Gramado um pouco mais latino

O Festival de Gramado chega à sua 42ª edição, que acontece de 8 a 16 de agosto, com uma queda maior para o cinema latino e um trunfo midiático: a estreia do cantor e compositor Alceu Valença na direção cinematográfica. Há anos, ele trabalha na finalização de “A Luneta do Tempo”, narrativa onírico-sertaneja que soma cangaço, cordel, cinema e circo. Outro nome bastante conhecido a estrear na direção é o ator Caco Ciocler, com o documentário “Esse Viver Ninguém me Tira”, registro da trajetória de Aracy de Carvalho, mulher de João Guimarães Rosa, no período (1938-1942) em que ambos trabalharam no serviço diplomático brasileiro em Hamburgo, na Alemanha. “Dona Aracy, que morreu com 103 anos” – lembra Ciocler – “é a única brasileira que tem seu nome inscrito na Avenida dos Justos entre as Nações, em Jerusalém”.

Este ano, o evento contou com a curadoria para os filmes latinos da produtora argentina Eva Piwowarski, que junto com Rubens Ewald Filho e Marcos Santuário selecionaram entre mais de cem longas-metragens, do Brasil e de países ibero-americanos, cinco produções da América Latina e oito nacionais, sendo cinco inéditas e três já mostradas nos festivais do Rio ou Paulínia.

O “olhar feminino e latino” de Eva Piwowarski prospectou a safra ibero-americana, que ganhou reforço. Foram selecionados dois filmes argentinos, “El Crítico”, de Herman Guerschnuy, e “Algunos Dias Sin Música”, de Matias Rojo, o venezuelano “Esclavo de Diós”, de Joel Novoa Schneider, o uruguaio “O Lugar do Filho”, ou “O Militante”, de Manuel Nieto, e o chileno “Las Analfabetas”, de Moises Sepúlveda. Este filme poderá trazer ao Brasil a mais premiada atriz latino-americana dos últimos tempos: Paulina Garcia, Urso de Prata em Berlim e Prêmio Platino pela cativante “Glória”, de Sebastián Lelio. Três dos filmes latinos já foram exibidos na Mostra Internacional de São Paulo: “Las Analfabetas”, “O Lugar do Filho” e “O Crítico”.

“Dispusemos de mais de 50 títulos latinos para analisar, muitos vindos da Argentina, que, claro, foram deixados de fora, pois só há espaço para um máximo de dois títulos por país. Escolhemos, então, os filmes que nos pareceram mais contundentes, bons e sólidos. Desta vez, a mostra ficou concentrada na América do Sul”. Mas, promete, “no ano que vem, teremos mais tempo e assistiremos, os três curadores, a filmes também da América Central e do México”, relatou Eva Piwowareski à Revista de CINEMA.

Sete ficções e um documentário representam o Brasil

A safra brasileira deste ano, em Gramado, só incluiu um documentário, o de Caco Ciocler. Os outros sete títulos são ficcionais. Além dos filmes de Alceu Valença e Caco Ciocler, os inéditos “O Segredo dos Diamantes”, do mineiro Helvécio Ratton, “A Despedida”, do o paulistano Marcelo Galvão, “Os Senhores da Guerra”, do gaúcho Tabajara Ruas, e os já conhecidos “A Estrada 147”, de Vicente Ferraz, coprodução Brasil-Itália, exibido no ano passado no Festival do Rio; “Sinfonia da Necrópole”, de Juliana Rojas, e “Infância”, de Domingos Oliveira, exibidos semanas atrás, em Paulínia.

“A Despedida”, de Marcelo Galvão, premiado em Gramado, dois anos atrás, com “Colegas”, narra a história de um homem de 92 anos, Almirante (Nélson Xavier), que decide despedir-se de tudo que julgava importante e viver sua última noite de amor e sexo. Sua parceira será Fátima (Juliana Paes), 55 anos mais nova que ele. No elenco de apoio, estão Nil Marcondes, Oswaldo Mil, Thereza Piffer, Deto Montenegro, Ithamar Lembo e NoBru.

“O Segredo dos Diamantes” é uma aventura infanto-juvenil comandada por Helvécio Ratton, autor de “A Dança dos Bonecos”, “Menino Maluquinho” e “Pequenas Estórias”. Dira Paes, Rui Rezende, Rodolfo Vaz e Manoelita Lustosa (falecida recentemente) somam-se a elenco adolescente para contar a história de Ângelo, garoto de 14 anos, que busca um tesouro de diamantes para salvar a vida do pai. Com ajuda de amigos, ele tentará, enfrentando vários desafios, decifrar um enigma do século XVIII. Na retaguarda de Ratton, um time de craques: o fotógrafo Lauro Escorel, o diretor de arte Adrian Cooper e o montador Mair Tavares que editou também “A Estrada 147”. Na trilha sonora, André Baptista e o Skank Samuel Rosa.

A produção gaúcha marcará presença com Tabajara Ruas e “Os Senhores da Guerra”. Apaixonado pela história do Rio Grande do Sul, o escritor e cineasta narra a trajetória de dois irmãos, Júlio e Carlos Bozano, integrantes da elite pampeana, que se colocam em lados opostos na guerra civil de 1924. Cultos e unidos por profunda amizade (a história é real), um estava do lado dos Chimangos, o outro dos Maragatos. Júlio, chimango e legalista (era prefeito de Santa Maria), recebe a missão de impedir o avanço das tropas rebeldes, lideradas pelo general Zeca Neto. Carlos, por sua vez, é maragato e secretário particular do líder rebelde. O destino colocará o líder comunista Luiz Carlos Prestes entre os dois irmãos Bozano. E a guerra os colocará à prova. O que vale mais: a fraternidade ou as bandeiras bélicas?

O cinema de ficção entrou na vida de Alceu Valença pelas mãos do compositor-cantor-cineasta Sérgio Ricardo. Em 1974, ele interpretou o Espantalho, no musical alegórico “A Noite do Espantalho” (entre os roteiristas do filme estava Jean-Claude Bernardet). “A Luneta do Tempo”, assim como o filme de Ricardo, é um drama musical. Foi escrito (e musicado) por Alceu, que se conteve atrás das câmaras. Para encabeçar o elenco, ele escalou três grandes nomes do cinema nordestino: Irandhir Santos, Hermila Guedes e Servílio Holanda (este, um dos integrantes do Grupo Piolim, da Paraíba).

“A Estrada 47” é uma coprodução Brasil-Itália comandada por Vicente Ferraz, brasileiro que vem abrindo parcerias com diversos países. Seu primeiro longa, “Soy Cuba, o Mamute Siberiano”, uniu Brasil e Cuba. O segundo, “O Estado do Mundo”, filme em episódios, reuniu diretores de vários países. E o terceiro, “O Último Comandante”, codirigido com Isabel Martinez, uniu Brasil e Costa Rica.

O novo filme, que tem no elenco o italiano Sérgio Rubini (de “Entrevista”, de Fellini), o alemão Richard Sammel e os brasileiros Daniel Oliveira, Júlio Andrade, Francisco Gaspar e Ivo Canelas, se passa na Itália, em 1944. Uma esquadra de caçadores de minas da FEB sofre um ataque de pânico. Com fome e frio, os pracinhas têm que optar por enfrentar a Corte Marcial ou encarar novamente o inimigo. Remanescentes do grupo, empenhados em desarmar um campo minado, encontram, no caminho, um italiano (Rubini) que quer se tornar um partiggiano e um oficial alemão (Sammel) cansado da guerra.

Completam a competição, os longas “Sinfonia da Necrópole”, de Juliana Rojas, e “Infância”, de Domingos Oliveira (ver matéria sobre o Festival de Paulínia). Gramado, que há mais de duas décadas investe em alcance internacional, apresentará (espera-se que devidamente legendados) seus 13 longas e 15 curtas a representantes de festivais como Cannes, Tribeca, Toulouse, Havana, Mar Del Plata e Guadalajara.

 

Por Maria do Rosário Caetano

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