Mostra SP: novo filme de Giorgetti, cinema uruguaio, A Guerra das Patentes, os Filmes da Minha Vida
A CIDADE IMAGINÁRIA – Quem for assistir ao novo filme de Ugo Giorgetti – “A Cidade Imaginária” (sessões dias 26, no CineSesc, dia 27, na Sala CineMário, e dia 28, na Faap) – se espantará com suas primeiras imagens. Afinal, pela primeira em sua longa carreira no audiovisual, o “Adoniran Barbosa do cinema paulistano” abandona o tempo presente e faz um filme de época (situado no final do século XIX). E mais, cadê São Paulo, cidade que ele ama-e-odeia e que ambientou todos os seus filmes? O novo trabalho de Ugo, criado para série de telefilmes da TV Cultura, se passa num navio povoado de imigrantes, pobres e analfabetos, que chegam de várias partes da Itália, para começar nova vida no Brasil. A trama se desenvolve nas vésperas do desembarque no Porto de Santos. De lá, eles seguirão para São Paulo. Ou, um deles, quem sabe, para Jaú. Grandes atores do teatro paulistano (à frente, Hélio Cícero, na pele e discurso de um padre) dão corpo e voz aos imigrantes. E do que falam? De São Paulo, a “cidade imaginária” que os receberá, embora os encha de pavores. Medo de conviver com pretos (excelentes os diálogos referentes a este tema), com índios, com o desconhecido. Uma cantora de ópera sonha com o sucesso na nova terra. Um anarquista se faz passar por analfabeto, pois o Governo brasileiro prefere explicitamente atrair os iletrados, mais dóceis e menos propensos a ler textos de Bakunin, Proudhon ou Karl Marx. E mais cordatos ao aceitar baixos salários e condições adversas de trabalho. O ítalo-paulistano Ugo Giorgetti realiza um filme que tem na palavra (na qualidade dos diálogos), nas ideias e no trabalho dos atores seus pontos fortes. Dia 28 (19h00), na Faap, Giorgetti participará com o produtor Meinolf Zulhorst, das “Conversas de Cinema” (mediação do crítico de TV Maurício Stycer). Em pauta: Cinema e Televisão. Antes deles, às 15h00, na mesma Faap, o cineasta francês, Bruno Dumont, vai discutir sua microssérie televisiva “O Pequeno Quinquin”, que ganhou capa da Cahiers du Cinèma e elogios rasgados desta que é a bíblia francesa da cinefilia.
MINIMALISMO MELANCÓLICO URUGUAIO – Quando as primeiras imagens de “Os Inimigos da Dor”, de Arauco Fernandez, se imprimem na tela, somos tomados pela sensação que nos toma sempre que assistimos a uma produção contemporânea uruguaia (exceção para Charlone, de verve mais ativa e sanguínea): mais um filme minimalista-melancólico, com personagens errantes, deprimidos e tristes. “Os Inimigos da Dor” é fruto de parceria do país platino com o Brasil (representado pela Primo Filmes, de Matias Mariani, codiretor de “A Vida Privada dos Hipopótamos”). Há brasileiros no elenco (um deles, na pele de um pastor pentecostal), a língua portuguesa se soma aos dominantes alemão (língua do protagonista, Félix Marchand) e espanhol falado por policiais, adolescentes e ex-viciados. Mas o tom e a trama – um ator alemão visita Montevideu em busca de um amor perdido – são cem por cento uruguaios. Tem tudo a ver com o clima que domina filmes como “Whisky”, “Gigante” ou “O Lugar do Filho”. A capital uruguaia é vista por sua região central, longe do rio-mar da Prata, enfeitado por belas e ricas construções europeias. O espaço em que o ator alemão perambula (ou se encosta para dormir) é composto de casarões ou edifícios antigos e degradados, ruas vazias e silenciosas (perturbadas só pela ação de ladrões), amplo território de solidões. Quartos sórdidos, gente desvalida, carente, devido a dolorosas perdas afetivas. É com eles que o ator germânico, que só fala alemão, vai se relacionar. Uma trama policial até ganhará certa consistência no final. Mas o tom seguirá minimalista e melancólico, como nos influentes filmes do Wim Wenders dos anos 70.
A GUERRA DAS PATENTES – Pinta um buraco na programação. Você lê o título “A Guerra das Patentes”. Confere a origem geográfica da produção: Alemanha. E diz: vou arriscar. Alemães são gente séria. O filme pode até ser pesado, mas deve ter uma boa pesquisa e ótimas imagens. A sinopse, para quem aprecia temas políticos, promete alguma coisa: “uma investigação sobre o sistema de patentes. Quem lucra com as propriedades intelectuais e quem sofre as consequências deste sistema”. Meio vago, mas vale arriscar. E o filme só dura 80 minutos. Foi o que fiz no último sábado, no Itaú Frei Caneca. Tudo começa com a diretora, Hanna Leonie Prinzler, mergulhando no mundo das leis de proteção a patentes desde que foram criadas, há uns três séculos, na Inglaterra. Como boa germânica, Hanna percebe que tem que sair pelo mundo para entender a complexidade do assunto. Vai para os EUA, onde até gene humano é patenteado. E nunca nos esqueçamos: os EUA são a pátria dos advogados. Guerras jurídicas – e armadas – são com eles mesmo. O filme sai (não muito, pois isto seria impossível quando o assunto é patente) do plano restrito das leis e vai para o campo das vidas. Uma cidadã norte-americana está com câncer e precisa fazer um exame genético. Tal exame dirá se ela terá que extrair os ovários. Só que o exame custa U$S 4 mil, pois há que se pagar os royalties devido à empresa que patenteou o gene. A partir deste caso, a cineasta sairá em busca de outros. Um espertalhão patenteou um tipo de arroz da… Índia. O governo indiano recorreu e ganhou de volta o bem de sua agricultura, mas gastou os tubos com poderosas bancas de advogados. Um filme polifônico e complexo. Mas, como a maioria dos documentários alemães, sisudo demais. Mesmo assim, recomendo.
SÉTIMO CICLO “OS FILMES DA MINHA VIDA” – Começou ontem (21), com entrada franca, no Anexo do Itaú Augusta, o ciclo de depoimentos de críticos (este ano, com um nome da grandeza de Jean-Michel Frodon), cineastas (destaque total para o chinês Jia Zhangke), roteiristas (Bráulio Mantovani), cinéfilos e jornalistas (Artur Xexeo e eu). Horário: sempre ao meio-dia (12h00). Até terça-feira, dia 28 de outubro, falarão o crítico José Carlos Avellar (quarta), Murilo Salles (quinta), Helvécio Ratton (sexta), Frodon (sábado), Zhangke (domingo), Xexeo (segunda) e Mantovani (terça). No meio de um time de feras deste, eu modestamente dei depoimento, na última terça. Minha lista é tomada por Batalhas (de Argel e do Chile), pelas Terra e Liberdade loachianas, por Encouraçados e Mãos sobre a Cidade, por Pastores Bandidos de Orgosolo etc, etc. Haverá um ou outro alívio, pois ninguém é de ferro. E nestas horas a gente apela a quem? A São Mário “Brancaleone” Monicelli, né?
Por Maria do Rosário Caetano