Festival de Gramado começa nesta sexta
Tem de tudo no Festival de Cinema de Gramado deste ano, que se realiza na Serra Gaúcha, de 9 a 17 de julho; da animação gaúcha em 3D, “Até que a Bósnia nos Separe”, de Otto Guerra e Ennio Torresan Jr., o primeiro realizado totalmente neste formato, à narrativa poética de Lina Chamie com “Os Amigos”, ao documentário sobre o fotógrafo Sebastião Salgado, “Revelando Sebastião Salgado”, da carioca Betse de Paula. Serão 14 filmes de longa-metragem disputando o troféu Kikito e prêmios em dinheiro, sendo oito filmes brasileiros e quatro hispano-americanos. “Flores Raras”, de Bruno Barreto, é o filme convidado para a noite de abertura.
A seleção demonstra também que as relações com os países de língua hispânica e portuguesa vêm obtendo resultado, com três filmes em competição: “A Oeste do Fim do Mundo”, do gaúcho Paulo Nascimento, uma coprodução do Rio Grande do Sul com a Argentina, “Repare Bem”, da atriz e diretora portuguesa, Maria de Medeiros, um documentário nascido no Brasil, com personagens brasileiras, a ex-guerrilheira Denise Crispim, viúva do militante político Eduardo Leite “Bacuri” e a filha de ambos, e “El Padre de Gardel”, de Ricardo Casas, uma coprodução com a Casa de Cinema de Porto Alegre.
Brasileiros inéditos
A seleção brasileira se mostra promissora. Dos oito títulos da categoria, cinco são 100% inéditos: os paulistanos “Os Amigos”, de Lina Chamie, e “A Bruta Flor do Querer”, de Andradina Azevedo e Dida Andrade; o pernambucano “Tatuagem”, de Hilton Lacerda; o gaúcho “Até que a Sbórnia nos Separe”; e o carioca “Revelando Sebastião Salgado”, documentário de Betse de Paula.
A competição complementa-se com três longas já exibidos em outros festivais, mas inéditos no circuito comercial: os cariocas “Primeiro Dia de um Ano Qualquer”, do veterano Domingos Oliveira, e “Éden”, de Bruno Sáfadi, que somam-se a “A Coleção Invisível”, do franco-baiano Bernard Attal. A presença deste filme na competição deve emocionar o público gaúcho ao trazer a última participação do porto-alegrense Walmor Chagas no cinema. O ator surpreendeu a todos, em janeiro último, com sua inesperada opção, aos 81 anos, pelo suicídio.
“Tatuagem”, estreia do roteirista Hilton Lacerda no longa ficcional (ele é coautor do documentário “Cartola”), deve causar sensação no festival, com a proposta de um filme poético-anarquista e com fortes cenas de amor homossexual. Rodada integralmente em Pernambuco, nas cidades de Olinda, Recife e Bonito, e protagonizada por Irandhir Santos, a trama se desenvolve no ano de 1978, quando a ditadura militar já mostrava sinais de superação. Um teatro-cabaret, o Chão de Estrelas, é ponto de encontro de intelectuais e artistas, que, junto a seu tradicional público de homossexuais, ensaia a resistência pelo deboche e pela anarquia. Clécio, de 32 anos, líder da trupe, verá sua vida mudar quando apaixonar-se pelo soldado Fininha, de 18 anos.
“Os Amigos”, quinto longa da diretora Lina Chamie e terceiro filme ficcional, tem produção de Sara Silveira, fotografia do craque Jacob Solitrenick e elenco que reuniu grandes nomes: Marco Ricca, Dira Paes, Alice Braga, Sandra Corveloni, Caio Blat, Fernando Alves Pinto e Giulio Lopes. Lina mais uma vez mergulha na metrópole paulistana para mostrar um dia na vida do arquiteto Téo, de um nascer do sol ao outro. Pela manhã, ele vai ao funeral de um amigo de infância. Ao longo do dia, vai lembrar-se do amigo e, quem sabe, através de pequenos gestos cotidianos, se redescobrir.
O gaúcho Otto Guerra deve sacudir a Serra Gaúcha com “Até que a Sbórnia nos Separe”, seu terceiro longa de animação, os anteriores são “Rock & Hudson” e “Wood & Stock”. A história, que conta os absurdos no mundo de Sbórnia, é baseado em um dos maiores sucessos da história do teatro musical riograndense “Tangos e Tragédias”, de Hique Gómez e Nico Nicolaiewsky, que em 20 anos em cartaz já foi visto por mais de um milhão de espectadores. A dupla empresta suas vozes ao desenho, assim como o próprio Otto, Arlete Salles, Fernanda Takai e o hilário André Abujamra, também autor da trilha sonora.
“A Bruta Flor do Querer”, de Andradina Azevedo e Dida Andrade, realizadores oriundos do curta-metragem, tem proposta metalinguística. Na trama, Diego, um recém-formado no curso de audiovisual, se vê obrigado a trabalhar como cameraman em festas de casamentos. Enquanto luta para realizar seu primeiro filme e ser visto como diretor, ele tenta sobreviver ao seu maior medo e objeto de desejo: as mulheres. Não há nenhum nome estelar no elenco, nem nos créditos técnicos.
“Revelando Sebastião Salgado”, quarto longa-metragem de Betse de Paula, é um documentário sobre o grande fotógrafo mineiro, cidadão do mundo. Betse conquistou os principais prêmios do Cine PE com a comédia “Vendo ou Alugo”, e agora compete pelo Kikito de melhor filme em Gramado. Sebastião Salgado, vale lembrar, é tema de filme em fase de finalização, assinado por ninguém mais, ninguém menos, que o alemão Wim Wenders.
A força do cinema argentino
A Argentina, que continua sendo a mais vistosa cinematografia do subcontinente, se faz representar no festival por dois títulos, “Puerta de Hierro – El Exilio de Perón”, de Dieguillo Fernández e Víctor Laplace, e “Venimos de Muy Lejos”, de Ricardo Piterbarg. O Uruguai marca presença com “El Padre de Gardel”, de Ricardo Casas, uma coprodução com a Casa de Cinema de Porto Alegre. A Colômbia comparece com “Cazando Luciérnagas”, de Roberto Flores Prieto. Como se vê, dois ícones da região platina serão evocados: o cantor Carlos Gardel e o ex-presidente Juan Domingo Perón.
No documentário de Ricardo Casas, Carlos Gardel aparece em fotos e fragmentos dos filmes “El Día que me Quieras” (1935) e “Flor de Durazno”, película muda de 1917. E vale lembrar que o argentino Víctor Laplace, codiretor e roteirista de “El Exílio de Perón”, é um ator dos mais respeitados em seu país, presente em 60 filmes.
Curtas brasileiros e gaúchos
Gramado apresentará duas mostras; uma brasileira com 16 curtas, e uma gaúcha, com 18. Um título deve chamar atenção “Os Filmes Estão Vivos”, dos gaúchos Fabiano de Souza e Milton do Prado, que tem como personagem o crítico e estudioso de cinema, Enéas de Souza, pai do diretor. Thais Fujinaga, diretora do premiado “L”, volta com “Os Irmãos Mai”. E Hélio Villela Nunes, que causou sensação com “A Mula Teimosa e o Controle Remoto”, disputa o Kikito com “Arapuca”. “Sanã”, do mineiro Marcos Pimentel, cativa os olhos com a brancura de seu protagonista albino, imerso na alva imensidão dos Lençóis Maranhenses. O também mineiro Gilberto Scarpa, que ganhou muitos prêmios com “Os Filmes que Não Fiz”, volta aos festivais de primeira linha com “Merda!”. Os jovens do Projeto Querô, da Baixada Santista, chegam com o documentário “Carregadores de Monte Serrat”, de Cássio Santos e Júlio Lucena.
O produtor Ralfe Cardoso, diretor executivo do evento assegura que “depois de sanar muitas dúvidas e realizar vários desejos na edição de 2012, chegamos à 41º edição dispostos a ousar mais. Queremos que Gramado seja a tela preferida, a mais querida, do Brasil”. Por isto, “estamos somando forças, trabalhando coletivamente”. Rosa Helena Volk, secretária de Turismo de Gramado e coordenadora geral do Festival, assegura que “houve significativo crescimento na parte técnica e artística do evento e Gramado se credencia cada vez mais como porta-voz do cinema brasileiro e latino”.
Por Maria do Rosário Caetano