Produção independente se destaca em Contagem

Há um ano, André Novais Oliveira desembarcou no Festival de Cannes para apresentar seu curta mais recente, “Pouco Mais de Um Mês” (2013), na Quinzena dos Realizadores, de onde saiu com uma menção honrosa. André já havia se destacado para olhares mais atentos com “Fantasmas” (2010), mas foi mesmo com “Pouco Mais de Um Mês” que o diretor mineiro consolidou seu espaço. É nesse bom momento que André prepara seu primeiro longa-metragem solo, “Ela Volta na Quinta”, atualmente, em fase final de montagem, sobre um casal na terceira idade que está em crise, afetando os filhos que estão saindo de casa.

Em “Ela Volta na Quinta”, André escalou seus pais, Norberto Francisco Oliveira e Maria José Novais, para viverem o casal em crise. Os filhos são interpretados por ele mesmo e por seu irmão Renato Novais. O longa parte de situações familiares para contar a história. Familiares, mas não biográficas, ressalta ele. “O filme é uma ficção, a história é fictícia, mas tem elementos da minha família. Decidi me inserir por sentir que precisava desse retrato completo de uma família”, conta o diretor, que já dirigiu também o longa coletivo “Estado de Sítio” (2011), com outros sete amigos.

Narrativa naturalista

Não é a primeira vez que André coloca atores não profissionais em cena, em especial parentes e amigos, tampouco é sua estreia como ator em um filme seu. Colocar-se em cena é algo bastante recorrente em seu cinema. Em “Pouco Mais de Um Mês”, ele e sua namorada, Élida Silpe – que repete o papel em “Ela Volta na Quinta” –, protagonizam um casal em começo de namoro, passando pela primeira crise. “Já tinha trabalhado com os meus pais em outro curta [“Rua Ataléia”], que ainda não está finalizado. Percebi que eles tinham capacidade para atuar em outro filme. Gosto da coisa naturalista que vem da atuação de muitos não atores”, comenta.

André Oliveira no set de filmagem de “Ela Volta na Quinta”, ao lado da mãe e de Gabriel Martins, fotógrafo e montador do filme, em cenário feito em sua própria casa. © Gabriel Martins

Na busca desse naturalismo, André opta por não fazer preparação de elenco, mesmo eles não tendo formação nas artes dramáticas. “O que tento fazer é não deixar que decorem o texto, e com isso acontecem algumas improvisações. São poucos ensaios e, em algumas cenas, os ensaios são feitos minutos antes da filmagem, como tentativa de ter diálogos e atuações mais espontâneas”, explica André, diretor também dos curtas “Uma Homenagem a Aluízio Netto” (2004), “A Mulher que Sabia Demais” (2005), “Um Dia Meio Parado” (2006), “150 Miligramas” (2009) e “Domingo” (2011). “Ela Volta na Quinta” é o primeiro filme de André a contar com algum incentivo. O filme foi feito com dinheiro recebido no edital de curtas da Filme em Minas, no valor de R$ 87 mil. Com o tempo, o diretor-roteirista percebeu que havia mais história a contar, transformando o curta em longa, e resolveu filmar com a verba que tinha.

Na mesma toada de “Pouco Mais de Um Mês”, “Ela Volta na Quinta” trabalha bastante também com situações cotidianas e com o tempo real das situações. “Acho que através do cotidiano contamos muitas coisas de dentro e de fora dos personagens. São diálogos que pretendem se aproximar da vida real, da maneira que as pessoas falam normalmente. E esses diálogos e situações falam muito da personalidade de cada um e do que sentem”, afirma André. “Há uma proximidade muito grande da câmera com os personagens. Acho que a coisa da maioria deles serem interpretados por pessoas da minha família ajuda nisso. Há também uma tentativa de imitação do tempo real das coisas, das conversas do cotidiano”, complementa.

Contagem e o processo coletivo

No cinema de André Novais Oliveira, também é forte sua relação com o espaço e com sua paisagem cotidiana, a periferia da cidade onde mora, Contagem – cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, a 20 km da capital. “Tanto no ‘Pouco Mais de Um Mês’ quanto no ‘Ela Volta na Quinta’, o roteiro e a ideia definem o local. E eles só cabem nesses locais. No ‘Fantasmas’, é uma esquina qualquer de um bairro de periferia, e mesmo podendo ser em outra esquina, não conseguia ver o filme sendo feito em outro lugar que não aquele. No caso do ‘Ela Volta na Quinta’, ele não foi filmado apenas em Contagem, mas também em Belo Horizonte, Sete Lagoas e Mateus Leme”, conta o cineasta, que mesmo filmando na periferia não pretende fazer um cinema essencialmente social – tanto que seus filmes focam, em geral, relações afetivas. “Acho que os filmes que faço tratam de algo social de um modo indireto, por afirmação de algumas coisas. Me interessa muita coisa ao filmar, mas principalmente contar uma história respeitando os personagens e seus contextos, e que essa história chegue nas pessoas”, complementa.

Foi em Contagem também que André Novais Oliveira formou sua produtora, a Filmes de Plástico, em 2009, ao lado dos também cineastas Gabriel Martins e Maurílio Martins – sem parentesco. Pouco depois, juntaram-se a eles o produtor Thiago Macêdo Correia. A produtora funciona quase como um coletivo, em que seus sócios desempenham diferentes funções nos filmes um dos outros, além de contarem com parceiros habituais. Em “Ela Volta na Quinta”, Gabriel fez a fotografia e a montagem, Maurílio fez o som direto e Thiago se encarregou da produção executiva e da direção de produção. Entre os habituais, completando a pequena equipe, Tati Boaventura fez a direção de arte e o figurino, e o filme contou, como assistentes, com Lygia Santos, Diogo Lisboa, Flávio Von Sperling, Samuel Marotta e Leonardo Amaral; Fábio Baldo fará a edição e mixagem de som. “A equipe é extremamente importante e a base dela está cada vez mais forte devido às várias experiências juntos em outros filmes. Temos um diálogo muito aberto e o set geralmente é bem tranquilo. ‘Ela Volta na Quinta’ foi um filme mais trabalhoso que nos cansou pelas várias diárias, diferente do ‘Fantasmas’ e do ‘Pouco Mais de Um Mês’ que foram filmados em um dia só”, explica.

Cannes e o futuro

Formado em História pela PUC-MG, tendo estudado um ano na Escola Livre de Cinema, em Belo Horizonte, André acredita que a seleção em Cannes de “Pouco Mais de Um Mês” mudou muito pouco de sua vida. “Acho que o que mudou um pouco foi muitas pessoas se interessarem e procurarem os filmes da Filmes de Plástico. Mas sinto que no resto não mudou, pois a dificuldade pra fazer filmes é a mesma. Continuo não vivendo disso plenamente, do jeito que gostaria, mas confesso que nos últimos anos isso melhorou”, comenta o cineasta.

Cena do curta “Pouco Mais de Um Mês”, com André, que além de dirigir, atua como ator ao lado de sua namorada Élida Silpe

Enquanto fecha o corte de “Ela Volta na Quinta”, André já prepara os próximos projetos da Filmes de Plástico. Além de trabalhar como assistente de direção no curta “Rapsódia para o Homem Negro”, de Gabriel Martins, e no longa “No Coração do Mundo”, a ser codirigido por Gabriel e por Maurílio Martins – este com verba do edital de longas da Filme em Minas –, André Novais Oliveira também dirigirá, com verba do 1º Prêmio BDMG Cultural, da Fundação Clóvis Salgado, o curta “Quintal”.

 

Por Gabriel Carneiro

 

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