro semanas levou quatro anos para ser lançado”. Depois de lembrar que conheceu “Nelson Rodrigues na TV Rio e sempre sonhou em levar um texto dele ao cinema”, o produtor garantiu ter procurado os herdeiros do dramaturgo e adquirido, sem problemas, os direitos autorais. “Como produtor, seria impossível agir sem os direitos autorais. As leis de incentivo só permitem captação de recursos a quem dispõe de autorização dos detentores da obra”. A ideia era fazer “um filme vigoroso, corajoso e com elenco maravilhoso”. As primeiras tentativas de captação de recursos não deram resultado. “Pegamos dinheiro emprestado de agiota e fomos em frente, pois achávamos que seria fácil captar junto ao mercado. Filmamos”. Só que, confessa Diler, “passamos três anos correndo atrás das empresas. Em vão. Os gerentes de patrocínio não se motivaram com o projeto que envolvia o estupro de uma jovem. Estamos vivendo tempos muito pudicos”.

O produtor pediu socorro ao Canal Brasil. Conseguiu R$ 30 mil. E só no ano passado conseguiu vencer o Edital de Finalização da Petrobras. “Não deu, infelizmente, para lançar o filme no ano do centenário do Nelson”. O produtor conversou com Severiano Ribeiro, em encontro de exibidores em Campos do Jordão. O poderoso exibidor carioca, “admirador do filme”, sugeriu que batalhássemos por censura menos rigorosa para “Bonitinha” (o ponto de partida foi 18 anos, “por causa da cena do estupro”). Diler argumentou que “Meu Nome Não É Johnny” e “Bruna Surfistinha” conseguiram 16. “Ouviram meus argumentos e baixaram para 16”.

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